REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 49 | dezembro-janeiro | 2014-2015

 
 

 

 

 

RON PADGETT & WALLACE STEVENS 

Treze maneiras de

Tradução de Francisco Craveiro

 

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Treze maneiras de observar um pássaro 

I 

Entre vinte montanhas cobertas de neve

Só o olho do melro

Se mexia.

 

II 

Três ideias em mim,

Como três melros

Numa árvore.

 

III 

O melro rodopiou aos ventos do outono.

Um pequeno papel na pantomima.

 

IV 

Um homem e uma mulher

São um só.

Um homem, uma mulher e um melro

Também.

 

V 

Não sei o que preferir,

A beleza de um tom de voz

Ou a beleza de uma insinuação,

O melro a trinar

Ou o momento logo a seguir.

 

VI 

Pingentes de gelo encheram  a janela larga

De vidro primitivo.

A sombra do melro

Atravessou-a, para lá e para cá.

O estado de espírito

Deixou na sombra

Uma razão indecifrável.

 

VII 

Ó homens esbeltos de Haddam,

Por que pensais em pássaros dourados?

Não vêem como  o melro

Saltita aos pés

Das mulheres perto de vós?

 

VIII 

Sei que há sotaques nobres

Ritmos lúcidos e inevitáveis;

Mas sei, também,

Que o melro está em tudo

aquilo que conheço.

 

IX 

Quando o melro desapareceu a voar,

Traçou a linha

De um de muitos círculos.

 

X 

Vendo os melros

Voarem numa luz esverdeada,

Até as alcoviteiras da eufonia

Gritariam estridentemente.

 

XI 

Andou pelo Connecticut

Numa carruagem de vidro.

Uma vez, o receio atravessou-o,

Quando confundiu

A sombra da carruagem

Com melros.

 

XII 

O rio desloca-se.

O melro tem de voar.

 

XIII 

Foi noite cedo toda a tarde.

Estava a nevar

E ia nevar.

O melro recolheu-se

Nos braços do cedro.

Wallace Stevens

   
 

Treze maneiras de considerar um haiku 

I

Três pares de sapatos encarnados e grandes

com atacadores amarelos

no armário

 

II

A vassoura encostada na cozinha

fim de tarde

porta escancarada

 

III

A velhota agarrando as videiras

puxando as folhas mortas

atabalhoada  e praguejando

 

IV

No tabuleiro dos biscoitos

um boneco de gengibre

a ler um livro

 

V

Sobre a  relva molas da roupa em madeira

no piquenique

para os trabalhadores da fábrica

 

VI

No ar

quase a surgir

uma face em vidro

 

VII

A casinha do jardineiro na neblina

ela aproxima-se aconchegando-se

ele abre um olho

 

VIII

Um mosquito paira

sobre a cancela

que dá para o pomar das macieiras

 

IX

Se olhares o ar bem

hás-de ver algo nele

nem que sejas um martelo

 

X

Um velho vestido como um monte de bolas de sabão

caminha no bosque

cantando alegremente

 

XI

Da esquerda para a direita

no caderno velho

a caligrafia suave e meticulosa

 

XII

Cerejas vermelhas no vestido de algodão

que ela veste

ao afastar as cortinas

 

XIII

Um homem é um pateta

a não ser que não saiba o que está a dizer

quando na rua o vento lhe leva o chapéu 

Ron Padgett

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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