ISSN 2182-147X  . EDITOR | TRIPLOV . Contacto: revista@triplov.com . Dir. Maria Estela Guedes . PORTUGAL .
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Revista TriploV de Artes, RELIGIÕES & Ciências . Ns . Nº 58. maio-junho 2016 . Índice

 

LUIZ OTÁVIO OLIANI

Poemas

 

MÃOS DESUNIDAS

 

 

não serei o poeta do passado

embora dele me alimente

 

canto o presente

que Drummond não vê

 

nada de serafins

cartas de suicida

- os homens aterraram

a palavra amor

num canteiro de obras

 

as mãos desunidas

traduzem: os espinhos

inda sufocam as flores

 

TERESA

 

 

e agora Teresa?

meu mundo ruiu,

o bule entornou...

café derramado,

toalha manchada.

 

com a chave nos dedos,

cadê solução ?

a porta fechada,

a casa sem água...

o forno sem torta,

a rua com lixo...

 

se você cantasse

o tango argentino !...

se você tocasse balalaica !...

se você voasse...

se você fizesse alguma coisa, Teresa !

 

mas você só me pede versos

 

ENCANTAMENTO

 

 

no balde de juçaras

o homem busca

a água de que precisa

 

no terreno seco

procura o vento

 

encontra Deus

disfarçado de sabiá

 

RESGATE

 

 

como posso resgatar

o que não existe em mim ?

ao beijar a solidão

eu me dispo por inteiro

da escória que é o homem

na inútil tentativa

de ser Deus por um minuto

CONSTRUÇÃO

 

        A Lara de Lemos

 

a palavra é adaga

a cortar os pulsos

 

contra ela

milícias bombas

são inúteis

 

canhões não têm vez

sequer mordaças

 

a palavra não se cala

grita ejacula goza

 

a palavra é adaga

fere, mata

mas também é espera:

seu tempo é todo o tempo 

 

DESATINO

 

 

dentro de mim

uma caixa de sapatos

meia dúzia de pipas

um gibi

 

meu pai virou rio

deixou inventário

 

o que ficou

além da herança? 

 

 

O POETA E O OPERÁRIO

 

          A Maiakóvski

 

o que difere

o poeta do operário?

 

na maquinaria

o trabalho braçal

dá lugar à escolha

de substantivos

verbos

metáforas

 

se um carrega cimento

terra areia

o outro esculpe o ser

talha a essência

 

se um usa espaçador de piso

espátula roldana

o outro opera em silêncio

na construção do poema

SEMEADURA

 

 

     “Já a poesia não se dá, como flor.

      Escrever se faz difícil

      passagem em caverna estreita.”

     Lucia Fonseca

 

o vazio

dá espaço à escuridão

 

olhos percorrem

o silêncio da caverna

em busca de letras

 

no signo de metáforas

as mãos ouvem as flores

Deus se cansa

de acariciar o vento

 

o resultado?

o poeta escreve 

 

 

EM NÓS 

 

o que há em nós

é a espera

que não finda

 

o que há em nós

é o desejo

de ver no outro

o que nos falta

 

o que há em nós

é a espera do porvir

que nunca chega

 

o que há em nós

é a fome

que não sacia

 

ESBOÇO SOCIAL

 

 

      “Os fantasmas têm que existir”

      Adalberto Marques

fantasmas

habitam pessoas

cegas surdas mancas

 

não ouvem a fome alheia

não tateiam a dor dos miseráveis

não enxergam o coração dos desvalidos

 

a sociedade se compadece

de ter e não de ser                                                             

 

defeca arrogância

ri de si mesma

se julga superior

 

esquece que

os espelhos

ainda existem

 

 

DO TEMPO DAS COISAS

 

na parede

a madureza

dos relógios

 

no aparador

as maçãs intactas

 

no quadro à parede

a morta

não comerá das frutas

não verá as horas:

o tempo também não lhe pertence

METEORITO
"O eterno é que me veste"
Astrid Cabral
 
não planejo escrever um verso
ele vem até mim
e explode em linguagem
 
domesticado
não fujo da sina
 
se o poeta é
imerso no coletivo,
como usar o verbo
sem que represente
a si próprio?
 
mesmo assim
escrevo
escrevo
não para ser eterno
nem alcançar glórias
 
escrevo
porque sou instrumento
da palavra que Deus sopra
em meus ouvidos
 

RESÍDUOS

 

 

um dia fomos

caule frutos

árvores entrelaçadas

 

agora não temos raízes

somos adubo

alimentamos a terra

 

importa

que morremos juntos

meu amor e eu

LUIZ OTÁVIO OLIANI nasceu no Rio de Janeiro e é graduado em Letras e Direito. Como poeta, está em 100 livros coletivos nacionais e alguns estrangeiros, além de 500 publicações entre jornais, revistas e alternativos. Tem poemas publicados e vertidos para o inglês, francês, italiano, holandês, espanhol e chinês, bem como textos ilustrados em projetos ligados às artes plásticas e exposições. Atuou na Revista Literária Sociedade dos Poetas Novos, SPN, de 2000 a 2003, tendo entrevistado grandes nomes da literatura brasileira. Recebeu 70 prêmios, dentre os quais se destacam: Moção de Louvor e Reconhecimento da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (2011); o Troféu Honra ao Mérito do Clube em Revista, como Poeta destaque de 2012, na Rádio Bandeirantes, Rio, AM, 1360 (2013), Menção Honrosa, Prêmio Vicente de Carvalho, concedida pela UBE / RJ (2014) ao livro dos entre-textos; eleito também como “O Melhor livro do ano” pelo Clube de Trovadores Capixabas, no Espírito Santo, no mesmo ano. Em 2011, foi citado como poeta contemporâneo por Carlos Nejar no livro “História da literatura brasileira: da Carta de Caminha aos contemporâneos”, SP, Leya. Teve obra poética estudada em projeto acadêmico na Faculdade de Letras na Universidade Federal de Sergipe (UFS), com poemas publicados e ilustrados por estudantes de escolas públicas de Sergipe e Bahia no livro “De olho na poesia”, organização da Beto Vianna e  Christina Ramalho. Publicou seis livros de poesia: "Fora de órbita", 2007; "Espiral", 2009, "A eternidade dos dias", 2012; “Luiz Otávio Oliani entre-textos”, 2013; “Luiz Otávio Oliani entre-textos 2”, 2015 e “Luiz Otávio Oliani entre-textos 3”, 2016.
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