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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 41 | outubro-novembro | 2013
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MARIA ESTELA GUEDES
A loja do Freixo - reflexo
da nova ruralidade
Fotos de Ana Luísa Janeira
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Passado já algum tempo que os amores
de Almeno, por meu mal, eram passados,
porque nunca Amor cumpre o que promete,
e antre verdes ulmeiros apartados,
regando pelo campo as brancas flores,
em lágrimas cansadas se derrete;
quando a linda pastora, que compete
co monte em aspereza,
co prado em gentileza,
por quem o triste Almeno endoudecia,
pela praia do Tejo discorria
a lavar a beatilha e o trançado;
já o sol consentia
que saísse da sombra o manso gado.
Camões,
Éclogas |
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Alfredo Cunhal Sendim e alguns dos seus colaboradores |
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Duas senhoras bem citadinas e devotadas aos poetas e aos filósofos tomam
a peito refletir sobre a inauguração da loja de uma herdade, a nossa já bem conhecida
Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. Uma loja acabada de
estrear no Mercado da Ribeira, em Lisboa, assim chamado por se localizar
na antiga Ribeira das Naus, indicadora de chegadas e partidas de
mareantes - a época dourada de Portugal, com a descoberta de novas
terras, novos contactos e novos produtos comerciais. Algum fenómeno
idêntico nos atrai para as coisas
rurais? Sim, decerto aquele mesmo que atraiu Camões, que não consta tivesse
sido um campesino, para aquilo que suporta o mundo agrícola - a cultura:
agriCULTURA.
A Herdade do Freixo do Meio não é apenas um lugar de produção de bens
alimentares e associados, sua transformação e venda direta ao púiblico,
nas lojas, nem só um laboratório para experimentar novos métodos de
cultivar a terra: ela é igualmente um viveiro de gente com problemas e ideias novos.
«Viveiro» foi o nome dado pelo proprietário, Alfredo Cunhal
Sendim, aos jovens que lhe apresentaram projetos e os estão a
desenvolver nas suas terras, entre eles, o «Bazaar da Filipa», com a
caravana à sombra de um sobreiro, na qual a Filipa instalou um atelier
de costura para confeção de malas de estilo; os cultivadores de
aromáticas; o Tino, com o seu aviário de galinhas de raça portuguesa; o
casal que plantou o pomar, entre outros.
Este «viveiro» não é constituído por camponeses, com instrução básica ou
inferior, sim por jovens oriundos da cidade, com profissões exigentes de
graus académicos superiores, distintos dos necessários ao trabalho rural.
Gente que agora tira cursos específicos, que mudou radicalmente de vida, pelos
motivos mais variados, e não decerto por causa da crise. Mudou por
razões do foro íntimo, de modo que a nova
ruralidade funciona também como sanatório para o stress, hábitos
desviantes da vida normalizada, depressão própria da
vida urbana e feridas que o silêncio do montado ajuda a cauterizar. Alguns jovens estão a sair-se muito bem
e nós, as senhoras citadinas devotadas às artes e à filosofia, também
recuperamos com a vida no montado. Não é qualquer um que aguenta o
retiro (deitar cedo, cedo erguer, nada de rádio nem de televisão, ida à
vila a pé, uns cinco quilómetros ida e volta), sim quem precisa do
tratamento psicológico.
A loja, no Mercado da Ribeira, reflete assim o trabalho e as ideias
desenvolvidas na Herdade. Por isso, a sua mais óbvia imagem é a diversidade
dos produtos apresentados ao público, quer em estado natural quer
transformados, e contando ainda com os produtos culturais - livros, por
exemplo, e entre eles «As rosas do Freixo», assinado por nós as duas. Se pensarmos que a imagem tradicional da ruralidade alentejana
é quase exclusivamente a da extração e exportação de cortiça (e a
perdida do celeiro de Portugal), logo nos apercebemos do mundo das
diferenças que reinam no Freixo, com as suas centenas de produtos, de
que as fotografias de Ana Luísa Janeira dão amostra.
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Insistamos na questão cultural, intrínseca ao desenvolvimento seja do
que for, e ao estímulo dos dons criativos que todos temos: a descoberta
de novos produtos é outra marca da Herdade do Freixo do Meio. A criação
pode ser de raiz ou recuperada de antigos costumes, caso último do
aproveitamento da bolota para pão e biscoitos. Na inauguração da nova
loja - já existia no Mercado da Ribeira, tratou-se de uma ampliação com
mudança de lugar - houve piquenique, pois está agora reservado um espaço
com mesas para os clientes se sentarem, tomarem um batido verde,
petiscarem umas fatias de pão torrado passado por azeite com alho e
barrado com tomate, uma fatia de enxovalhado, uma bolacha de bolota.
Umas dezenas de clientes e amigos ali acharam agradável ponto de
encontro, com o bulício das barcos próximo e o apelo das ondas à partida
urgente para o novo paradigma.
Maria Estela Guedes . Casa dos Banhos . 27 de
setembro de 2013
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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