REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


ns | número 63 | março-abril 2017

 
 
 
CRISTINO CORTES

Constelação de Poetas
 

 

1 - LUÍS DE CAMÕES

 

És a fonte a origem

De todo nós e desta língua;

Inconsciente e inútil a comparação

Mas não há poeta maior, não!

 

Não se estreita com o maior conhecimento

A mais funda e antiga admiração;

É outra a escala, a dimensão

Génio da língua, bem seu é todo o momento.

 

A tanto eu não me atreveria.

Mas… esta funda e velha homenagem

__Oxalá o Poeta a aceitasse

E à vida nada mais pediria.

 

 

2 – FERNANDO PESSOA

 

Pessoa, sim, Pessoa

Só há um e mais ninguém;

És o duplo sentido da ponte

Projectando este século e os de ontem.

 

Pilar da raiz e razão do mundo

Por antonomásia definindo a língua

Nesse direito nos Jerónimos repousa

Ele, que deixou uma arca sem fundo.

 

 

3 – MANUEL ALEGRE

 

Uma só voz te conheço

Nem outra é necessária.

A vida também é vária

A poesia permanente recomeço.

 

 

4 – EUGÉNIO DE ANDRADE

 

Homem muito festejado, ele tem manias

E com razão. O seu metro pouco varia

O registo é lírico, encanta-se com o dia

Deu suas cartas de nobreza à mironia.

 

 

5 – SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

 

Sophia vinda do norte

Clássica, grega por sentimento

 Oh que grácil alento!

 Casamento entre o ser e a sorte.

 

 

6 - RUY BELO

 

Gosto dos seus temas e motivos, do bem cerzido

Do seu verso, sua variedade e fácil fluência.

Ele discorre, em círculo se move, é um prazer

Lê-lo, ouvi-lo,  e decerto não nos leva a mal

Se nessa toada, às vezes, acabarmos por adormecer.

 

 

7 - BOCAGE, também dito MANUEL MARIA

 

Foi o primeiro que verdadeiramente estudei

E hoje sorrio, ao ver como então seus livros anotei.

Mas é um bom tirocínio __ e muito ainda se aprende

Nesse estreito comércio e companhia. O gajo era fresco. 

 

 

 

8 - JOSÉ MANUEL CAPÊLO

 

Sentia-o como a um irmão mais velho, e por isso

Mais me custou. Não só comigo nas contas se enganou.

Morreu cedo, de alguma forma a desilusão já passou.

Não é por isso menos bom algo do que escreveu.

 

 

9 – DAVID MOURÃO - FERREIRA

 

Sem  escrever um romance, sem esse desafio

O David não podia passar, não era feliz.

Muito com ele eu aprendi, mas é na poesia

Que me enche as medidas e me alegra o dia.

 

 

10– JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

 

 Somos da mesma idade, com a do Cesário

 O conheci. Ao ver-me diz-me companheiro

 No geral vai à frente, e chega primeiro.

 Disponível, prestável, sempre solidário

 De eléctrico vai à bola nesta cidade.   

 

 

 

11 - HERBERTO HELDER

 

É, talvez, o mais sério e atormentado dos vivos

Mas muda muito, hesita, reescreve de mais.

E eu espero pela última versão dos seus livros

Até lá vão-me chegando seus provisórios sinais.

 

 

12– NUNO JÚDICE

 

É um professor, contido e sabedor.

Na memória conservo alguns dos seus livros,

Os que primeiro me deslumbraram, versos

 Que ainda sei e se multiplicaram

Depois… É fundo e vário o seu valor.

 

 

13 - VASCO GRAÇA MOURA

 

Porventura, concedem os críticos, melhor tradutor

Que propriamente poeta. Tenho as mais sinceras dúvidas.

Ele sabe muito, toca bem diversos instrumentos

Combativo, corajoso, digno, sempre um senhor.

 

 

 

14– VITORINO NEMÉSIO

 

Grande poeta, e não só, não tenho eu

Qualquer dúvida. Dos Açores ao mundo

Sempre novo, bom e diferente

Oh que lição para esta gente!

 

 

15 – ANTÓNIO OSÓRIO

 

A cavalo em duas pátrias

Em ambas está à vontade.

Mas a sua língua é esta

A Itália ajuda à festa.

 

16 – TEIXEIRA DE PASCOAES

 

Dominou o tempo, mas o tempo

Em que viveu o prejudicou;

E durou, talvez, anos de mais…

Mas a poesia que escreveu

Algo difícil, essa ficou. 

 

 

 

17 – JOSÉ RÉGIO

 

A obra, toda a obra

Mais ou menos bela

 É uma paciência…

E a consciência dela.

 

 

18 - ANTÓNIO RAMOS ROSA

 

Durante muito tempo foi o mais velho, o maior

E o mais convencido dos poetas que o ceptro empunham.

Tem dias em que me parece um pouco se confundir

E repetir. Mas sempre assim foi: um bom trabalhador.

 

19– JORGE DE SENA

 

A sina aceite e o orgulho

 E duas pedras na mão;

Importa o espelho

Que nos mostra o coração. 

 

 

 

20 – MIGUEL TORGA

 

O continente

 Fez-se conteúdo:

 Está lá tudo

 Dentro da gente.

 

 

21 - ANTÓNIO VERA

 

Gostei logo dele, quando por feliz acaso o descobri

Ao simpático velhote, então libinoso e directo.

Não as mandava dizer por ninguém, de imediato senti.

Ele sabia da poda. Ainda me alegra o que então li.

 

 

Cristino Cortes

 

 

 

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ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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  Cristino Cortes nasceu em Fiães (1953), uma pequena aldeia do concelho de Trancoso. Licenciado em Economia, reside em Lisboa desde 1971. A sua actividade profissional decorreu, quase toda, no Ministério da Cultura. Fundamentalmente poeta, publicou 10 livros desde 1985.Havendo de destacar alguns citaremos: Ciclo do Amanhecer, por ter sido o primeiro; 33 Sonetos de Amor e Circunstância, em 1987, por ter tido uma segunda edição em 1993; Poemas de Amor e Melodia, em 1999, pela mesma razão, dez anos mais tarde, em versão aumentada e definitiva; O Livro do Pai, em 2001, por ter sido traduzido em francês ( 2006 ) e em castelhano ( 2011 ), tendo tido uma segunda edição bilingue no primeiro caso; Sonetos (In)temporais, em 2004, por ser uma edição exclusivamente para o Brasil; e Música de Viagem, em 2008, por ter sido o último.
Tem, também, versado outras modalidades ( o conto, a crónica, o artigo de opinião, a página de diário ) em vários jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, tendo reunido alguns desses trabalhos em quatro livros. Para a Universitária Editora organizou, ainda, duas antologias. Apresentou publicamente livros e proferiu conferências. A sua obra tem tido algum eco em países estrangeiros ( Espanha e França, sobretudo, mas ultimamente também na Alemanha, na Bélgica e no Brasil ) e ele próprio, tem traduzido e publicado poemas em francês. Os seus livros tiveram apresentações públicas em diversos locais do País. Está representado em várias antologias e livros colectivos. A sua obra tem sido objecto de alguma atenção crítica destacando-se, em forma de livro, José Fernando Tavares, Júlio Conrado e Isabel Gouveia.
 

 

© Maria Estela Guedes
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