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Adelto Gonçalves é doutor em
Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e
autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro,
José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015),
Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage
– o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás
Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça
em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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ADELTO GONÇALVES
Um passeio pelo centro do
Rio de Janeiro colonial
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I |
Um passeio por ruas,
praças, largos, caminhos, rocios e becos do centro histórico do
Rio de Janeiro é o que oferece o mais recente livro do arquiteto
e historiador Nireu Oliveira Cavalcanti: Rio de Janeiro:
Centro Histórico Colonial 1567-2015 (Rio de Janeiro, Andrea
Jackobsson Estúdio Editorial/Fundação Carlos Chagas Filho de
Apoio à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (Faperj), 2016),
segunda edição revista e ampliada de Rio de Janeiro: Centro
Histórico – 1808-1998 (Anima/Dresdner Bank Brasil, 1998),
fartamente ilustrado com fotos, aquarelas de Thomas Ender,
imagens da Coleção Maria Cecília e Paulo Geyer do Museu Imperial
e desenhos do próprio autor.
Refundindo o livro anterior, desta vez,
Cavalcanti procurou reconstituir as grandes transformações pelas
quais o centro histórico do Rio de Janeiro passou ao longo de
450 anos, desde a fundação do povoado, passando pela chegada em
1808 da família real, que marcou a elevação da cidade à sede da
monarquia portuguesa, até estes últimos anos marcados pela
realização da Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e da Olimpíada,
em 2016.
É de se observar que Cavalcanti,
pesquisador minucioso e persistente de arquivos brasileiros e
portugueses, foi quem contestou a invencionice – repetida
indefinidamente por historiadores alérgicos ao pó dos arquivos e
limitados à leitura de livros impressos, ainda que antigos – de
que com a família real teriam chegado ao Rio de Janeiro de 10
mil a 15 mil pessoas, garantindo, depois de compulsar
detidamente os registros manuscritos da época, que, na verdade,
o príncipe regente viera acompanhado de um seleto grupo que não
chegava a 450 pessoas.
De fato, não é preciso ser muito atilado
para se concluir que, se o Rio de Janeiro em 1808 reunia 7.600
edificações em sua área urbana e uma população ao redor de 60
mil habitantes, com certeza, a instalação abrupta na cidade de
15 mil pessoas haveria de ter causado um alvoroço sem
precedentes que, por certo, teria sido relatado em documentos da
época. E onde estão esses papeis de que não se tem notícias?
Como observa Cavalcanti na introdução, o
Rio de Janeiro dessa época refletia influências arquitetônicas e
urbanísticas da metrópole, mas, graças à exuberância de sua
paisagem natural e ao isolamento de sua população e ao
desenvolvimento de uma linguagem com traços locais, “foi
surgindo uma cidade peculiar, dotada de extrema beleza a
encantar a todos que nela chegavam”.
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II |
Cavalcanti acrescenta que muitos
nomes dos logradouros cariocas tiveram origem em caminho,
estrada, azinhaga, campo, paragens, sertão ou rocio antes de
serem denominados por rua, beco, travessia, largo, praça ou
praia, à época da passagem do espaço rural ou semi-rural para o
urbano. Assim, o leitor terá a oportunidade de saber a origem de
muitos logradouros conhecidos – e de outros nem tanto –, cujos
nomes chegaram até os nossos dias, e de muitos que ganharam
novas denominações ao longo dos tempos.
De início, a primeira denominação de muitos
logradouros partia da descrição do local em que se situavam.
Assim, uma via perpendicular à orla marítima chamou-se Desvio do
Mar. Havia ainda o Caminho dos Arcos (aqueduto da Carioca), da
Forca ou da Polé, do Boqueirão e as Ladeiras do Seminário ou do
Poço do Porteiro ou ainda o Beco do Cotovelo. Depois, quando o
logradouro ganhava uma edificação mais representativa,
passava-se a chamá-lo por essa referência urbana, como a Rua da
Cadeia, do Aljube, da Ópera, do Guindaste, do Cemitério, do
Rosário, da Alfândega, da Candelária, da Boa Morte, do Açougue,
do Quartel ou Detrás do Hospício.
As praias também recebiam, às vezes,
denominação de acordo com a atividade que nelas seria
desenvolvida. Um exemplo é a Praia dos Mineiros, hoje parte da
Rua Visconde de Itaboraí, onde havia um cais, entre o Cais do
Braz de Pina e o Arsenal da Marinha, no qual ancoravam,
principalmente, embarcações originárias dos portos do interior
da Baía da Guanabara. Lembra Cavalcanti, à pág. 61, que, como
algumas dessas embarcações saíam do Porto da Estrela carregadas
de produtos e passageiros oriundos de Minas Gerais, esse trecho
ficou conhecido como Cais dos Mineiros e também como Praia da
Farinha.
