Pedro Silva Sena (Lisboa, 1975).
Investigador em ciências sociais, tradutor. Fundou e dirige a
revista-blogue de poesia
Inefável e as
Edições Bicho de Sete Cabeças.
Publicações: Cancioneiro do Absurdo (1999); Poemas de
Cal (2004); Monumentos (2016) e Joel (ficção,
2015). Colaboração literária dispersa por revistas e antologias. |
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PEDRO SILVA SENA
Composição sem Paragem
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Pedro Silva Sena
Lisboa | 2016
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Ópera de Benavente
Hoje até um cão me ladrou
quando cheguei à estação
o comboio tinha partido
perdi o barco
falhei o voo
o sol brilhou assim-assim
e agora vejo chover sem fim.
As moscas bailam no ar
na sala do terminal rodoviário de Benavente
uma cachopita a saltar sorridente
no colo da avó
negra de luto
negra de dó
pelo marido que era só
bruto. |
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Colagem ou um poema de
raiva
Afinal não valias nada,
eras de papel de jornal
plástico, elástico
cordel, atacador de sapatilhas
e as maravilhas que prometias
vinham numa lata de ervilhas
barata, estupor.
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Um Corte à Medida
Sorriso
de gola e banda
olhar
de viés
gestos
de pesponto
pose debruada
e pronto:
um retrato da cabeça aos pés.
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Ao Alberto Augusto Miranda
Relicários
de beijinhos trocados.
Bestiários de burrinhos de gesso.
Breviários de anjinhos lacados.
Diários de bichinhos em congresso.
Aviários de piu-pius amarelos
cócórócócós e farelos
em excesso.
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Balada de Portugalete
Um estalo como lembrete
Um condutor sem livrete
Uma moeda com verdete
Uma nódoa na carpete
Um suspiro em vinagrete
Uma mentira é um barrete
Seis mais um são sete.
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Exercícios de Rima
A cegonha não sonha
E a gaivota não vota.
Os pardais não lêem jornais
Nem a foca faz tropa.
A cobra não cobra
Nenhuma avestruz deduz.
Mas o elefante terá o desplante
Se a obreira fizer carreira.
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Trega-Lenga
À Patrícia Alves de Matos
Ali onde todos os dias
passo,
ali onde o passo é o mesmo
todos os dias
passo mas não sei se o dou
dou-o mas não sei se é passo,
ou se alguma perna minha
se enganou
e
se adiantou
a um qualquer encalço.