REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 44 | fevereiro-março | 2014

 
 

 

 

 

 NUNO REBOCHO

 

Recordando Mário Elias,

o enorme

Nuno Rebocho (1945, Portugal). Escritor e jornalista.      

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Mértola chorou a sua perda, apesar de tudo. Ele e o seu burro ficaram na memória de quantos o conheceram de perto. Foi, desde os bons tempos, um notável gravador – na minha opinião, mais do que poeta ou escritor, com que quis embrulhar-se nos últimos tempos da sua vida, quando a mão lhe começou a falhar, o que foi uma muito lamentável situação.

Recordo-me do Mário Elias desde 1963-1964, morava ele então ali para os lados do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, numa barraca onde habitavam também a mulher, um gato e um corvo, o inevitável José Mendes, além de Hugo Beja e eu próprio quando ali embicávamos. Tudo junto e apertado. Era nos tempos em que o Elias andava, sob a égide do Cláudio Juarez (um grande gravador chileno que esteve entre nós) na cooperativa “Gravura”.

Foi por então que começou a saga do Desintegracionismo, cuja antologia ele ilustrou e foi um dos poucos que lhe conheceram a tão abastarda história por aqueles que pouco ou nada tiveram a ver com ela a não ser a oportunidade e a incompreensão. Eu conto: o desintegracionismo nasceu de um poema meu (“Xblung”) e com o arrojo do Hugo Beja. Fomos nós os primeiros “desintegracionistas” que se juntaram depois a Armando Ventura Ferreira (le renard argenté, assim o tratava), que acabara de publicar “Astronave”. E foi em volta deste núcleo que se reuniram, à mesa da leitaria Passo, no Rossio, os demais integracionistas, entre eles o malogrado Júlio-António Salgueiro que, quanto a mim, foi o melhor poeta de todos nós. O mais que sobre isto se conta é pura invencionice. Basta dizer que o Movimento encontrou a séria oposição dos neo-realistas que nos acusavam de “querer fugir do país real” – uma acusação estúpida de quem de nós desdenhava e mal conhecia a nossa história individual.

Bem – tal significa afastar-nos do Mário Elias e eu não quero. O que importa é que lhe perdi o rasto por largos anos, muitos mais do que vivi nas masmorras do fascismo – para quem queria “fugir do país real”, nada mau. E quantos neo-realistas podem disso se “vangloriar”? O Mário vim a reencontrar em Mértola, onde ele tinha o apoio e o “exílio” da Câmara Municipal. Estive então com ele por várias vezes, para lhe dar um abraço, beber uns copos e expressar-lhe a amizade, graças ao meu amigo Miguel Rego, hoje assessor da Câmara de Castro Verde.

E também com o Elias estive durante uma noite em Portalegre: encontrei-o por lá, em plena Rua Direita, quando fui visitar um velho amigo, o grande poeta que é o Nicolau Saião.

Guardo do Mário uma saudosa memória. Foi enorme, ainda que – por razões diversas – o queiram minimizar. O humor negro que cultivava, o seu acrisolado amor pela obra de Edgar Poe são um fundo que ficará na minha cultura enquanto essa puder existir. Os seus amigos, o Hugo Beja e eu, não o esquecem jamais.

Nuno Rebocho

 

 

© Maria Estela Guedes
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