REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 41 | outubro-novembro | 2013

 
 

 

 

 

 

ANNE PORTER

Poemas traduzidos por Francisco Craveiro

 

Com pintura de Fairfield Porter

Anne Porter (USA 1911–2011) foi uma poeta muito tardia. O seu livro An altogether different language, publicado aos 83 anos, foi finalista para o National Book Award. O seu outro livro é Living things, Collected poems, 2006. Ann Porter foi casada com o pintor Fairfield Porter, autor dos retratos que aqui se incluem.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Na semana santa 

Enquanto estamos a dormir

A lua pascal brilha

No alto por cima das árvores

*

E alto por cima das árvores

Mesmo enquanto estamos a dormir

A Páscoa cresce

Na lua pascal

Como uma criança na sua mãe.

 

 

Uma criança da fome 

Hoje não comeste

Nem se calhar amanhã

Criança cujas costelas se desenham

Sob a tua pele escura

*

Sem disposição para sermos  feridos

Pela vista

De uma fome tão injusta

*

Ou enfrentar a irritação

Do Senhor que te criou

*

Desviamos os olhos

Afastamos as nossas faces.

   
 
   
 

Na infância 

A primeira vez

Que vi a estrela da manhã

era  pequena

dois anos ou três

*

A minha mãe chegou ao pé de mim

Tomou-me nos braços

E levou-me à janela

Olha, disse,

Lá está a estrela da manhã

*

Depressa deixei de chorar

Pois lá estava  ela sozinha

No céu do amanhecer

Brilhante e muito bela

Tão bela como a minha mãe.

 

Convidados 

“Todos nós vamos”

Não eles não vêm

Talvez eles venham

Talvez não venham.

*

Quatro deles vêm,

Isto é, se eles vierem!

Cinco virão Sexta-feira

Três partirão no Domingo

Dois regressam Terça-feira,

Isto é, se eles vierem.

*

Se eles viessem

Dois deles viriam

Mas eles não vêm…

*

Seis deles vêm!

 

 
 

O Bilhete 

Na mesa de cabeceira

Ao lada da minha cama

Conservo um pequeno

Bilhete azul

*

Encontrei-o um dia

Na minha agenda

Não sei como

Lá foi parar

*

Não sei

Para que serve

 

*

Num lado

Tem um número

98833

E

INDIANA TICKET COMPANY

*

No outro lado

A única coisa escrita

É CONSERVE ESTE BILHETE

*

Guardo-o cuidadosamente

Porque sou velha

O que quer dizer

Que em breve partirei

Para outro país

*

Onde se calhar

Um anjo enorme

E ofuscante

*

Me fará parar

Na fronteira

*

E pedirá

Para ver o meu bilhete.

 

Crepúsculo de Inverno 

Num  límpido anoitecer de inverno

A lua em quarto crescente

*

E o ninho redondo dos esquilos

No carvalho despido de folhas

*

São planetas iguais.

 

Domingo em tempo de Guerra

Em honra de Eugene Atget, fotógrafo de Paris

 

Do tempo de uma Guerra longínqua que apenas destruiu cidades distantes

Recordo uma volta de Domingo com o nosso filho mais novo.

O vomitado de Sábado à noite estava húmido à entrada das casas,

Ninguém  estava levantado, a Primeira Avenida vazia e cinzenta,

De modo  que virámos uma esquina para  olhar as três pontes longamente,

Grandes teias de tranquilidade sobre o Rio East.

*

A caminho de casa, passando pelas lojas encerradas

Vimos uma montra com lâmpadas sem brilho

Guitarras e rádios e peles poeirentas

E entre eles um um fato de baptismo penhorado

Branco como uma queda de água.

 
 
 
   
 
 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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