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Adelto Gonçalves (Brasil), jornalista,
mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José
Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015),
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage –
o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras
d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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ADELTO GONÇALVES
Poetas
de 30: a geração dourada
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I
Contista e cronista, o mineiro Joanyr de
Oliveira (1933-2009) destacou-se principalmente como poeta,
deixando obras em que se constatam não só um estilo apurado como
o domínio das técnicas da poesia, que, como se sabe, não é feita
apenas de emoção. Outra atividade em que se destacou numa
carreira literária que passou além da marca de meio século foi a
de antologista: foram oito as coletâneas que organizou, das
quais pelo menos seis reúnem poemas dedicados a sua cidade de
adoção afetiva, Brasília. Para homenagear a sua geração,
organizou Poetas dos Anos 30 (Brasília, Thesaurus
Editora, 2016), que sai agora em edição póstuma por empenho da
Associação Nacional de Escritores (ANE), entidade da qual Joanyr
de Oliveira foi presidente de 2007 a 2009.
Se não chegou a reunir a totalidade dos
poetas nascidos no Brasil na década de 1930, pelo menos chegou
perto, ao juntar seis dezenas entre aqueles que mais se
destacaram. É claro que uma antologia invariavelmente deixa
algum nome importante de fora, até porque a seleção depende
também da aquiescência do próprio poeta ou de familiares (no
caso daqueles que já se foram).
De antemão, como o próprio organizador
reconheceu, constata-se a falta de alguns nomes de peso como o
paulista Mário Chamie (1933-2011), o pernambucano Sebastião
Uchoa Leite (1935-2003), a carioca Lélia Coelho Frota
(1938-2010), a mineira Adélia Prado (1935) e o maranhense José
Sarney (1930), cuja carreira política acabou por ofuscar a sua
própria obra literária.
Como Joanyr de Oliveira deixou claro na
introdução, nunca houve por parte do organizador a pretensão de
constituir uma antologia perfeita. Até porque seria tarefa
impossível. Mas, seja como for, há nomes de todas as regiões do
Brasil. E, se não discriminamos aqui os 60 escolhidos, é por
falta de espaço. Mas não se pode deixar de citar alguns, como
Olga Savary (1933) e Astrid Cabral (1936), da região Norte;
Ferreira Gullar (1930-2016), Cyro de Mattos (1939), Everaldo
Moreira Veras (1937-2011) e Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935),
do Nordeste; os irmãos Gilberto Mendonça Teles (1931) e José
Mendonça Teles (1936) e Miguel Jorge (1933), do Centro-Oeste;
Affonso Romano de Sant´Anna (1937), Alberto da Costa e Silva
(1931), Anderson Braga Horta (1934), Fernando Py (1935), Guido
Bilharinho (1938), Hilda Hist (1930-2004), Ivan Junqueira
(1934-2014), José J eronymo Rivera (1933), Paschoal Motta
(1936), Maria José de Queiroz (1934) e Marly de Oliveira
(1935-2007), do Sudeste; e Carlos Nejar (1939), Maria Carpi
(1939) e Walmir Ayala (1933-1991), do Sul.
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II
Uma das vozes mais representativas dessa
geração é, sem dúvida, Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador
do Brasil em Portugal, Colômbia e Paraguai e ex-presidente da
Academia Brasileira de Letras (ABL), que faz parte da antologia
Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada
pelo jornalista e poeta José Nêumanne Pinto (São Paulo, Editora
Italo Moriconi, 2001), e de outras tantas antologias de poesia
brasileira publicadas em Portugal, Estados Unidos, Uruguai,
Alemanha, Espanha (Galiza) e Itália. Eis os trechos iniciais e
finais do poema “O amor aos sessenta”, que integra a coletânea
de Joanyr de Oliveira:
Isto que é o amor (como se o amor não fosse
esperar o relâmpago clarear o degredo):
ir-se por tempo abaixo como grama em colina,
preso a cada torrão de minuto e desejo.
(...) Ser assim quase eterno como o sonho e a roda
que se fecha no espaço deste sol às estrelas
e amar-te, sabendo que a velhice descobre
a mais bela beleza no teu rosto de jovem.
