REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 49 | dezembro-janeiro | 2014-15

 
 

 

 

 

 

LUÍSA DEMÉTRIO RAPOSO 

Vermelho Al Mojanda

 

 

Luísa Demétrio Raposo (Portugal). Nasceu em terras de Olisipo mas é Alentejana de alma e sangue onde cresceu  e desde muito cedo despertou a sua paixão pelas artes. Amante de teatro, de literatura, música clássica, pintura e erotismo, começou a ler poesia aos 8 anos e escreve desde que o alfabeto entrou e se fez foz. Dedica a maior parte do tempo e do espaço à leitura e à escrita. Editou o seu primeiro livro em 2010 e é autora das obras, Respiração das Coisas, Nu Âmbar da Minha Escrita (2011), Nymphea(2012), O Jardim Separado(2013). Vermelho al mojanda é o seu quinto livro.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Do nylon   

A passarola descobre a parede sentada e cruaPulsa o nylon e desperta o cio em suspensão soerguida.  Punheta; o prepúcio gesticula o vermelho na ponta da nervura; a esfera racha pegajosa, ilida e recita a clareira da brecha rente ao alfa beto, ao cheiro da água onde o fogo lava a fulva vazia entre a carne dura.  Choverá e não há alargar sem o entremeio. Abraçá-lo-eis. Na gaiola a desmoronada travessia junto aos pentelhos amachucados à pressa. Em pleno voo inquieto em babas pernoita o sexo no universo e o sangue aquecido que escreve pelo corpo o canavial em cardas formas e um longo arrotar demora-se. 

Nunca escrevas aqui com um outro rio, só com outra febre no porto e que se entorne pela imagem.  

 
 

Do olho do cu   

O olho do cu é o charco na massa solta a arder na translação boémia. Um porto ensopado. A ribeira, almejante, almo janda, al mo janda, em torno de um ponteiro descalçado. Um território, aceso, coberto de musgo, cintilações, mugidos, e de odores que aceleram os vocabulários nos lagos pelos sexos engolidos. Nos roucos roncos do pénis que gulosamente grita de entre as peçonhentas substâncias da terra coberta de chuva.  A boca, masculina, é uma alcateia de águas que foge de entre os curtos caules húmidos das árvores. A mudez descoberta passa, invisível, aprofunda a intimidade indizível no decote que pelos olhos esvoaça e cisalhará mentalmente o homem, enlaçando-o no tesão  no marulhar peregrino dos símbolos abertos ao sexo que rutila o silvo da sua afirmação demasiado neurótica, a universalidade intransmissível nas árias, o denunciar de todas as coisas geradoras que envidraçam os sorvos da carne que fere o fundo  e que mantêm  a cama viva ao final do dia.  No foder que enche as estreitas vísceras, devassas, que nas mãos coroam a genoês  um esmagador enfrentar de carnes vivas.  Da língua, da voz, sentadas entre a gonilha da respiração na cabeça fechada.  

 
 

Da ora(ção) 

O corpo é o cadáver que me separa. É um inferno o demónio que me rasga dos outros, sempre, sempre.

A natureza esbraceja e no barulho não há nada pior que ter que ser antes de escrever.

O corpo, ausência, sem universo entre o papel e a tinta atenta que chama a atenção obscenamente larga.

Não temo o lume nem arder no fogo agonizante das labaredas, escrevo para poder desaparecer. Escrevo para me diluir nas palavras e assim poder matar a mulher e a carne.

O coito é um órgão ciumento e grosso que remexe os porões mais profundos onde posso imaginar a desordem em que tudo termina e em tudo recomeça do masturbar à forma que inclina o enfrentar da numeral e aterradora invasão epistolar que inflama.

Quão líquida é a anarquia e já que nada mais me pode salvar, urinemos.

 
 

Do frio   

Na carne é inverno, as palavras escurecem e nas veias corre duro e lento o sangue em círculos. E a escrita no pulso ascende aos astros sobre a folha de papel onde escrevo sobre o abandonar que deixo à solta fora das cilhas. A ostra insinua-se à chuva no mover das mãos. A carne, horta  a palavra viva  que a masturbação esboroa. O sol semeando certos lugares fora dos ruídos dos relâmpagos que atrevidos são aos bandos. A carne, uma ilha, o sangue do outro lado nómada anaça as margens desoladas.  O corpo, alvenaria reflectido e nele pernoita mais um monólogo. Deixo-me sair.  A essência da selva o olor inquietante da terra molhada onde o musgo é denso e forte e ouvem-se excitada as águas que albergam barítonos em toda a órbita do barro falante.

 
  Participação nas "Raias Poéticas", 24-25 de Outubro de 2014, Vila Nova de Famalicão
 
 

 

© Maria Estela Guedes
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