REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 45 | abril-maio | 2014

 
 

 

 

AGLAJA  VETERANYI

Quatro textos traduzidos por

Luís Costa

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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EUGÉNIO 

Da boca do Eugénio não saem palavras, mas sim

ovos.

O pai diz que Eugénio é um rapaz.

A mão chora durante a noite no lenço com o

monograma.

Eugénio acredita ser uma  rapariga e diz que

se chama Joana.

Anos mais tarde, Eugénio há-de matar uma mulher

que se chama Joana.

Então, Eugénio será internado num manicómio e a

sua mãe deixará de chorar.

 

 

A ESTRANGEIRA  

Há pouco tempo, uma senhora idosa deu uma queda ao sair do autocarro.

A sua peruca caiu ao chão. uma segunda cabeça sem rosto.

 

Várias pessoas aproximaram-se para a ajudar, mas a mulher ficou estendida,

sem se mexer.

 

Desde então mais ninguém se mexeu, embora a mulher fosse uma

estrangeira que não gostava daquela cidade.

 

 

A VARANDA  

A rapariga envelheceu, cresceu-lhe um caixão na barriga.

As mamas sobre a mesa.

Os amantes (chamavam-se todos Robert ) já morreram há muito.

Antes de se deitar a rapariga vai à varanda.

Onde a sombra espera. Onde a lua espera.

A lua germina.

A germinação é uma cantiga.

As gotas das folhas da lua caem nos pés da rapariga.

A lua dança, diz a rapariga. Dança para nós.

 

 

A FIRMA  

Ele enganava-a sempre à terça-feira.

Ela enganava-o à quinta.

Num sábado ele pediu-lhe: mistura pioneses

no meu arroz.

Ela fez um cozinhado picante. Acendeu uma vela azul.

Pôs um tango.

Abraçaram-se. cegamente.

Então, o sangue começou a correr

da sua boca

e do seu ânus.

Ela nunca o tinha achado tão erótico.

No domingo pediu-lhe: bate-me.

Ele bateu-lhe com o cinto no rosto. E arrancou-lhe

um dedo com o alicate.

Às dez em ponto  apagaram as luzes.

Na segunda-feira tinham de se levantar muito cedo.

 

 

Estes poemas foram traduzidos do livro (publicado póstumo):  Aglaja Veteranyi, Vom geräumten Meer, den gemieteten Socken und Frau Butter. Deutsche Verlags-Anstalt, München 2004.

 

 

Aglaja Veteranyi (Bucareste, 7 de Maio de 1962 - Zurique, 3 de Fevereiro de 2002). Escritora romena, de expressão alemã, filha de dois artistas de circo, o pai palhaço, a mãe acrobata, ambos analfabetos. Aos 15 anos, Aglaja sabia falar várias línguas mas ainda era analfabeta. Aprendeu a escrever e a falar o alemão autodidacticamente e fez estudos teatrais na Schauspiel Gemeinschaft Zürich onde mais tarde leccionará. Em 1993 funda, com o escritor René Oberholzer, o grupo literário experimental Die Wortepumpe e, em 1996, com seu companheiro Jens Nielsen, o grupo teatral Die Engelmaschine. Nas suas obras, escritas num estilo minimalista, Aglaja descreve, de modo surreal e grotesco,  aspectos autobiográficos e existenciais dos emigrantes. A sua obra foi recebida pela crítica e pelo público com grande entusiasmo. A 3 de Fevereiro de 2002 suicidou-se, afogando-se no Lago Zurique.

 

 

© Maria Estela Guedes
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