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Luís Costa
(Portugal)
escreve poesia e mais algumas coisas.
Nasceu numa Sexta - Feira Santa. Já teve o
prazer de participar em várias revistas
digitais e também (com 4 poemas) no primeiro
número da Revista Objeto Surrealista DEBOUT
SUR L'OEUF.
mas até agora continua inédito em livro.
Para além disso pouco há a dizer. Ah!Diz
que a biografia do poeta é a sua poesia,
pois, a seu ver, fora do poema o poeta
não existe. Ama a poesia, mas também a
odeia. Sim, poetar é para ele uma
questão de ódio e amor. Uma violência
amorosa. Talvez mesmo o ( des )
contínuo assassinato do eu para que o
poeta se faça. |
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LUÍS COSTA
O excelso vómito
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I will not go
Prefer a Feast of Friends
To the Giant Family
James Douglas Morrison
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O poeta não pode escolher.
O poeta tem de escrever. escrever.
Escrever é uma gangrena.
Escrever é o começo do suicídio.
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Ponderas o suicídio mas
falta-te o apego
De subires às profundezas da água
Ou desceres às árvores como uma
assunção
Resta-te o préstimo da inutilidade
as mãos
Vestidas a ouro. a cinza.
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Cais de borco na merda. os
olhos
Revirados como os bois.
Tateias à procura de compaixão
Tu que nunca acreditaste na
compaixão.
(Agora, na cegueira. vês o gume do
cutelo.
Belo. absolutório.
A sua clínica lucidez ante o
abismo.)
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O Paraíso
Bebes um café. lês o jornal.
Ouves as notícias: luxúria.
Ódio. traição. mortandade.
Fumas. cagas. escreves
Um poema. como um deus
Observas os astros. vomitas.
Assim amamentas o paraíso.
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Escrevo com os lábios em ferida e a
testa
Aberta pelas armas de um deus
maníaco
Para que o meu cântico se afogue
nos cântaros
Do desespero sem nunca ter subido
às aéreas
Paisagens das hipócritas e afáveis
almas
Que querem acreditar que o mundo é
um céu
E a vida um sol e a natureza paz e
harmonia
Ah afasto as mãos da arrogância da
glória
Humana, e escrevo para conseguir
aceitar este inferno
Esta orfandade, como se uma dádiva
dos deuses fosse
E todos os meus escritos serão,
prometo,
Só para as moscas e para os
vermes. prometo.
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Podia falar-vos dos meus medos
As ânsias maquiavélicas
Que me visitam ao meio da noite
As ruas da minha infância (depois
da chuva)
Crianças de pé descalço
Sugando o sol por entre os dedos
Os loucos que gosto de espreitar
Por cima do muro do asilo
(Os fabulosos loucos que tanto
amo!)
E todos os fantasmas que me povoam
Mas não, hoje prefiro falar-vos
das aves
As aves as aves as aves
E a morte das aves. a sua luz.
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Elevas-te como uma torre dada
À cólera de um pai
Que já não pode amar pois
Arrancaram-lhe o coração
O fruto onde a beleza se fazia
Agora um ninho de lombrigas
Elevas-te excelso
Semelhante ao ouro dos
excrementos.
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Resolves fechar-te
Fechar o mundo à tua volta
E escrever até que os olhos
Te ardam até que os dedos
Se cubram de pus e frieiras
Até que o corpo adoeça
E se torne um texto um texto
Terrível furioso
devastador
Um actus fidei.
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Na obscuridade de um quarto
Todo nu, diante de um espelho,
Herança de teus pais,
Semelhante a um dogma, contemplas
O sombreado dos teus músculos
E a longa cicatriz por onde
Sob o júbilo dos estiletes
O coração um dia te foi extraído
E ris e chilreias como um
massacre.
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Ponderas o crime terrífico
O crime imaculado, a morte
De deus nas tuas mãos incendiadas
E cobres o rosto
E na imensa escuridão
Com os lábios em chaga
Procuras soletrar um nome
Um nome para que na avareza
abismo
Se possa fundar um nó.
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O bom poeta deve cultivar
a destreza do assassinato
Luís Costa
Se de facto queres ser poeta,
não te curves
perante os poetas consagrados (não te deixes levar
pela Sofrósine). ergue-te contra eles,
cultiva uma certa "Anmaßung” (húbris),
pois também eles cagam e mijam e morrem tal como tu.
Luís Costa
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O poeta ergue-se do seu leito ainda
luminoso
O poeta ergue se procura
escuta
Mas não encontra mas não
ouve nada
Só a mudez de um deus degolado
A mudez...
Ah esse som horrível fétido
pardo
O poeta sabe que tem de desbravar
O território das palavras ocupadas
Gastas podres de tão
ocupadas
Ocupadas com os louros dos
rouxinóis
O poeta está sozinho nos bosques
do desespero
Ante as palavras sozinho
cerceado pelas palavras
O poeta sabe que para sobreviver
tem de ocupar
O território das palavras
ocupadas:
Tornar-se o grande bárbaro o
cândido algoz
Assassinar os poetas.
