REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


ns | número 63 | março-abril 2017

 

Adelto Gonçalves (Brasil). Mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br

 

ADELTO GONÇALVES 

 

Rodolfo Alonso, o fabricante de encantos

I

 

           Depois de conhecer Antologia Pessoal, do poeta argentino Rodolfo Alonso, edição bilingue, com traduções de José Augusto Seabra (1937-2004), Anderson Braga Horta e José Jeronymo Rivera (Brasília, Thesaurus Editora, 2003), o leitor brasileiro tem a oportunidade de entrar em contato com Poemas Pendentes, do mesmo autor, igualmente em edição bilingue, com tradução de Anderson Braga Horta e apresentação de Lêdo Ivo (1924-2012), que acaba de chegar ao mercado pela Editora Penalux, de Guaratinguetá-SP.

           Um dos maiores poetas latino-americanos do nosso tempo, Rodolfo Alonso tem tudo para ser o primeiro argentino a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, mas, a exemplo de Jorge Luis Borges (1899-1986), Julio Cortázar (1914-1984) e Ernesto Sabato (1911-2011), corre o risco de ser igualmente esquecido pela Academia Sueca, que, na América Latina, premiou Gabriela Mistral (1945), Miguel Ángel Astúrias (1967), Pablo Neruda (1971), Gabriel García Márquez (1982), Octavio Paz (1990) e Mario Vargas Llosa (2010).

II

             Na contracapa, há um texto de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em que o poeta diz que Alonso não usa as palavras pela sensualidade que desprendem, mas pelo silêncio que concentram. Mais: que “sua poesia tenta exprimir o máximo de valores no mínimo de matéria vocabular, impondo-se por uma concisão que chega à mudez”.

            Quer dizer, depois de uma apresentação como essa, não há muito para um resenhista o que acrescentar. Mas ainda vale a pena reproduzir o que Lêdo Ivo no prefácio disse dele, a quem chamou, com incontestável precisão, de “fabricante de encantos”: nesta coletânea, os poemas se exibem sempre em sua nitidez e concretude, com a rigorosa face imagística.

            Lêdo Ivo, outro grande poeta esquecido pela Academia Sueca, aponta para o pano de fundo que cerca a poesia de Rodolfo Alonso, dizendo que sempre aponta para “uma era de emergências e turbilhões do século XX, como seu extenso catálogo de colisões e mudanças”. É o que se pode ver neste trecho do poema mais extenso desta coletânea, “Ocupem-se de Arlt”, de 1977, em que ele homenageia o romancista Roberto Arlt (1900-1942), que, em tão pouco tempo de vida, criou obras fundamentais, como Los siete locos (1929), um romance sobre a impotência do homem diante da sociedade que o oprime e obriga a trair seus ideais e a aceitar a hipocrisia burguesa. Eis um trecho:

                        Recordo a primeira vez que vi atuar a Aliança

                        os primeiros noticiosos do pós-guerra

                        rostos de homens mulheres meninos judeus quase sempre

                                   em ossos atrás de arame farpado

                        os campos de concentração que nunca esquecerei

                        como o inextinguível esplendor leproso do cogumelo de

                                   Hiroxima

                        a primeira vez que foram me buscar no colégio um dia de chuva

                                   como um casaco para lançar-me aos ombros não tinha capa

                        Recordo o barulho da chuva sobre o teto de um automóvel dentro

                                   do qual sou um menino que sobe pela primeira vez num carro

                        quando havia poucos carros

                        e descobre ambas as coisas

                        a intimidade de um interior em movimento  a intimidade da chuva

                                   a cara íntima que a cidade dá à chuva no outono o prazer de

                                   escutar chover sobre um teto

                        Recordo a impossibilidade da prosa para contar tudo isso

                        Recordo estas duas linhas de Rafael Alberto Arrieta

                        (“Sol da manhã/ glória do inverno”)

                        lidas num de meus primeiros livros de leitura

                        nas quais sem dúvida descobri a poesia

                        por experiência própria

                        e de uma vez para sempre

                        Quisera vir a ler outra vez Os sete loucos (...)

