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GUIA DA
EXPOSIÇÃO
Maria Estela
Guedes
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. Implantação da
República
João Sarmento
Pimentel (1888-1987), conhecido pelo combate
indómito que travou a favor dos valores da
República, exposto na sua celebrada obra, à
época, anos sessenta, constante nos programas de
Literatura das universidades brasileiras,
Memórias do Capitão,
nasceu perto de Mirandela. Nesta cidade foi
criada a
Biblioteca Municipal João Sarmento Pimentel,
que abriga o seu espólio, na maior parte
epistolográfico.
Porém, a região da sua
infância e adolescência é a de Amarante e
Felgueiras, e mais localizadamente Rande, onde
viveu, na Casa da Torre, propriedade da sua mãe.
Desde muito jovem manifestou forte inclinação
republicana, escrevendo artigos de índole
política em jornais fundados por ele e outros
jovens da família, por vezes com colaboração de
colegas de estudos que viriam a fazer nome nas
Letras, como Leonardo Coimbra. Já nessa altura
rejeitava em absoluto chefes de Estado
instalados por herança de sangue em vez de
eleitos pelo povo em razão da confiança no seu
mérito. A força desta ideia ganha peso se
atendermos a que a família pertencia à fidalguia
rural, à qual de resto se orgulhava de
pertencer.
Num momento seguinte, já
completados os estudos preparatórios da Escola
do Exército na Universidade de Coimbra, onde
teve, como lente de Matemática, um homem que
influiria na sua vida de modo fundamental, mesmo
depois de assassinado – Sidónio Pais –,
encontramo-lo a transportar para Lisboa bombas
artesanais manufaturadas pelos republicanos de
Felgueiras, o que nos dá a imagem do seu
patriotismo, do seu destemor, da confiança que
já inspirava nos outros, e mostra também que a
sociedade civil estava alerta e pronta para
derrubar a monarquia.
Tal veio a
verificar-se de 3 a 5 de Outubro de 1910, com a
participação direta do cadete da Escola do
Exército, o jovem Sarmento Pimentel. Que missão
lhe confiou pessoalmente Machado Santos, no seu
centro operacional da Rotunda? Que buscasse
informação sobre as operações militares ao longo
da Avenida da Liberdade, e decerto também sobre
a adesão à República dos comandantes do
Adamastor
e do São
Rafael,
fundeados no Tejo, e lha fosse
transmitindo. Já no pós-25 de Abril,
encostando-se às paredes para se desviar das
obras na Avenida, Sarmento Pimentel recorda que
também assim, mas por diversos motivos, se
protegera mais de cinquenta anos antes, de modo
a cumprir a missão que Machado Santos lhe
agradeceu publicamente, tratando-o a ele e a
todos os que tinham estado ao seu lado pelo nome
próprio, no
Relatório do 5 de Outubro -
os “sagrados dias da revolução”, como escreveu
José Gomes Ferreira na
Memória das palavras.
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. Na I Grande Guerra: de Angola à Flandres
No dia 16 de Março de
1916, a Alemanha declarou guerra a Portugal.
No entanto, já a 18 de Dezembro de 1914 os alemães
tinham penetrado em Angola pela fronteira do Sul
e atingido a região das cataratas de Ruacaná, no
Cunene. No posto policial de Naulila,
massacraram todos soldados portugueses, brancos
e negros, e abandonaram-nos sem devida
sepultura. O nosso Exército não estava preparado
nem à espera do sofisticado arsenal de guerra
que teve de enfrentar. Relato pungente do caso,
que ficou na memória de alguns como a pior
derrota do nosso Exército depois de
Alcácer-Quibir - o que denuncia a paixão com que
o caso foi vivido -, encontramo-lo em
Naulila,
de Augusto Casimiro, um livro editado pela
Seara Nova.
Augusto Casimiro e Sarmento Pimentel eram
correligionários, e seriam, nos anos 20,
companheiros na edificação da revista, a
Seara Nova.
