REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 46 | junho-julho | 2014

 
 

 

 

 

 

 

NUNO REBOCHO

 Urbano Tavares Rodrigues,

uma voz contra o salazarismo

Nuno Rebocho (1945, Portugal). Escritor e jornalista.  

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
Revista InComunidade  
Apenas Livros Editora  

Arte - Livros Editora

 
Jornal de Poesia  
Domador de Sonhos  
Agulha - Revista de Cultura  
   
 
 
 
 
 

Urbano Tavares Rodrigues foi um amigo que veio dos velhos tempos. Não foi por acaso que lhe dediquei o meu primeiro livro de poesia (“Breviário de João Crisóstomo”), era eu ainda menino e moço, chegado há pouco a Lisboa, vindo de Moçambique. Apesar de não vogar nessas águas – Urbano sempre foi eclético – era o sopro surrealista que então me inspirava, quando começavam a transparecer as minhas veleidades desintegracionistas: muito abancava por essa época na leitaria Passo, ali para as bandas do lisboeta Rossio, sempre de braço dado com o Armando Ventura Ferreira (“la renard argentée”), com o Hugo Beja e com o Carreira Bom. Velhos tempos…

Foi então que esbarrei com o Urbano, acicatado por uma boa amiga dessa época e pela eternamente jovem Maria Almira Medina. Gatinhava eu pelas lides literárias e o Carreira Bom caíra no goto do Urbano, sempre apostado em desafiar o regime salazarista (o que nos encantava): o Carreira, despejado do Alentejo (da Aldeia Nova de S. Bento), acabara de publicar o seu “Subgente” e obtivera o apoio do escritor que lhe dera um cartão com o qual se apresentava em casa de algumas senhoras como sendo seu filho.

Por essa época, eu desandava por boémias e aventuras diversas, saltitando de tertúlia em tertúlia e de “república” em “república”, até que Mário Castrim me deitou mão. Por então namorei, com quem estive quase estive quase a casar: todavia, as minhas relações nessa época com o Joaquim Benite levaram a afastar-me da Antónia, que partir para Inglaterra.

Foi uma quadra de encontros e desencontros que me levaram às órbitas do movimento Pânico (com o Karlos Faria) – um pouco agitada, diga-se. Conheci meio mundo e não cultivei qualquer laço perene. Houve assomos e desaforos, andanças diversas que traduziram seduções e me atiraram para a clandestinidade e para a Cadeia do Forte de Peniche, onde passei longos cinco anos. Quando dali saí, reencontrei o Urbano (que fora dos poucos que me apoiou quando me confrontei com o fascismo português): para sobreviver nesse período, o Urbano custeou-me uma fotonovela, que nunca cheguei a publicar, porque fui entretanto preso pela PIDE.

Foi ele quem me chamou à luta contra os esbirros do regime, levantando-me contra o encerramento da Associação dos Escritores Portugueses, devido à vingança de Salazar por ter sido premiado o Luandino Vieira. Foi o Urbano Tavares Rodrigues – com o Jacinto do Prado Coelho – quem me encorajou a essas aventuras, nas quais tive a colaboração do João Carreira Bom e o incentivo do Alves Redol e do Manuel Ferreira. Nunca esquecerei a coragem demonstrada nessa altura pela Natália Correia e o Dórdio Guimarães, a quem fiquei muito a dever anos mais tarde.        

É preciso reconhecer que o Urbano, apesar de muito apoiado por seu irmão Mário, exilado no Brasil, merecia na altura das desconfianças dos neo-realistas, o que justificou (a par das distâncias que eles então tinham para com Redol) as reservas que contra eles tive: foram desinteligências antigas, pouco conhecidas, que encontraram esconsos motivos políticos como razão de ser. Prefiro esquecê-las, mas nunca apagá-las.

Urbano Tavares Rodrigues por certo não estaria de acordo com tais silêncios. E a essa vénia que lhe devo, escrevo esta memória.

Nuno Rebocho

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL