REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 28 | junho | 2012

 
 

 

 

 

JOÃO SILVA DE SOUSA

Viseu na alta Idade Média
e na Dinastia da Borgonha (722-1383)

 

                                                                  

“O que o regresso à paz significava para os pobres cavaleiros:
o receio do desprezo a que, daí em diante, serão votados pelos
grandes, que não terão já necessidade deles; as exigências dos
usurários;o pesado cavalo da lavoura a substituir o cavalo trans
pirado das batalhas, as esporas de ferro em vez das de oiro – nu
ma palavra, uma crise económica e uma crise de prestígio”.
(Marc Bloch)

EDITOR | TRIPLOV

 
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Só os mortos viram findar a luta

 

     Foi a montanha que guardou os Cristãos e os escondeu dos infiéis.

         A queda e a ruína do “Estado” hispano-godo, a consequente tomada militar do território pelos Berberes e a islamização da maior parte das terras não sonegaram, por completo, nos Cristãos das Hispânias Citerior e Ulterior, o espírito de resistência aos Árabes. Esta pôde, enfim, exteriorizar-se em pequenos redutos de povoamento que, nos Montes Cantábricos e nas comarcas pirenaicas, se conservaram deveras independentes da auctoritas islâmica, porque se encontravam localizados em áreas onde o inimigo não conseguira estabelecer guarnições militares efectivas e permanentes.

          Em consequência deste facto, a revolta das gentes das Astúrias, chefiadas por um (talvez) não mais do que lendário Pelágio e a vitória obtida na batalha de Covadonga, em 722 (1), tornaram possível a edificação de um novo reduto cristão que, no reinado de Afonso I [739-757], deu começo à conquista do território ocupado pelo usurpador infiel e que, desde os primeiros momentos do governo de Afonso II [791-842], pretendeu tornar-se o seguidor do “Estado” hispano-godo, quando se restauraram o Reino de Oviedo e as velhas instituições da monarquia visigoda, à medida que o permitiam as circunstâncias (2).

          As comarcas pirenaicas – com cordilheiras, elevando picos acima dos 3 200 metros de altitude –, também estas (de Navarra, Sobrabe, