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Michel Houellebecq (Ilha da Reunião, 26
de fevereiro de 1958), é um escritor francês:
ficcionista, poeta e ensaísta.
Conhecido sobretudo como ficcionista, Houellebecq é
considerado um dos maiores autores franceses
contemporâneos, também dos mais traduzidos, e, sem
dúvida, o mais controverso, amado e repudiado, um
verdadeiro iconoclasta. os seus livros abordam sempre
temas polémicos. Em 2010, com o livro La Carte et le
Territoire (ficção) recebeu o Prémio Goncourt, o
mais importante da literatura francesa.
No entanto é com a poesia que Houellebeqc inicia, em
1991, a sua carreira literária. |
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Os poemas de Houellebeqc
apresentam uma visão implacável, pessimista e tragicómica do
mundo, da ruindade do convencionalismo e ideias dominantes, da
miséria e precariedade da existência, da caducidade dos nossos
corpos, do desespero existencial. A sua linguagem é agreste,
contundente e provocante. É um poeta da radicalidade na tradição
dos poètes maudits.
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MICHEL HOUELLEBECQ
Dez poemas
Versões de Luís Costa
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L’amour, L’amour
Num cinema porno, casais de
reformados
Contemplavam céticos
Os jogos mal filmados de duas
parelhas lascivas
Não havia argumento
Eis aqui, disse para comigo, o rosto
do amor
O autêntico rosto
Alguns são sedutores e seduzem sempre
O resto sobrevive.
Não existe o destino nem a fidelidade
Mas só corpos que se atraem
Sem nenhum apego e sem piedade
Jogam e destroçam-se.
Alguns são sedutores, portanto, muito
amados
Sabem o que é um orgasmo
Porém há outros tantos, fartos, sem
nada que ocultar
Nem sequer um fantasma.
Apenas uma solidão agravada pelo
impudico
Gozo das mulheres
Apenas uma certeza: isto não é para
mim
Enfim, um pequeno drama obscuro.
Com certeza morrerão um pouco
desenganados
Sem ilusões poéticas *
Praticarão lá no fundo a arte de
desprezar-se
Será algo mecânico.
Dirijo-me àqueles que nunca foram
amados
Que nunca souberam gostar
Dirijo-me aos ausentes do sexo
liberal
E do prazer ordinário.
Não temeis, amigos, a vossa perda é
mínima
O amor não existe em nenhum lugar
É só um jogo cruel de que sois as
vítimas
Uma jogada de especialistas.
*No original: Sans illusions lyriques
(sem ilusões líricas)
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Mundo exterior
Há qualquer coisa morta no fundo de
mim
Uma vaga necrose uma ausência de
alegria
Transporto comigo uma parcela de
inverno
Vivo em metade de Paris como no
deserto
Saio durante o dia a comprar cerveja
No supermercado há alguns anciãos
Evito com facilidade o seu olhar
ausente
E não me apetece falar com as
raparigas da caixa
Não guardo rancor a quem me achou
mórbido
Sempre tive o dom de destruir
ambientes
Não posso partilhar mais que vagos
sofrimentos
Lamentos fracassos uma
experiência de vazio
Nada interrompe jamais o sonho
solitário
Que faz de vida e destino provável
Segundo os médicos sou o único
culpado
Na verdade envergonho-me e
devia calar-me
Observo tristemente como as horas
decorrem
As estações sucedem-se no mundo
exterior.
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Irreconciliável
O meu pai era um idiota bárbaro e
solitário.
Ébrio de deceção, só diante do
televisor,
Rumiava planos frágeis e muito
bizarros,
A sua maior alegria era vê-los
fracassar.
Tratava-me como uma rata acossada;
A mera ideia de ter um filho, creio,
enojava-o.
Não suportava pensar que um dia o
ultrapassasse,
Só porque eu ficava vivo, e ele batia
a bota.
Morreu em abril, gemente e perplexo,
No seu olhar havia uma cólera
infinita.
Todos os três minutos insultava minha
mãe,
Criticava a primavera, fazia troça do
sexo.
No final, pouco antes da última
agonia,
Um breve sossego percorreu-lhe o
peito.
E sorrindo disse: banho-me na minha
urina,
Depois, apagou-se com um suave
estertor.
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É certo que este mundo onde nos falta
o ar
Só nos inspira um asco manifesto
Uma ânsia de gritar sem já nada
esperar
E nem lermos mais os títulos dos
jornais.
Queremos regressar à antiga morada
Onde a plumagem de um anjo cobria
nossos pais
Queremos reaver essa moral estranha
Que santifica a vida até ao instante
final
Queremos algo como uma fidelidade
Como uma imbricação de doces
dependências
Algo que transcenda e contenha a vida
Já não podemos passar sem a
eternidade.
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O comboio que ficou parado entre as
nuvens
Podia ter-nos conduzido a um destino
melhor
Cometemos o erro de acreditarmos na
sorte
Eu não quero morrer, a morte é uma
miragem.
O frio desce às nossas artérias
Como uma garra à procura da esperança
*
Já não existe o tempo da inocência
Ouço a agonia do meu irmão.
Os seres humanos lutam por pedaços de
tempo
Ouço o crepitar das armas automáticas
Eu poderia comparar as origens
étnicas
Dos cadáveres empilhados no
compartimento.
A crueldade cavalga os corpos
Com uma ebriedade insaciável
A História trará o esquecimento
Então, viveremos a segunda morte.
*No original: comme une main
(como uma mão)
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So long
Há sempre uma cidade com rastos de
poetas
Que entre os seus muros cruzaram seus
destinos
Água por todo o lado, a memória
sussurra
Nomes de gente, nomes de cidades,
olvidos.
E é sempre a mesma velha história
Horizontes desfeitos e salões de
massagem
Solidão assumida, vizinhos
respeitáveis
Há, portanto, gente que existe e
baila
São gente de outra espécie, de uma
outra raça
Nós dançamos exaltados uma dança
cruel
Temos poucos amigos, mas nosso é o
céu
E o desvelo sem fim dos espaços.
O tempo, o velho tempo que tece a sua
vingança
O rumor incerto da vida que passa
Os silvos do vento, o gotejar da água
E o quarto amarelento onde a morte
avança.
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Já não tenho vida interior
Nem paixão, nem calor
Em breve serei a súmula
Do meu próprio volume.
Chega sempre o dia
Em que racionalizamos
Chega sempre a manhã
Do futuro abolido.
O caminho reduz-se
A um espaço cinzento
Sem sabor, sem prazer,
Serenamente demolido.
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A fadiga central de uma noite sem
astros
Adornada de nada
(Piedoso, o esquecimento pôs o seu
véu
Sobre as coisas e as gentes)
O elemento bizarro
Disperso sobre as águas
Acorda a memória,
Sobe à cabeça como um vinho
Da Bulgária.
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Arte moderna
Impressão de paz no átrio
Vídeos traficados da guerra do Líbano
Cinco machos ocidentais
Discutem sobre ciências humanas.
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Rastos noturnos
Um astro cintila, só,
Preparado para as longínquas
eucaristias.
Os destinos acumulam - se, perplexos,
Imóveis.
Nós marchamos, eu sei,
Na direção das manhãs estranhas.
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Nota: o
poema Mundo exterior foi traduzido do livro La
Poursuite du bonheur; o poema O comboio que ficou parado entre
as nuvens, do livro Renaissance; os outros da antologia
Non réconcilié. Anthologie personnelle : 1991-2013 |
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