REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 50 | fevereiro-março | 2015

 
 

 

 

NICOLAU SAIÃO

O regresso do Jagodes

(Jagodes’  truth)

Nicolau Saião (Portugal). Poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Efectuou palestras e participou em mostras de Mail Art e exposições em diversos países. Livros: “Os objectos inquietantes”, “Flauta de Pan”, “Os olhares perdidos”, “Passagem de nível”, “O armário de Midas”, “Escrita e o seu contrário”.   

 

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  O panorama era este: o grande público interrogava-se, os leitores questionavam-se, as massas admiravam-se. Que se teria passado com o grande pensador, qual o mistério que envolveria o seu aparente desaparecimento dos lugares mais expressos e expressivos do cenário cultural lusitano? Ou seja do TriploV, para sermos jubilosamente concretos?

   E, afinal, era bem simples, conquanto peculiar – e aqui se revela em primeira mão: o autor de “A suspicácia entre os militantes progressivos”, obra que sem ter sido adquirida pelo próprio ocupou como se sabe durante razoável período de tempo os tops do ranking literário-ensaístico, estava, tem estado, ocupado na redacção-elaboração dum estudo-infólio de grande fôlego e, ademais, profundidade filosófica: “Da comichão nos sovacos como método de tortura psicológica nos centros urbanos”, tomo que se pensa irá ser matéria fundamental para melhor se entender esse assunto momentoso e posto quase na berra por quem se calcula.

  Tendo conseguido saber os comos e os porquês da, digamos, oclusão jagodiana, imperioso se tornava – devido a tudo o que de importante se tem passado ultimamente – falar, encontrarmo-nos com o antigo catedrático da especialidade de Metafísica Objectual, que após a sua saída de regência na Sourbonne deixou na alma dos seus alunos, havidos e futuros, uma nostalgia que não hesitamos em considerar como extensíssima.

  E dada a gravidade dos temas a tratar, desta vez a entrevista não foi efectuada por uma freelancer, por muito talentosa (sem falarmos na simpatia psico-física). Fômos mesmo ao que mais elevado existe nas nossas hostes: o grande-repórter Frederico Beiramar, que já se notabilizara com aquela famosa peça conseguida entre o Alentejo e o Guadiana – para falarmos de forma poética.

  O encontro, conquanto o dia estivesse frio e chuvoso, decorreu na sua mansão de Linda-a-Velha, aquecido por um robusto lume de lareira e, se não é indiscrição, uns aconchegantes cálices de “Queen Margot” dezasseis anos.

   
 
   
 

Frederico Beiramar (FB) – Deixe-me para já saudá-lo, Doutor Jagodes, em nome de todos os nossos leitores, uma vez que…

Doutor José Jagodes (JJ) – Não ponhas mais na carta, moço e desculpa interromper-te. Mas é que essas coisas de se falar em nome de outros… traz-me à memória coisas tristes, nomeadamente aquele hábito que certos homens públicos têm de exalar “o povo isto, o povo aquilo”, quando são eles que opinam e dizem o que lhes vai no bestunto…Tás a perceber?

FB – Entendo… Então, saúdo-o só e mais nada. Na verdade…

JJ – Vou-te interromper outra vez, mas não leves a mal. Tu nunca ouviste, ou leste, aquela sensata frase libertária, ou mesmo anarca, que diz e com razão que “ninguém representa ninguém”? Porque isso de um sujeito andar a ser representado por tipos que fazem demasiadas vezes o contrário do que os interessados fariam, tem sempre levado água no bico…É um belo truque, com licença da mesa…

FB – Certo, Doutor, percebo o seu ponto de vista. Vamos então em frente: os últimos tempos têm sido férteis em surpresas: o Lima que apanhou 10 anos de sossega, o ex-conselheiro de Estado que não apanhou nada nem sequer foi incomodado e segue com os seus negócios a beneficiar o país, o Temístocles encanado, o outro a quem salgaram com a fiança de 3 milhões, os…