            Para o leitor brasileiro – pouco conhecedor da história argentina –, o tradutor Anderson Braga Horta lembra que a Aliança aqui citada é uma referência ao violento grupo de extrema direita Alianza Libertadora Nacionalista, muito ativo à época do primeiro período do governo de Juan Domingo Perón (1895-1974), que vai de 1946 a 1955. Acrescente-se aqui que Rafael Alberto Arrieta (1889-1968) foi um professor e poeta que chegou a ocupar a presidência da Academia Argentina de Letras (1964), ligado ao modernismo do nicaraguense Rubén Darío (1867-1916), que nada tem a ver com o modernismo brasileiro, mas com a tendência francesa art nouveau.

            Composto em parte por poemas mais antigos que não apareceram em livros anteriores e em parte por poemas recentes, alguns curtos, de duas linhas, mas não hai kais, este livro traz ainda uma homenagem – a que poucos poetas brasileiros fizeram – à cantora brasileira Maria Bethânia, de 2007, em que se lê:

                                   (...) Há tom, há densidade,

                                   há gravidade, há timbre,

                                   há palavra que canta

                                   e há música que expressa

                                   a pulsação que sentes.

                                   Rege, Bethânia, ordena

                                    a poesia do mundo,

                                   torna o caos em sentido,

                                   a altura em canto fundo,

                                   e faz do intenso, alento (...)

III

           Poeta, tradutor e ensaísta reconhecido internacionalmente, Rodolfo Alonso (1934) foi pioneiro na tradução para o castelhano na América Latina dos poemas de Fernando Pessoa (1888-1935), especialmente de seus heterônimos, e de grandes poetas brasileiros, dos quais era amigo como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes (1901-1975), Manuel Bandeira (1886-1968) e Lêdo Ivo.

            Publicou mais de 30 livros. Traduziu poemas do francês, italiano e galego. Foi editado não só na Argentina como no Brasil, Bélgica, Colômbia, Espanha, inclusive em galego, México, Venezuela, França, Itália. Cuba, Chile e Inglaterra. Destacam-se as suas celebradas traduções de grandes poetas como Giuseppe Ungaretti (1888-1970), Cesare Pavese (1908-1950), Paul Eluard (1895-1952), Eugenio Montale (1896-1981), Charles Baudelaire (1821-1867) e Guillaume Apollinaire (1880-1918), entre outros.

            Entre as distinções que recebeu, estão o Prêmio Nacional de Poesia e o Prêmio Único Municipal de Ensaio Inédito (por La voz sin amo), da Argentina, a Ordem Alejo Zuloaga da Universidade de Carabobo, na Venezuela, e Palmas Acadêmicas, da Academia Brasileira de Letras. Seu último livro de poemas, El arte de callar, obteve o Prêmio Festival Internacional de Poesia de Medellín, na Colômbia.

            Seu arquivo pessoal (textos e fotos) encontra-se em fase de catalogação na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Recentemente, foi lançada em inglês The art of keeling quiet (Salt, Cambridge, 2015). Na França, saíram no mesmo ano L´art de se taire, com prólogo de Juan José Saer (Paris, Reflet de Lettres), e Dernier tango à Rosario (Paris, Al Amar) e está para ser lançado Entre les dents, com prólogo de Juan Gelman (Toulouse, Po&psy/Erès). Na Espanha, saiu em idioma galego Cheiro de choiva (Cangas, Barbantes, Cangas, 2015) e está prevista a publicação de Tango do galego fillo (Cangas, Rinoceronte). Dirigiu sua própria editora, com um catálogo de mais de 250 livros.

Poemas Pendentes, edição bilingue, de Rodolfo Alonso.
Tradução e notas de Anderson Braga Horta, com apresentação de Lêdo Ivo.
Guaratinguetá-SP: Editora Penalux, 2016, 198 págs.
E-mail: penalux@editorapenalux.com.br

Site: www.editorapenalux.com.br

 
 
 

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