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Aqui não há sentimentos bonitos
Aqui cheira a urina fezes
sangue ultrajado
Aqui é o mundo tal como ele é
Um mundo de lama vómitos
escarros
Distante dos dourados salões onde
as palavras
Nobres se glorificam a elas mesmas
Aqui tudo arde arde e
as crianças
Relincham à procura dos pais e das
mães
Que se perderem quando ousavam
caminhar
Por sobre a água como Jesus
ousavam
Agora deambulam por baixo da água
Com a tumba às costas
deambulam
Aqui é o Inferno o Inferno o
Inferno
E lá em cima nos dourados salões
Brinda-se com champanhe e palavras
Bem modeladas justas
pesadas a ouro
Como quem expurga anéis.
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Optou por habitar a transgressão da
página
No regaço da luz que obscurece
Mais do que ilumina
Tornar - se invisível nessa luz
e escrever
Escrever como quem anda por sobre
as águas
Na pura solidão do anonimato
Como um suicida escrever
para os loucos
Escrever para os mortos.
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para Houellebecq
Um universo de uma beleza cruel
Um universo onde deus é um cão
raivoso
Um universo onde todos os
corredores acabam no abismo
Um universo tão frágil como a
glória dos espelhos
Um universo monstruoso
Frio
Sem grandeza
Onde nada existe
Só a penúria da poesibilidade.
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Tornei-me o grande renegado
traí a poesia
Com palavras obscuras de tanta
claridade
Conspurquei a página com palavras
baixas
Sujas baixas que jamais
alcançarão o pódio dos mestres
Irado escarrei na altivez
das suas metáforas
Sou de facto o grande traidor
já só me resta
A benevolência da impiedade.
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Velut infantem pectori suo admotum
aluit
Misericórdia, o teu doce úbere na
boca
Velha e desdentada de teu pai,
ainda capaz
De te fazer vacilar as entranhas
Toda a luz se reflete no rosto
circunspecto
Oh famosa luz que obscureces mais
Do que iluminas!
Ah aquela boca desdentada e
paupérrima
Oh divino êxtase!
Ah como bebe avidamente
de tua teta
O fresco pus da existência.
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Percorrem as ruas das periferias
Os anjos de granito velho
observam-nos
Do cimo das suas gaiolas
Mas eles não querem saber dos
anjos
Nem de sapiências dadas ou
circunscritas
Amam a redundância dos oxímoros
A glória das horas vermelhas
Sem compromissos entregam-se à
vida
Mesmo ainda quando escutam
O sibilar das navalhas
Ou o cântico avassalador das
temíveis serpentes
Nas praças do desespero
Desafiadores povoam os limites
Os olhos iluminados
Como uma noite nas clareiras da
noite,
Ternamente cruéis, ainda isentos
de morte.
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Abominável esta monotonia
Abominável este cheiro a leite
podre
Abominável esta paisagem
Tão bela tão sublime
tão polida
Tão vista de não vista
Sempre a mesma nunca a mesma
Mas a mesmasempremesma
Abominável esta casa esta
casa de que
Com soberanas pestanas
dizes: minha!
Tua? Tua?!
Só um muro e um pequeno buraco no
muro
Tudo tão aberto de tão fechado
Um muro um pequeno buraco no
muro
Do outro lado? o nada? o mistério?
O lugar do não-lugar? A não
palavra?
Não questiones não
questiones
Não digas o que não se pode dizer
Talvez só te reste o afago do
garrote
Ah! berra vocifera
relincha
Deita-te ao chão bate com a
cabeça no muro
Bate até que o sangue
escorra
Fresco luminoso negro…
bate
Ah ri ri
relincha enlouquece.
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A luz sangra
no colo dos pais.
Os mortos
Rompem o ecrã.
Súbitas e vazias:
As crianças
Os seus olhos
Dando flor. para dentro.
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Um poema corre o risco de não ter
sentido,
e não seria nada sem esse risco.
Derrida
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A boca: uma chaga suja e húmida
Mordaz como um bíblico paul
Oh emérito delito!
(Risco de não ter sentido)
Por onde todos os ecos possíveis
sobem
Ah o outro que se ergue
Um animal ultrajado
O outro um animal contra as
muralhas do eu
O pós - eu
Um suor doentio que introduz
A decapitação à identidade
Vá come o pão e despeja
A amável taça da cicuta
Ao alto para que o poema se erga
Como uma estaca.
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This is the end,
beautiful friend
This is the end,
my only friend
The Doors
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in memoriam Gérard de
Nerval
O meu amigo que, irado, perguntava
Quem sou, o que faço aqui, o que
posso fazer
Enforcou se no portão de um
cemitério
Num entardecer outonal
O meu amigo que discutia comigo
Sobre o suicídio e o defendia como
opção
Bamboleia, emérito, na minha
memória
Como um anjo atonal
O meu amigo suicida que sabia
Que tudo se encaminha para o
desastre total
E que só a loucura nos pode curar
Está agora sentado numa cadeira no
Averno
E urina e vomita sobre os altares.
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