Se se pode acrescentar algum dado, é de se
lembrar que foi na Praia dos Mineiros que o alferes Joaquim José
da Silva Xavier (1746-1792), o Tiradentes, à época em que ficou
ausente de seu regimento em Minas Gerais quase um ano e meio,
tentou encetar algumas iniciativas empresariais no Rio de
Janeiro. Uma delas foi procurar arrendar oito braças de terrenos
na Praia dos Mineiros e seis braças na Praia de Dom Manoel para
construir um guindaste de madeira que serviria para o "embarque
de animais quadrúpedes e manufaturas" (Arquivo Histórico
Ultramarino (AHU), Lisboa, seção Rio de Janeiro, Avulsos, caixa
142, doc. 8, 18/8/1788).
No verbete referente à Praia de Dom Manoel
(pág. 44), hoje Rua Dom Manoel, lê-se que, no começo do século
XVII, formou-se um corredor de prédios que foi denominado Porto
dos Padres da Companhia (dos jesuítas), posteriormente mudado
para Praia Dom Manoel (Lobo), em homenagem ao governador da
capitania do Rio de Janeiro que morreu prisioneiro dos
argentinos na defesa da Colônia do Sacramento em 7/1/1683.
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III |
Se muitos desses logradouros históricos
já não são assim tão visíveis na paisagem carioca, outros há que
são conhecidos por todo o Brasil, como a Rua da Alfândega, onde
no prédio de número 70 situou-se por décadas até 2014 a sede da
Confederação Brasileira de Futebol (CBF). De início, esse
logradouro chamou-se Caminho do Capueruçu e, mais tarde, Rua
Diogo de Brito Lacerda, em homenagem a um de seus ilustres
moradores, mas depois passou a se denominar Rua da Quitanda dos
Mariscos. Com a construção do prédio da Alfândega, na atual Rua
Primeiro de Março, cujo portão ficava em frente ao antigo
Caminho do Capueruçu, ganhou o nome de Travessa da Alfândega.
Como observa Cavalcanti no verbete
referente à Rua da Alfândega (pag. 23), era no número 50 da
travessa que vivia dona Inácia Gertrudes de Almeida, amiga de
Tiradentes, a quem o alferes recorreu em busca de auxílio para
encontrar refúgio, afinal oferecido por um amigo seu, na Rua dos
Latoeiros (atual Rua Gonçalves Dias)onde morava num sobradinho o
paulista Domingos Fernandes da Cruz. Foi nessa casa que a tropa
do vice-rei o prendeu.
Outro logradouro amplamente conhecido
por todo o País é o Largo da Carioca, cuja denominação mantém-se
até os dias de hoje. No início, diz o autor (pág.33), esse
logradouro era quase todo ocupado por uma lagoa que motivou
Antônio Felipe Fernandes, em 1610, a arrendá-la à Câmara de
Vereadores para servir-lhe de tanque de lavagem dos couros de
seu curtume. Ali perto os franciscanos construíram seu convento
dedicado a Santo Antônio, que acabou por dar nome ao sopé do
morro em que estava situado. Foi a construção de um chafariz
para aproveitar a água do Rio Carioca, em 1723, que motivou a
mudança do nome do sítio para Largo da Carioca.
Além de logradouros que até hoje podem
ser localizados na paisagem carioca, há outros que se perderam
com as obras de modernização e revitalização do espaço urbano já
no século XX, especialmente com a derrubada do Morro do Castelo,
onde praticamente começou a cidade, e do Morro de Santo Antônio,
e a construção da Avenida Rio Branco, que inaugurada em 1906 foi
em menos de um século praticamente destruída, pouco restando de
sua arquitetura original. Sem contar a abertura da Avenida
Presidente Vargas, inaugurada em 1942, que fez desaparecer da
paisagem quase mil prédios, entre eles várias igrejas
setecentistas. Um vandalismo que só se pode atribuir à incúria e
à falta de cultura que caracteriza até hoje boa parte dos homens
públicos brasileiros.
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IV |
Nireu Cavalcanti (1944), arquiteto
formado em 1969 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da
Universidade do Brasil, é doutor em História Social, com ênfase
em História Urbana, pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais do Departamento de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1997. Tem
especialização em Planejamento Urbano e Regional e em
Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Santa Úrsula
(1979-1982). É professor de pós-graduação da Escola de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense
(UFF), da qual foi seu diretor de 2003 a 2007.
É autor, com Hélio Brasil, de
Tesouro: o Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio
de Janeiro (Pébola-Casa Editorial, 2015); e de O Rio de
Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão
francesa até a chegada da Corte (Zahar, 2003), seu trabalho
de doutorado, com o qual obteve o primeiro lugar da 42ª
Premiação Anual do Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ em 2004;
Histórias e conflitos no Rio de Janeiro colonial: da Carta
de Caminha ao contrabando de camisinha – 1500-1807
(Civilização Brasileira, 2013); Arquitetos e Engenheiros:
sonho de entidade desde 1978 (Crea-RJ, 2007); Crônicas
históricas do Rio colonial (Civilização Brasileira/Faperj,
2004); Santa Cruz – uma paixão (Relume-Dumará, 2004); e
Construindo a violência urbana (Madana, 1986).
Participou com capítulos em vários livros.
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Rio de Janeiro: Centro Histórico Colonial
1567-2015
Nireu Oliveira Cavalcanti.
Rio de Janeiro: Andrea Jackobsson Estúdio Editorial
148 págs., 2016.
Site:
www.jakobssonestudio.com.br
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