JJ – Tu desculpa, mas hoje parece que é sina minha interromper-te…Tu chamas a isso surpresas?! Surpresa é não terem ido há mais tempo, além de outros que já lá deviam estar! Mas a maior surpresa é esta: apesar da verdadeira bambochata em que transformaram o país, isto ainda se aguentar de pé. Mas isto é a nação que de repente até vê num Costa do Castelo de S.Jorge, vazio e verborreico, um salvador. O outro da malta dele era em estilo arrebenta, ele é em estilo mija-mansinho, com quele sorrisinho de sacristão. Que é esperto não se duvida, mas creio que vai fazer as coisas acabar mal. O drama está em que o contraditório, ou seja a cena que vai no adro, não é melhor, a não ser ter menos habilidade na conversinha…Tás a topar?

FB – Na perfeição. Mas ele há coisas excessivamente graves…

JJ – Isso era como dizia aquela personagem do velho Eça…

FB - …coisas que nos causam um arrepio no espinhaço, se o doutor me permite este termo um bocado pimba…

JJ – Não faz mal, pá! Os pimbas, em comparação com alguns que aparecem a todo o momento na tv, são mestres pensadores…

FB – Então e agora a rádio, que praticamente não dá nada mais do que futebol, política e biografias de músicos ou musiquinhas a granel?

JJ – Isso é o que se chama dar-nos música. Não conheces a expressão proverbial? O habituar a maltosa a pensar que não há nem cientistas, nem escritores, nem historiadores, nem investigadores, nem outra gente assim, faz parte da querida banalização, tás a ver? Era a isso que o Botas chamava “viver habitualmente”, a pouco e pouco reduzir o mais possível as enxaquecas produzidas pela utilização das meninges…E estimular as casas de segredos, a moda de se ser tendencialmente rasca e obsceno. São os valores da modernidade em que nos enfronharam! E o outro truque sem dúvida habilidoso, o “para os amigos, tudo”, para empregar a expressão daquele mangas muito rábula que às vezes nos vem seringar com partes gagas?

FB – E o ambiente internacional também não está nada bem…O doutor, que tem fortes ligações a França, certamente tem andado muito apoquentado. Se calhar até foi a Paris, não?

JJ – Fazer o quê? A ver as modas para a próxima estação? Não me estás a falar disso, pois não? Que o ambiente da Moda, seja cá seja lá, também anda bonito, não haja dúvida…

FB – Claro, Doutor, refiro-me ao resto…

JJ -  Deves querer referir-te à brutalidade fundamentalista islâmica. Então ouve: que estou de alma e coração contra o terrorismo, não há dúvida. Que a vida dos franceses e das francesinhas me diz muito, é óbvio. Que a liberdade de expressão e a negação da intolerância é um valor fundacional, é evidente. Mas fará muito sentido ir para a rua aos magotes, principalmente com os maiorais em lugar de destaque – eles que têm sido pelo seu laxismo e desleixo os maiores incrementadores da brutalidade que acham por vezes muito compreensível e, depois, ficarem-se pelas intenções piedosas e deixarem que a entrada às carradas continue, propiciando uma islamização progressiva, maciça, com o pretexto de que devemos consentir que venham intrometer-se habilmente na nossa maneira de viver? Essa gente do mando foi capturada pela má consciência que lhes advém do mal que fizeram ao povinho da gleba durante séculos e, agora, em jeito de quem tem remorsos, deixam aos inimigos da Liberdade todo o à-vontade para tentarem destruir a mesma Liberdade de que usufruem com cinismo orientado e maldoso. Como os granjolas vivem protegidos nos seus gabinetes-fortalezas, bem comidos e bem dormidos, não querem entender que os que, seja à força ou ao jeitinho, querem acabar com o Iluminismo e a Razão, usando capciosamente uma religião e uma figura fideísta, não têm direito de apelar para as regras e os valores da Democracia que apenas usam para melhor tripudiarem sobre o Direito humano de luz e de dignidade íntegras!