Outro poeta dessa geração dourada é
Anderson Braga Horta, que tem poemas em mais de 70 antologias
organizadas no Brasil e no exterior. Um dos poemas recolhidos na
antologia é “Sétima sinfonia”, dedicado a Joanyr de Oliveira, em
que o poeta diz:
(...) Um deus que se refaz ou que se perde e
reencontra-se em relâmpagos.
Brandura e crispação, renúncia e glória.
Sol cortado por lâmina de pedra.
Deus recolhe os fragmentos de si mesmo.
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III
Naturalmente, uma antologia de poetas da
geração de 30 não podia deixar de trazer versos de Ivan
Junqueira, também crítico literário, tradutor, ensaísta e
ex-membro da ABL, autor de ensaios memoráveis sobre as obras de
Manuel Bandeira (1886-1968) e José Lins do Rego (1901-1957). De
Junqueira, são estes versos (“De onde me vem, amor...”):
(...) De onde é que aflora, tão fugaz e impressentida,
essa lembrança que de ti vou avivando
e que, sem que o descubra nem por que nem quando,
sabe-me ao texto de uma página já lida? (...)
Tampouco poderia ficar de fora Carlos
Nejar, também ensaísta, tradutor e membro da ABL, além de
romancista inventivo e reconhecido como o poeta da “condição
humana” pelo crítico português Jacinto do Prado Coelho
(1920-1984), como assinalou Joanyr de Oliveira. De Nejar está
incluído na antologia o poema “O exílio”:
O exílio não é o longe,
mas o cerco.
O exílio, campo exposto,
onde pasta o pensamento,
boi que trabalho no amanho.
O exílio é um deus amargo.
Entre as poetas, destaca-se a manauara
Astrid Cabral, também contista, ensaísta e tradutora, que se
destacou como professora de Literatura Brasileira na
Universidade de Brasília (UnB), onde integrou a primeira turma
de docentes. De Astrid, Joanyr de Oliveira recolheu, entre
outros poemas, “Sendas de rugas”, que segue abaixo:
A insônia e o sono
habitam o rosto dessas mulheres
de sorrisos maculados de metais.
Elas caminham para a morte
pelas sendas de suas rugas
e cobrem os seios lassos
não de tecidos grossos
mas de restos de sonhos.
Da memória de outros dias
elas se nutrem e não
das carnes que temperam
com cebolas.
Obviamente, os cinco poetas dos quais foram
recolhidos poemas (e excertos de poemas) para esta resenha não
ficam em qualidade acima dos outros 55 que constam da coletânea
de Joanyr de Oliveira, mas, com certeza, estão entre os melhores
do Brasil, um país dotado de infindável número de poetas, e
servem, portanto, não só como lídimos representantes da geração
de 30 como para atrair o distraído leitor para que se interesse
por conhecê-los bem como os demais.
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IV
O organizador Joanyr de Oliveira nasceu em
Aimorés-MG e desde cedo militou na literatura e no jornalismo.
Publicou seus primeiros versos em 1945 no Jornal do Povo,
de Belo Horizonte. Com a transferência da família para
Vitória-ES em 1949, começou a publicar artigos sobre folclore e
literatura na imprensa local. Chegou a Brasília em 1960, depois
de aprovado em concurso público para revisor do Departamento de
Imprensa Nacional. Manteve colunas literárias no DC-Brasília
(edição brasiliense do extinto Diário Carioca) e no
Correio Braziliense.
Cursou Direito na Universidade do Distrito
Federal (UDF) e deixou inconcluso o curso de Letras na UnB. Em
1963, ingressou na Câmara dos Deputados por concurso e
aposentou-se em 1988, quando se transferiu para os Estados
Unidos. Voltou a Brasília em 1994, cidade em que se destacou
como diretor de várias entidades culturais. Publicou mais de
duas dezenas de livros de poesia e participou de antologias
publicadas no Brasil, Portugal, Argentina, Canadá, Estados
Unidos, Espanha, França, Índia e Itália. Foi pastor evangélico e
organizou a Antologia da nova poesia evangélica (Rio de
Janeiro, CPAD, 1978). De Joanyr de Oliveira, Poetas do Anos
30 traz o poema “O poeta não veio para responder” que tem
este gran finale:
(...) O poeta se oculta (e se revela)
no cerne dos entes e das coisas.
Seu domicílio é o inefável, o inviolado silêncio.
(Seus lábios pertencem aos deuses).
O poeta não veio para responder.
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