REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 32 | outubro | 2012

 
 

 

 

 

PAULO AZEVEDO CHAVES

A festa

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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Roberto foi o primeiro a chegar. Eu morava no primeiro andar, num pequeno apartamento no subúrbio, com uma escada tosca de acesso. “A festa ainda não começou?” – perguntou já adentrando na sala. “Que festa? Eu lá estou a fim de festa?”. Nesse momento escutei um ruído de motos e o vozerio de rapazes à minha porta. A campainha toca e um galeguinho parecendo marginal, com cinco ou seis motoqueiros atrás dele, indaga: “É aqui a festa do Paulo?” . E todos entraram fazendo uma tremenda algazarra. Eles trouxeram como colaboração uma pizza média de muzzarella e algumas latas de cerveja. Isso está me cheirando a curra e não a festa, pensei um pouco assustado. Ainda bem que Roberto,gordo e alto, estava ali para me defender.Mas o pior ainda estava por vir: um cadillac rabo de peixe cinzento buzinou lá fora e dele desceram duas velhotas com vestidos pretos e chapéus emplumados, pelerines de pele de raposa em torno dos pescoços cheios de sobras e dobras. Elas subiram a escada com alguma dificuldade, ajudadas pelo motorista fardado usando um quepe e de Roberto, que estendeu a mão para  amparar a mais velha. “Êtes -vous Paule?” “Oui, madame, enchanté” – respondo, embaraçado e submisso. Elas se sentam nas duas poltronas da sala e com olhar desaprovador olham em volta. “Poderia me servir um champanhe?” – pergunta a mais bem vestida (a outra devia ser sua dama de companhia). Pego um champanhe nacional, que estava no carrinho de bebidas ao lado, Roberto abre a garrafa e serve a bebida às damas em duas taças de cristal de bojo largo, herança da Casa Azul.

   Assistindo à cena com ar de galhofa, o galeguinho marginal pergunta: “Quem são essas múmias, sua avó e tia?”. Não lhe respondo e coloco um disco de vinil de Edith Piaf na vitrola.A velha se anima um pouco: “Você tem bom gosto, mon petit”. Mas os rapazes protestam irritados: “Não viemos para um enterro, mas para uma festa. Por sinal meu chapa, onde estão as garotas? Estamos a fim de boceta ou de cu de boiola”. E um deles põe pra fora a rola  grande e meio flácida. “Que horror!” - exclama a dama se abanando com seu leque de penas de avestruz. E acrescenta dirigindo-se para a porta de saída:  “Isso não é uma festa, é um bacanal!”. O jovem de pau de fora, a agarra com força e lhe diz raivoso: “Chupa logo, velhota, é isso que você quer, não é?” . Os colegas dele riem enquanto eu afasto o rapaz de pau de fora para um canto da sala e lhe digo para meter o seu cock já duro para dentro do jeans. “Tá bem, mas então é você que vai chupar, pois fiquei a fim de gozar”. Nervoso e excitado, nem lhe respondo. No meio de toda aquela bagunça, Edith continua a cantar com sua voz estridente Ne me quitte pas. Quando as velhas já estavam para sair, a campainha tocou de novo e um casal amigo da vizinhança chegou. “A festa  está bem animada” – diz o jovem  ao meu ouvido. Sua noiva, bastante assustada,  pede-lhe para ir embora. Com efeito, o clima estava pesado, mais para curra do que para uma festa trivial. Meu amigo  dá uma desculpa e se retira às pressas com sua garota.

  Um dos jovens então  me agarra por trás e sussurra no meu cangote :  ‘Quero comer este cuzinho ali no quarto”. Os companheiros dele riem e me perguntam se não tenho algo mais “quente”, como Elvis ou os Rolling Stones, para animar a festa. Eu tiro o disco de Piaf da vitrola e coloco o long-playing  dos Rolling Stones em seu lugar, enquanto as velhotas se retiram enfim, furibundas, de meu flat. A essa altura, Roberto, que não perde tempo em serviço, já estava bolinando o cacete de outro motoqueiro. Com a saída das damas, eu  também me agachei para chupar o pau do galeguinho, enquanto os companheiros voyeurs olhavam a cena , excitados e se masturbando. “Agora é minha vez, coroa” – diz um deles também botando a pica com gosto de graxa  para fora.

 Bem, para encurtar a história, a festa terminou como eu estava temendo. O pau quebrou no meu flat, os rapazes me prenderam no  quarto, junto com Roberto, e fugiram  levando nosso dinheiro e as poucas coisas de valor que encontraram por ali. Para deleite da vizinhança, que estava no sereno de minha festa suburbana, a  Polícia chegou com a estridência de costume e eu e Roberto fomos -- mais como acusados do que como vítimas -- prestar queixa na delegacia do bairro no velho camburão. “Bichas! Bichas!” -- gritavam em coro os vizinhos.

   E assim terminou minha noite de sábado,justamente a noite em que pretendia terminar a leitura de Édipo Rei  escutando a bela Sonata a Kreutzer ,de Beethoven. E em absoluto deleite pela leitura da tragédia e pelos acordes da música que deveria ter embalado aquela minha noite “tranquila” de sábado. Mas ao invés disso:  “Boiolas!” – gritavam os sádicos policiais na delegacia de Jardim São Paulo. E ali ficamos os dois, maltratados, sujos, ofendidos até alta madrugada, quando fomos liberados para voltar (a pé) para nossas respectivas casas. 

 

  PAULO AZEVEDO CHAVES (BRASIL)
Advogado, jornalista e poeta, assinou no Diário de Pernambuco, nos anos 70/80, a coluna cultural Poliedro, e de meados dos anos 80 até 1993, a coluna Artes e Artistas, especializada em artes plásticas. Livros publicados: Versos Escolhidos,Ed. Pirata,1982, traduções);Trinta Poemas e Dez Desenhos de Amor Viril (Pool Editorial Ltda,1984, traduções); Nu Cotidiano (Grupo X,1988, poesias); Os Ritos da  Perversão (Ed. Comunicarte, poesias, 1991); Nus (Ed. Comunicarte, 1991, poesias). Em 2003, participou de uma coletânea de artigos publicados na seção Opinião do Jornal do Commercio, com o título de Escritas Atemporais (Ed. Bagaço). Em 2011, lançou um livro de prosa, poesias e traduções de poemas com o título de Réquiem para Rodrigo N (Ed.do Autor). Poemas Homoeróticos Escolhidos (em parceria com Raimundo de Moraes) e Os Ritos da Perversão e Outros Poemas foram lançados, em 2012, em edição digital, no site ISSUU.Todos os livros de Paulo Azevedo Chaves tiveram seus projetos gráficos assinados pelo designer pernambucano Roberto Portella.
 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
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