FB – Eu penso que o ambiente é muito inquietante, sim. Para o Doutor, que habitualmente usava um certo, se me consente, humor pronunciado, falar com tanta gravidade – é porque as coisas estão de facto pretas…

JJ – Eu tenho o humor ainda na pele, moço! O meu senso de humor está vivo e são – e se não acreditas deixa-me falar-te nos romances de políticos eróticos e outras contradanças avantajadas que têm por aí aparecido ultimamente…Só que um mano fica farto de andar por aí a brincar enquanto a sociedade agoniza. Já viste que, por exemplo, depois dos manos Kouchi serem apardalados a maioria dos comentadores da tv, com a hipocrisia que deus lhes deu (tanto o nosso como o dos outros…) se apressaram a falar às pázadas na necessidade de não se ter uma reacção anti-muçulmana, em vez de falarem no verdadeiro problema que é a de se precisar que os muçulmanos afixem de vez a ideia e a realização de saírem da mentalidade medieval, e isto nos próprios “muçulmanos bonzinhos”, ou seja, os que pensam atingir o Kalifado sem ser preciso pôr bombas e kalashnikovs mas pela introdução maciça e paulatina? Porque o busílis reside nisso, ainda há dias vinha na maior revista lusa uma entrevista com um fulano islamizado que dizia com toda a lata que, quando o Islão tiver ocupado toda a Europa, seremos então todos felizes. Percebes?

FB – Perfeitamente.  Mas passemos agora a outro tema. O mundo do futebol, que parece também andar a…

JJ – E mais uma vez, meu maroto, tenho de te interromper! Então tu falas-me de futebol, que é uma coisa que já não existe?

FB – Que não existe?? Então o Doutor diz-me que a bola não existe? Mas se ele é cada vez mais…

JJ - …ou antes, existe mas como vaudeville. Tu não achas que as tricas na bola, seja nos clubes seja nas federações e outras deambulações, excepto na terceira bola de ouro do Cristiano, é muito mais uma trapalhice pegada que uma coisa a sério?

FB – Eu não direi nada, mesmo que o pense…Sou apenas entrevistador…

JJ – Então se assim é e a hombridade profissional te obriga a não tomar partido, aqui vai da minha parte outra coisa a rasar o humor: já reparaste que nas audiências parlamentares ao caso Santo Espírito, os assessores e coadjutores do Gajo que Mandava na Coisa Toda de repente começaram todos a perder a memória e a explicarem que tudo o que faziam o faziam por lealdade e outras honradezas com o manda-chuva? Vai por mim, no fim tudo vai acabar em bem, com toda a malta soltinha e limpinha e tu entrarás para a sacola com mais uns pózinhos de austeridade, que é para aprendermos.

FB – Ó Doutor, chiça, se me permite o termo assim a modos que de novo um bocado pimba, não seja tão…desconsolado. Afinal ainda há Justiça neste país, com mil raios!

JJ – Sim? Achas que sim? Então vai ouvir o Distinto Ancião pai da democracia… e ouvirás das boas! Isto, segundo o conceituado e famoso cavalheiro, é tudo uma cambada de infames, uma malandrice pegada!

FB – Eu se fosse ao Doutor não daria muitos ouvidos a toda a gente. É muito bom a gente não ligar a cabeças…esquentadas. Ou que já perderam o norte…alegadamente. Mas bom, o nosso tempo esgotou-se e eu dou por terminada esta entrevista que estava em dívida. Agradeço-lhe penhoradamente e…até uma próxima oportunidade.

JJ – Penhoradamente? Em dívida? Já agora tem cuidado com as expressões idiomáticas, moço. Em tempo de austeridade usar certos termos com perfil económico – penhoras, dívidas, etc – não é nada positivo… Mas bom, apanha lá esta “bacalhauzada” e que tenhas muita sorte…mesmo sem te entregares à emigração. Até mais ver!

 

(Entrevista conduzida por Frederico Beiramar e editada por Arminda Pentecostes, coordenadora sectorial)

 

 

© Maria Estela Guedes
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