REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 30 | agosto | 2012

 
 

 

 

 

 

LEONARDO BOFF

A razão contra a Razão:

eis  nossa crise

 

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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 Em momentos críticos da história, mais que os cientistas são os filósofos chamados a opinar. Numa famosa palestra na rádio bávara em maio de 1952 Martin Heidegger usou uma palavra escandalosa, mas que possui um sentido profundo:”a ciência não pensa; isso não é nenhum defeito mas uma vantagem”. A vantagem reside em apenas analisar  fatos, submetendo-os ao cálculo e tornando-os assim manipuláveis pela técnica. Escapa ao seu âmbito de interesse, a interrogação sobre o sentido dos fatos e do curso da história.

         Se isso podia ser dito nos anos 50 do século passado, não poderá mais ser repetido no tempo presente. Pois a ciência se desenvolveu numa direção que põe em cheque o sentido da razão e o destino de nossa civilização. Ou a ciência será feita com consciência eentão incorporará uma dimensão ética, ou ela nos poderá destruir a todos. É o que nos alertam grandes nomes do pensamento contemporâneo, não só da filosofia mas das ciências da Terra, da nova cosmologia e da biologia.

Permanece, no entanto, a indagação que é objeto da matutação filosófica: por que e como chegamos à atual situação?

Antes de mais nada, cabe identificar o equívoco que cometemos em nosso passado. Esse reside na ruptura ocorrida entre a  razão objetiva (ontológica) e a razão subjetiva. Quem o denunciou com grande acuidade  foram Martin Heidegger (“Que significa pensar”), Max Horkheimer (“Eclipse da razão” 1946) e Theodor Adorno em parceria com Max Horkheimer (“A dialética do iluminismo”,1947). Para os clássicos gregos, passando pelo medievais e culminando em Hegel, a razão objetiva constituía um princípio inerente à realidade;  mostrava o sentido latente das coisas e sua estrutura de inteligibilidade. A ênfase era dada mais aos fins que aos meios. Essa razãoobjetiva se refletia na razão subjetiva que ouvia atentamente as orientações da primeira. O ser humano, a sociedade e a história funcionam bem quando estasduas razões se articulavam e se harmonizavam.

A grande viragem ocorreu com a irrupção da razão moderna no século XVI. A partir de então é a razão subjetiva que predomina. É entendida como uma faculdade subjetiva da mente. Só um sujeitohumano é portador exclusivo de razão; a Terra e a natureza são coisas, não possuem razão e um propósito racional. Por isso podem ser manipulados à mercê dos propósitos humanos. O equilíbrio entre as duas razões se rompeu.

Como dizia Francis Bacon: “saber é poder”. A razão subjetiva começará a ser o grande instrumento da vontade de poder, deconquista, de expansão e de subjugação do mundo. Lentamente se instaurou o império da razão instrumental-analítica cuja função primordial é “compreender e modificar” a realidade (Koyré; Prigogine). E o fizemos nos últimos séculos com especial fúria. Não nos importavam as consequências sobre o equilíbrio a Terra e as devastações sistemáticas da natureza. Elas estão ai, exatamente, como campo de exercício para a nossa liberdade e  criatividade.

Eis que, de repente, a partir dos fins dos anos 60, nos demos conta de que este tipo de razão estava destruindo as bases que sustentam nossa vida e a natureza. As “externalidades” se tornaram tão graves que podem pôr em risco o futuro da espécie e de nossa civilização. Descobrimos que a Terra e natureza possuem a sua “razão intrínseca e a sua lógica”(Gaia). Negadas, podem nos destruir. Impõe-se um novo acordo entre as duas razões, um outro tipo de racionalidade que incorpore consciência, sensibilidade, cuidado e ética. Deve aprender a se auto-limitar para não ser  destrutiva.

         Temos que deixar para trás o pensamento único e ser multidimensionais. Bem nos recordava Fernando Pessoa (Álvaro Campos):”Sou um técnico mas tenho a técnica só dentro da técnica”. Fora dela, podemos e devemos ser muitas outras coisas até para nos salvar.

 

 

Jornal InComunidade (Porto)

 

 

 

 

Leonardo Boff foi professor de filosofia e ética na UERJ e é escritor.

 

 

© Maria Estela Guedes
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