Tão próximos amigos, que o último capítulo de
Naulila,
“A clareira dos mortos”, foi redigido com
apontamentos que o autor, apresentando-se como
seu camarada, diz terem sido “carinhosamente”
fornecidos por Sarmento Pimentel.
Porém os apontamentos
não tratam do massacre, sim das suas
consequências. Com efeito, Sarmento Pimentel só
se salvou dele por não estar em Angola nessa
altura. Ele foi mais tarde, em 1916, num segundo
contingente, comandado pelo General Pereira
d’Eça. O 3º Esquadrão de Cavalaria 9, de que
fazia parte como alferes, embarcou no “Cabo
Verde”, um tão decrépito navio mercante que só
por milagre alcançou Moçâmedes, cidade hoje
chamada Namibe. As condições em que se fez a
viagem mereceram um dos melhores e mais vívidos
relatos de Sarmento Pimentel, patente nas
Memórias do Capitão.
Mencione-se apenas que cavalos e muares tiveram
direito a acompanhamento de veterinário, mas já
o esquadrão de soldados partiu para a guerra sem
médico. Aliás passariam fome, sede, falta de
medicamentos e até de uniforme adequado, por
despreparação completa para o tipo de clima,
terreno e movimentações constantes que iriam
enfrentar.
Sem mapas com devido
detalhe – ele assina as cartas relativas ao
reconhecimento da área invadida pelos alemães –
a missão ofereceu outros perigos, um deles
devido ao engano no cálculo das distâncias: o
que supunham não precisar de mais de 15 dias
para ir de dado posto às cataratas de Ruacaná e
regressar, na verdade era um percurso tão
superior que o jovem alferes de Cavalaria 9,
depois de ter tomado avanço sobre os seus homens
para chegar mais depressa ao destino, em 15 dias
ainda o não tinha alcançado. Sozinho, atravessou
a floresta. Como herói solitário, enfrentou o
perigo dos animais selvagens, bateu-se com as
noites geladas, com a fome e a sede. Sem
caminhos, terá seguido o trilho dos elefantes e
aberto o seu à catanada. Quando os camaradas o
receberam, não o reconheceram: não sabiam quem
era aquele homem barbudo, “magro como um
palito”, esfomeado e quase nu, tanto mais que já
o tinham dado por morto.
O General Pereira
d’Eça, no seu relatório grande,
Campanha do sul de
Angola em 1915,
inclui os relatórios de Sarmento Pimentel, bem
como os mapas que o alferes desenhou dos
trilhos e territórios a cujo
reconhecimento procedera. Ao comando dos
auxiliares boers, Sarmento Pimentel
distinguiu-se de tal modo nas missões de que foi
incumbido, a mais importante das quais a
recuperação do posto de Naulila, que recebeu
louvor e a
Medalha de Valor Militar (Torre e Espada),
conferida pelo General Pereira d’Eça. E no
entanto, quando o homem magro como um palito
fizera ao general o relato verbal do que tinha
acontecido, ele não só mostrara frieza como lhe
ordenara que se deixasse de discursos e
relatasse apenas o lhe pudesse interessar.
Sarmento Pimentel, na sua modéstia, aliás no seu
desprendimento e generosidade, não atribuía aos
seus atos, como noutras circunstâncias não
atribuiu, o valor militar e mesmo humano que os
seus superiores lhe reconheceram. Em 1919
voltará a estar só, desintegrado das forças do
Exército, depois de assumir a liderança de uma
revolução civil, no Porto. E também nessa
altura, em ofício dirigido ao Ministro da
Guerra, tenta recusar louvor e condecoração
concedidos, ofício patente no seu
Processo individual
com um seco “Indeferido” em cabeceira.
Não parece que alguém o
relate, mas creio que terá sido importante
também, na restauração da soberania portuguesa
em Angola, darem devida sepultura aos que
mereceram a Augusto Casimiro o título “A
clareira dos mortos”, os soldados chacinados no
desastre de Naulila. Texto atroz, da pena de
Sarmento Pimentel, com a sua visão dos resíduos
das fogueiras em que se tinha tentado sem bom
resultado cremar os mortos. Uma tragédia cuja
responsabilidade Augusto Casimiro atribui aos
que, no Terreiro do Paço, tinham porfiado na
neutralidade.
