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Almandrade (Brasil). Artista Plástico,
Poeta, Arquiteto, e Professor de História da Arte |
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ALMANDRADE
Visualização do poema - a radicalidade da linguagem
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I |
A sociedade contemporânea, do cinema,
da televisão e da internet com as das redes sociais – (da
instantaneidade da comunicação) é marcada pela constante
presença da imagem (signo visual). Palavras programadas no
espaço do papel, com informações em ritmo dinâmico, fez a
poesia, conquistar uma visualidade e uma dinâmica, como queria
Mallarmé. Apollinaire dizia que “a nossa inteligência deveria
habituar-se a compreender sintético-ideologicamente, em vez de
analítico-discursivamente”. O poeta percebeu a importância de
outros signos além da palavra.
A linguagem verbal não se tornou indispensável, mas a rapidez da
informação e da comunicação no mundo da atualidade rompeu com os
sistemas lineares. Ao poeta compete a invenção de novas grafias,
novos códigos que supere a ordem alfabética, propor novas
leituras como estratégia para adulterar o autoritarismo da
linguagem. Sem excluir outras possibilidades da palavra, poesia
visual se utiliza de recursos gráficos, de tendência geométrica,
caligramática ou ideogramática. |
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II |
Começa no Brasil dos anos de 1950,
paralelo à crescente onda de industrialização e a explosão
cultural, a criação de uma poesia como arte também visual. A
ideologia construtivista passa a ser hegemônica na arte e na
literatura como uma prática de vanguarda. Com a Poesia Concreta
há o rompimento com o verso e a literatura da academia, em busca
de uma comunicação verbal e visual. _ “... um objeto em e por
si, não um interpretante de objetos exteriores e ou sensações
mais ou menos subjetivas... O poeta concreto usando o sistema
fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica cria uma área
linguística específica – VERBICOVISUAL – que participa das
vanguardas da comunicação não verbal sem abdicar das
virtualidades da palavra,” (Teoria da Poesia Concreta).
Palavras montadas graficamente no espaço – (separação da poesia
da prosa). O espaço gráfico é um elemento do poema. Depois da
Poesia Concreta, liderados pelos irmãos Campos (Augusto e
Haroldo) e Décio Pignatari, da Poesia Neoconcreta e da Poesia
Práxis, surge o Poema/Processo que leva à radicalização total a
visualização: a palavra desaparece do poema, ficando apenas
elementos gráficos. “O Poema / Processo é aquele que, a cada
nova experiência, inaugura processos informacionais. A
informação pode ser estética ou não: o importante é que seja
funcional e, portanto, consumida.” |
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III |
Em meio às agitações dos anos de 1967 /
68 surgiu o Poema / Processo, que pôs fim na palavra como
construtor do poema. Marca a separação entre poema e poesia, a
poesia atua no campo da língua (discursiva) enquanto o poema
atua no campo da linguagem – (a língua faz parte da linguagem).
“o poema se faz com processo e não com palavras” ( Wlademir
Dias-Pino), - o poema pode ter ou não ter palavra (dispensável
mas não abandonada), o que interessa é a visualização do
projeto, a criação de um processo, isto é, possibilidade de
transformação, manuseio, mudança - “Tudo que apresenta uma
constante evolução no tempo e quando se dão mudanças diz-se que
há um processo” (Álvaro Sá).
Através de duas exposições simultâneas, no Rio (Escola Superior
de Desenho Industrial) e em Natal (Galeria Sobradinho) foi
lançado o movimento Poema / Processo com os poetas Wlademir Dias
Pino, Moacy Cirne, Álvaro de Sá, Neide Sá, Anchieta Fernandes,
Falves Silva, entre outros. Ao mesmo tempo era lançada a revista
do grupo, Ponto 1.
Em abril de 1968, no Museu de Arte Moderna da Bahia-MAM, foi
realizada a IV Exposição Nacional de Poema/Processo. Entre os
participantes do movimento (com nove estados representados)
estavam o mineiro radicado na Bahia Erthos Albino de Souza –
mais ligado à poesia concreta. Quatro anos depois, em 1972,
Haroldo Cajazeira forma com Orlando Pinheiro, Júlio César Lobo e
Almandrade um grupo de estudos de linguagem voltado para a
prática de poemas visuais a partir de estudos da Poesia Concreta
e principalmente do Poema / Processo. Em Julho de 1974, 0 grupo
edita a revista “Semiótica” para divulgar sua produção. |
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IV |
O poema é um projeto, uma informação
para o consumidor descodificar, uma equação para o público
deduzir ou uma matriz para ele criar uma versão. A atitude do
consumidor não é contemplativa (passiva) mas criativa
(participação) criando uma nova informação. O poema é a
informação e a técnica, o consumidor tem liberdade diante de um
projeto/poema dado, para criar um novo poema. A participação
torna-o socializante e revolucionário.
A cada nova experiência, o poema inaugura processos
informacionais. Essa informação pode ser estética ou não: o
importante é que seja funcional e, portanto, consumida. No
Poema/Processo importa a estrutura. Manter uma estrutura em
aberto, em constante relacionamento de suas partes, para que o
objeto estético seja mostrado por dentro, em seu processo. |
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V |
O experimentalismo na linguagem não se
esgota, enfatizar os aspectos plásticos e estruturais do poema,
retirar a primazia da palavra na criação poética passou a ser
uma meta dos poemas experimentais. A criação e / ou utilização
de novos signos, e a contribuição para o desenvolvimento da
comunicação no mundo contemporâneo.
“Para haver comunicação é preciso haver diferenças”.
“Sem o incomunicável não há comunicação”. (Décio Pignatari). |
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VI |
O experimentalismo é uma realidade em
si – o poema parte do racional, sem desconhecer o emocional, não
precisa ser explicado, ele mesmo se explica – (o funcional
contra o psíquico).
O poema experimental é uma técnica atuando na invenção de
linguagens e leituras, - o espectador não está mais diante de
uma obra acabada, a comunicação direta (visual) transforma o
consumidor em participante. O experimentalismo vai de encontro à
cultura burguesa, (do objeto único e redundante) – a matriz
contra o investimento e a propriedade individual, a versão do
consumidor pode ter o mesmo valor em termos criativos da matriz
que o gerou. |
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VII |
O poema visual é literatura? - “A
literatura por excelência do século XX é a história em
quadrinhos” (Moacy Cirne). A preocupação não é com a
continuidade, mais com o rompimento das estruturas
pré-estabelecidas. Romper ou rever o passado é uma opção –
(ampliação do repertório global).
Propor um rompimento qualitativo com a poesia tradicional
(modernista e pós modernista) pela radicalização das linguagens,
era um compromisso do movimento Poema / Processo, no seu
lançamento. Reunindo poetas das mais diversas partes do país e
até mesmo do mundo. |
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VIII |
A separação do poema da literatura
tradicional leva-o a uma ligação mais direta com a prática
semiológica ( intersemioticidade), com as artes gráficas, a
arquitetura. O poema se mistura com outras artes criando
trabalhos ao nível da linguagem.
Não está na área das artes plásticas pela sua opção de leitura.
“Nas artes plásticas temos a estrutura (leitura abstrata) – no
Poema/Processo temos o processo (leitura criativa) – a
funcionalidade informacional é mais importante que a
funcionalidade estética.” (Moacy Cirne). |
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IX |
“Sem forma revolucionária não há arte
revolucionária.” (Maiacovski).
A arte revolucionária não é aquela que está inserida no consumo
condicionado utilizando-se de linguagens consolidadas. A
visualização do poema é o descondicionamento dos limites do
repertório que nos aprisiona cotidianamente.
“O que o artista tem que perceber de revolucionário em sua
atividade é a ampliação de conhecimentos do real que ela pode
trazer”. (Álvaro Sá). Por isso é essencial na criação poética a
inauguração de processos informacionais. |
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X |
“O que me interessa em arte é criar
linguagens ou propor novos sistemas de codificação. A linguagem
nunca foi fixa, está sempre em mudança, quando a tecnologia
avança surgem novas linguagens, novas formas de arte, novas
atitudes, novos comportamentos”. (Almandrade – 1975)
A evolução do homem é caracterizada pelo enriquecimento ou
transformação de sua linguagem – é através dela que o homem
adquire conhecimentos para sua evolução. Através da codificação
de sinais o homem percebe o seu mundo.
Ficar contrário à mudança e ao novo é uma atitude de comodismo e
de alienação. É a criação de linguagens e leituras ou a
apropriação da linguagem com função criativa ao qual se propõe o
poema visual. |
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(texto escrito em 1976) |
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