“A cultura é um
instrumento de relações sociais e a forma pela
qual os homens actuam em sociedade” - Célio
Turino*
a Cultura ,quer
queiramos ,quer não ,está presente em todas as
acções sociais .a resignação ou inconformismo
com que o cidadão encara a sua realidade é,
sobretudo, uma conduta cultural .o próprio facto
de o indivíduo se aperceber ,enquanto cidadão ,é
,de per si ,fruto de condicionantes culturais e
históricas .uma acção governativa que se
pretenda progressista ou transformadora ,deverá
ter a Cultura como prioridade.
mas a Cultura não
pode ser confundida com eventos isolados, que se
bastem em si mesmos .muito menos pode ser
reduzida a mero entretenimento ou restrita às
Belas Artes ou à “alta cultura”, erudita e
hermética .a Cultura é isto ,mas não só .é
,também ,formada pelas referências históricas
,pelos costumes ,pelas condutas ,por desejos e
reflexões .evidentemente ,o evento artístico
,como concretização de um processo ,tem um papel
fundamental e ,muitas vezes ,é nesses
acontecimentos que as pessoas tomam contacto
,pela primeira vez ,com determinadas obras de
arte ,e ,são tocadas por elas .o entretenimento
,também ele ,traz uma componente lúdica
importantíssima para o Fazer Artístico e
seria um profundo elitismo masoquista negar este
aspecto agradável da Arte .mas, antes de tudo
,Cultura é “o cultivo da mente” ,ou ,nas
palavras de Bertolt Brecht, “(...) é pensar ,é
descobrir“.
democratizar a
Cultura é democratizar o acesso aos bens
culturais universais, permitindo às pessoas
adquirirem uma autoconsciência de participação
,e ,ampliar o raio de ação das obras culturais e
não ,simplesmente ,adaptá-las ,moldá-las ou
enfraquecê-las .permite ao ser humano
apropriar-se de instrumentos capazes de romper a
falsa consciência alienada e particularista que
o impede de desenvolver uma postura crítica
diante do mundo em que vive .“deve-se elevar a
cultura do povo!” ,defendia e ,muito bem
,Maiakóvski.
a distinção entre
Cultura Erudita e de Massas ,e ,destas últimas
,da Cultura Popular ,é uma maneira de
hierarquizar as diferenças e assegurar a
sobrevivência de um regime social .esta
distinção apresenta a elite como detentora de um
saber e bom gosto que a legitima ao pleno
exercício do poder .às massas – como se
existisse esta categoria amorfa e compacta – é
oferecida uma cultura pasteurizada, feita para
atender às necessidades e aos gostos medianos de
um público que não deve questionar o que consome
.manter esta distinção significa manter um
estatuto de domínio .romper com esta realidade
,difundindo uma cultura que seja instrumento de
crítica e conhecimento ,é ,em nosso entender ,o
caminho certo para a ampliação da cidadania
.vista deste modo, a Cultura deixa de ser um bem
secundário em países ,regiões ou comunidades
carenciados e passa a ser um bem social ,tal
como a Saúde e a Educação .por todas estas
razões ,uma gestão pública de Cultura deve ser
entendida como prioritária e como alavanca de
transformações
Gestão cultural
assim sendo ,há que
recordar que estes conceitos que envolvem a
Cidadania Cultural estão alicerçados no
património cultural ,na formação ,na informação
e na criação .não se realizam instantaneamente e
têm um caminho longo a percorrer .sofrem recuos
,dependem de reavaliações ,e ,geralmente ,são
incompreendidos no momento da sua aplicação .num
processo de mudanças sociais ,as mentalidades
acabam por mudar ,mas sem princípios condutores
de mudança nas mentalidades ,não há
transformação possível
gerir é – antes de
mais – definir políticas .e definir uma política
cultural implica ,em primeiro lugar ,um
posicionamento ideológico, não podendo ser
confundida com um processo neutro de gestão
,porque as decisões nunca são neutras ,assim
como a burocracia .cabe lembrar que uma gestão
profissional ,e competente ,não é sinónimo de
tecnocracia ,mas sim de condutas públicas
coerentes ,em que conceitos e políticas são
apresentados à sociedade de forma clara
,permitindo o debate e transformando esse debate
em realizações e conquistas da cidadania .por
isso a criação de Conselhos Culturais locais são
essenciais ,no que às Autarquias concerne
,cabendo-lhes a mediação entre o Poder Político
e a Sociedade .uma postura democrática de gestão
deixa abertas possibilidades para experiências
alternativas e ,deste modo ,permite continuidade
no agir ,e não rompimentos a cada nova
equipa governativa ,como se a esta coubesse o
“inventar a pólvora” .antes fomenta aquilo que é
positivo e o ir em frente ,rumo a uma efectiva e
consistente transformação .mais que executar
,cabe nobilitar as potencialidades da sociedade
,abrindo espaço a outras Instituições e agentes
que não estejam na esfera pública .o Poder
político ,seja ele nacional ,regional ou local
,tem de estar ao serviço da Sociedade e nunca o
contrário .assumir uma postura mais humilde e
menos impositiva quanto à proposição e execução
de programas faz a administração pública crescer
e coloca-a no importante papel de articuladora
de recursos materiais e humanos .romper com a
ideia do Poder político omnipresente e
autoritário é perceber na Sociedade – e em todos
os cidadãos – a principal fonte de produção
cultural
Cultura como
filosofia de gestão governativa
em princípio ,Cultura
pressupõe a gestão de todas as acções sociais ,e
,consequentemente ,de todos os programas que a
tenham como principal objectivo ,porque
,antes de mais ,Cultura pressupõe comportamentos
.manifesta-se nas mínimas relações do quotidiano
e obriga a uma determinada postura frente ao
mundo e aos Outros .por exemplo ,a organização
das filas num supermercado ,é cultura .a chamada
de atenção ao desrespeito e às humilhações ,é
cultura .a resistência ou o modo de encarar as
adversidades ,é cultura .as lutas ,individuais
ou coletivas ,são cultura ,e ,é através da mesma
que superaremos as nossas realizações e
atingiremos as necessárias reformas
o desafio à Sociedade
deve vir através da reflexão crítica dos seus
próprios anseios ,redefinindo valores e
comportamentos .definindo projectos sociais .é
através da cultura que cada sociedade se afirma
– de forma consciente ou não – como passiva,
reivindicativa ou participativa .e por mais
repetitiva que possa parecer ,é com a cultura
,que uma Comunidade se supera ,quando solidária
,no direito à apropriação das suas memórias ,e
,consequentemente ,toma conhecimento da
importância do seu papel transformador
destarte ,cabe
desenvolver programas a fim de desenvolver o
chamado turismo social .realizar eventos de
lazer, cultura e desporto que promovam
inter-acções entre os cidadãos .cabe lembrar que
a violência urbana ,como todos sabemos ,tem
inúmeras matrizes ,sendo ,no entanto ,algumas
delas a ausência do lazer e a falta de
perspectivas para “passar o tempo” .a
necessidade de cultivar a mente .geralmente ,os
espaços de lazer são pensados para os homens,
do mesmo modo como os cafés ,os bares e as mesas
de bilhar .às crianças ,às mulheres e aos idosos
sobra a televisão e as ruas, quando muito .aos
jovens nem isso .a estes resta a falta de
perspectivas
Cultura como
filosofia de gestão é rendível ,social e amplia
os horizontes .por isso mesmo ,devemos estar
abertos a importar e exportar diferentes e
alternativas experiências culturais .este é o
motor da mudança - o desenvolvimento através do
intercâmbio e da troca .a cultura integra acções
,dá sentido às realizações e às reformas .é o
fio condutor que une o direito à saúde ,ao
transporte ,à escola ,ao trabalho e à cidadania
.com ela ,e ,só com ela ,seremos capazes de
conduzir as nossas sociedades à igualdade
democrática ,recolocando os cidadãos no caminho
da emancipação humana.
em resumo: um
programa de acção governativa pautado no
princípio da cidadania cultural administra a
cultura de forma integrada ,sistémica .reconhece
ao património histórico e cultural a base da sua
acção ,preservando e dinamizando os bens que
constituem referências fundamentais para a
afirmação e construção de identidades .forma
consciências .oferece alternativas e amplia o
repertório cultural .informa ,democratiza o
conhecimento ,e ,sobretudo ,ouve e respeita as
diferenças .convida as pessoas a reflectirem
sobre sua realidade e sobre aquilo que desejam
.cria ,arquitecta e transforma.
*Célio Turino ,historiador
Gabriela Rocha
Martins
,Setembro de 2016
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