Se Sarmento Pimentel
sobreviveu a Naulila por ter lá chegado meses
após o massacre das nossas tropas pelos alemães,
às trincheiras da Flandres sobreviveria por o
seu local de combate ficar a Sul daquele em que
se verificou outra derrota aparatosa do nosso
Exército, a batalha de La Lys. Os pavores que
narra, dos bombardeamentos constantes,
verificaram-se perto de Paris.
Nesse interim,
concederam-lhe licença para vir a Portugal, que
aproveitou para ver Isabel, sua futura esposa.
Casariam só por volta de 1920, catorze anos
depois de consolidado o namoro com a amiga do
seu juvenil amor, a Guilhermina que morre
tuberculosa no solar de Sergude, pertencente ao
ramo da família materna de Sarmento Pimentel,
herdeiro do Pêro Coelho matador de Inês de
Castro. Esta amiga de Isabel merece um capítulo
nas Memórias
do Capitão.
Algo à maneira ultra-romântica de Camilo, talvez
pelo estilo estranho à personalidade do autor,
fica aquém dos seus textos realistas. Nos
Diálogos de Norberto
Lopes com o autor das
Memórias do Capitão
(Sarmento
Pimentel ou uma geração traída,
em título) volta a
contar a história: após a morte de Guilhermina,
ele parte para Angola, começando então Isabel a
cartear-se com ele. A despeito de aos pais
de um e outro não agradar o namoro, o casamento
veio afinal a revelar-se feliz.
Conta Sarmento
Pimentel a Norberto Lopes que, mal chegou a
Portugal, “inchado” pelos feitos na região de Naulila,
nem tempo lhe deram para gozar uma licença: José
de Serpa pescou-o logo para o Quartel-General de
Gomes da Costa, enterrando-o nas trincheiras da
Flandres. Nas trincheiras, Sarmento Pimentel
iria consolidar amizade com um camarada que mais
tarde o seria de ideologia de esquerda, na
Seara Nova,
e de revolução contra a ditadura: Jaime
Cortesão, médico militar, que, como escritor,
deixaria da Flandres as suas
Memórias da Grande
Guerra.
Para o jovem tenente e
seus camaradas chegados de África, a situação
era penosa: saídos de uma guerra em permanente
movimento, sob clima tropical, passaram ao frio
e humidade da guerra parada nas trincheiras,
apodrecendo e gelando nesses túneis a céu
aberto, o corpo a já querer habituar-se à
sepultura. Se não morreram disso, tal se deverá
também ao esforço do general Gomes da Costa para
dar algum alento e alegria aos jovens oficiais,
levando-os, uma vez por outra, a este e àquele
Moulin Rouge, bem no coração noctívago de Paris.
Não foi só à chacina de
Naulila e à mortandade das nossas tropas na
Flandres que Sarmento Pimentel sobreviveu. Mal
regressado da frente, foi vítima da pneumónica,
que o manteve meses hospitalizado. Vigorava a
Monarquia do Norte e Paiva Couceiro e os seus
homens respiravam de alívio, porque o Capitão
Sarmento Pimentel, moribundo no hospital, não
lhes faria frente.
Bem se enganaram.
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A Monarquia do Norte
Sidónio Pais, designado
por Fernando Pessoa como “Presidente-Rei”,
chamou certo dia o Capitão Sarmento Pimentel
para lhe confessar que tinha medo que os
monárquicos dos quais se rodeara lhe roessem a
corda. Sidónio fora um republicano de primeira
água, que as circunstâncias tinham obrigado a
meter constituição e republicanismo na gaveta.
Desempenhava as funções segundo um modelo presidencialista.
Em Dezembro de 1918,
batia-se o Capitão contra a pneumónica, Sidónio
foi assassinado. Então os ratos roeram realmente a
corda e repuseram o regime da realeza. O
Capitão, no hospital, saltou da cama,
lembrando-se do que prometera. Sidónio Pais
chamara-o, não para lhe revelar os seus
medos, sim para lhe pedir que assumisse o
comando do 3º esquadrão de Cavalaria 9 da Guarda
Nacional Republicana, no Porto, onde poderia travar o
assalto. João Sarmento Pimentel aceitou. Em cena
a Traulitânia, assim chamada por militares e
polícias monárquicos serem dados à tortura dos
republicanos, ou Monarquia do Quarteirão, por
ter durado
apenas
25 dias, de 19
de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, de novo em
cena o velho regime, Sarmento Pimentel achou que
devia sair do hospital mesmo sem alta.
Os monárquicos,
liderados por um militar conhecido como Último
Grande Herói Português, Paiva Couceiro,
restauravam no Porto a Monarquia, o que teve
impacto sobretudo no Norte. Henrique Paiva
Couceiro assumira a presidência de uma Junta
Governativa, contra a vontade da sociedade
civil, que não baixou os braços. Organizou-se
num movimento ofensivo, a que Sarmento Pimentel
ofereceu liderança, numa revolução que teve
algum apoio militar, mas discreto, uma vez que a
força das armas pertencia aos adversários. Tal
apoio vinha ainda das medidas tomadas por
Sidónio, que, a pedido do Capitão, atribuíra a
Francisco Sarmento Pimentel, irmão mais novo, o
comando do esquadrão de Infantaria da Guarda
Nacional Republicana do Porto. Francisco é conhecido como
aviador, porém só em Novembro de 1930 se
celebrizaria pelo pioneiro voo Portugal-Índia, no
aparelho a que deu o nome de
Marão,
o que a nós recorda Teixeira de Pascoaes,
familiar dos dois irmãos e autor de
Maranus.
João Sarmento Pimentel,
em Fevereiro de 1919, não só estava no hospital
como Paiva Couceiro e os seus homens o julgavam
morto ou moribundo, dado o ataque da gripe
espanhola, tão virulenta que ceifou 40 milhões
de pessoas. Sarmento Pimentel diz ter sido
contagiado por umas primas, mas nada garante que
não tivesse trazido o vírus da Flandres. Milhões
de soldados morreram com essa doença que as
estatísticas garantem ter preferido os jovens.
No dia 13 de Fevereiro
de 1919, sem grandes preparativos nem alardes,
João e Francisco Sarmento Pimentel saíram do
quartel da Guarda Nacional Republicana com os seus
soldados. A quem o quis ouvir, civis que à volta
deles se iam apinhando, gritou, de cima do
cavalo, convicto e convincente, a despeito da
febre que lhe entrecortava a voz e dava tremuras
à mão que erguia a bandeira da República: «Quem
for português e republicano, que me siga!».
Na messe de oficiais, o
Estado-Maior do exército de Paiva Couceiro
almoçava pacatamente. O Capitão irrompeu no
salão, munido apenas de uma Parabellum, pistola
pesada, com a qual dificilmente acertaria em
alguém, dada a sua fragilidade, e intimou os
oficiais: «Os senhores estão presos!» E com isto
não só caiu a Monarquia do Norte como nunca mais
se verificaram atos tendentes a repor a realeza,
o que parece explicar a facilidade com que o
Estado-Maior de Paiva Couceiro se rendeu: apesar
de todas as incumpridas promessas, a República
ainda vigorava como ideal.
Vários autores, como
Magalhães Lima, em
Episódios da minha
vida, e José
Gomes Ferreira, em
A memória das
palavras,
referem-se a este episódio como “a revolução de
Sarmento Pimentel”. Na verdade, tratou-se de
liderar um movimento civil, como o próprio
Exército deixou patente, ao justificar a
condecoração pelo ato com a Medalha de Prata,
alegando que ele chefiara uma revolução
espontânea com forças da Guarda Republicana, a
que pertencia, revolução com a qual os cidadãos
do Porto pretendiam derrubar as forças
monárquicas. Em gesto de gratidão, também
recebeu, dos cidadãos do Porto, uma estampa com
o seu retrato e uma espada de honra.
Esporas e um exemplar
da estampa
figuram no Museu da Guarda Nacional Republicana,
no Quartel do Carmo, em Lisboa, na vitrina
dedicada à Monarquia do Norte. A bandeira
portuguesa que hasteou na altura, ofereceu-a ele
à Associação 25 de Abril, em cujo espólio se
conserva, bem como o seu retrato, obra de
Henrique Medina. Quanto à espada de
honra, reproduzida nas
Memórias do Capitão,
contamos que faça parte do seu espólio, na
Biblioteca Municipal Sarmento Pimentel, em
Mirandela.
Com este episódio,
encerra-se a vida militar para Sarmento
Pimentel, embora, décadas a fio, viesse a ser
conhecido como “Capitão”, até os
correligionários e amigos, em São Paulo,
passarem a tratá-lo por “comandante”. Os
militares do 25 de Abril, na legislatura do
General Ramalho Eanes, por proposta de um outro
antigo capitão, José Verdasca, haviam de o
poupar a sérios problemas económicos nos últimos
anos de vida, promovendo-o a general.
Por volta de 1920 o
“Capitão” constitui família, abandona a vida
militar e aceita um lugar oferecido pelo
banqueiro José Augusto Dias na gestão do negócio
de carvão das minas de S. Pedro da Cova. Por mão
de Henrique Somer, banqueiro, passou depois para
a Companhia dos Cimentos de Leiria, onde também
sediava a fábrica Covina, e muitos anos mais
tarde, já em São Paulo, travaria relações de
grande amizade com o milionário Lúcio Tomé
Feteira, da fábrica Covina, com o qual partilhou
no Brasil o negócio do vidro plano.
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. 1927 – Um golpe falhado contra a Ditadura
Militar
Nos anos 20, Sarmento
Pimentel ocupa-se, além dos negócios que lhe
permitem sustentar a família, naquilo em que
sempre se ocupou, antes e depois de cumprida a
fase da sua vida de militar: em lutar em favor
da democracia e contra os inimigos da República.
Já não com armas de fogo, sim com a palavra,
mediante o esclarecimento, a instrução,
instrumentos que usa de modo exemplar numa
revista que então surge, movida por ideais de
esquerda, a
Seara Nova. A
partir de 1924 integra a direção, embora nessa
data ainda os seus dotes de escritor fossem
embrionários: salvo artigos de jornal de
província, relatórios das missões no Sul de
Angola incluídos pelo General Pereira d’Eça no
seu (Relatório grande) e os apontamentos cedidos
a Augusto Casimiro para o livro
Naulila,
Sarmento Pimentel ainda estava longe das
Memórias do Capitão,
a que Jorge de Sena redigiria o prefácio, datado
de São Paulo em 1962.
A
Seara Nova
detinha um verdadeiro programa político, com
projeto de reforma agrária, desenvolvimento
industrial e outros, tendentes a porem Portugal
na senda do progresso. Não era apenas um
instrumento de oposição, sim um alfobre que
forneceu homens para a governação, entre eles
Ezequiel Campos, ministro da Agricultura que chamou Sarmento Pimentel
para seu Chefe de Gabinete.
Os principais artigos
de Sarmento Pimentel na
Seara Nova
tratam de assuntos sensíveis, atacando na raiz
problemas impeditivos de progresso, como o
analfabetismo da população, os métodos
antiquados de ordenamento e cultivo da terra e a
emigração. Importantes são igualmente os artigos
sobre questões militares: equipamento e
armamento inapropriados e analfabetismo dos
soldados que, reclamava ele, não deviam sair dos
quartéis, depois da recruta, sem saber ler nem
escrever.
Embora já não
estivesse ligado ao Exército, é como Capitão que
o seu nome vem impresso no documento fundamental
desta revolta, a
Carta aberta ao Povo
Português, a
recusar a ditadura imposta pelo 28 de maio e a
incitar o povo a restaurar a pureza da
República. Assinada pelos oficiais: General
Gastão de Sousa Dias; Jaime de Morais, Chefe do
Comité Militar Central; Jaime Cortesão, Capitão
médico miliciano e delegado do C.M.C. no Norte;
Capitão João Sarmento Pimentel, delegado do
Comité Militar do Norte; e João Pereira de
Carvalho, do Comité Militar do Norte.
Intelectualmente
movida pelos homens da
Seara Nova,
os mesmos que dirigiam e trabalhavam na
Biblioteca Nacional, conhecidos de resto como
Grupo da
Biblioteca -
António Sérgio, Jaime Cortesão, David Ferreira, Raul
Proença – a intentona prepara-se para derrubar a
Ditadura Militar, instalada pelo movimento de 28
de Maio de 1926. Porém Lisboa atrasa-se na
adesão e o Porto vai sozinho à luta, o que
facilita à Ditadura o desmantelamento das forças
adversárias. O episódio salda-se em muitas
mortes, prisões, demissões de cargos públicos e
partidas para o exílio.
Primeiro golpe contra a
Ditadura Militar e último em importância antes
do 25 de Abril, foi ele a razão do exílio de
Sarmento Pimentel no Brasil.
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Longe de Portugal
Foi no Brasil que
Sarmento Pimentel viveu a maior parte da sua
vida, ocupado de um lado em assegurar o bom
nível de vida da família, de outro com a
restauração dos valores democráticos em
Portugal. Co-fundador do Partido Socialista
português, esteve à testa da Acção Socialista em
São Paulo e de outras instituições similares de
resistência e oposição ao salazarismo.
Na vida de negócios,
criou laços de funda amizade com Lúcio Tomé
Feteira, e com este levou avante a fundação de
fábricas de vidro plano no Brasil. Feteira por
diversas vezes financiou conspirações e
opositores, caso de Mário Soares, uma visita
bem-vinda à Av. Itacolumi, em São Paulo, a casa
de Sarmento Pimentel. Muitas figuras de primeiro
plano, em todos os setores, tiveram o privilégio
de privar com Sarmento Pimentel, desde
presidentes de república como Bernardino Machado
e Sidónio Pais, em tempos muito passados,
passando por escritores como António Sérgio,
Jorge de Sena, Lygia Fagundes Telles, e tantos
artistas plásticos, como o seu quase conterrâneo
Amadeo de Sousa Cardoso, mas sobretudo aqueles
que o retrataram, como Henrique Medina, até
industriais, milionários e banqueiros, sem
esquecer ilustres figuras de militares como os
generais Pereira d’Eça, Gomes da Costa e Ramalho
Eanes, este responsável pelas estrelas de
general recebidas na celebração do 25 de Abril
de 1982 em São Paulo.
Sarmento Pimentel nunca
esteve de braços cruzados, nem a distância o
impediu de participar nas raras manifestações de
revolta contra o “fradalhão de Santa Comba”,
como ele designava o responsável pela ditadura
em Portugal. Em 1931 veio de propósito à Europa
para participar numa revolução, mas a
descoordenação foi tal em Lisboa que ele nem
chegou a sair de Vigo, onde se encontrou com
alguns outros opositores do regime no exílio.
Regressou ao Brasil sem ter entrado em Portugal,
mas aproveitou para levar com ele a jovem
família.
A comunidade
portuguesa em São Paulo com frequência angariava
fundos para financiamentos subversivos, a
exemplo de Henrique Galvão, na sequência do
rapto do paquete
Santa Maria,
e de Humberto Delgado, antes da revolta de Beja
e da sua candidatura à Presidência da República.
Porém a revolução
quotidiana, na Casa de Portugal, co-fundada e
co-dirigida por ele, e de outras instituições,
como uma escola para as crianças portuguesas,
incidia, como nos tempos da Seara Nova, na
ilustração através da palavra, com a criação de
jornais como o Portugal Democrático e a bela
revista Portugalia.
Sarmento Pimentel
atravessou o século XX com uma seriedade
intelectual e uma pureza de ideais que fazem
dele não só uma referência para os militares mas
sobretudo um exemplo de virtude para todos nós.
Maria Estela Guedes
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SARMENTO PIMENTEL
Um
século de História
Texto: Maria Estela Guedes
Lisboa, Apenas Livros, Abril de 2017 |
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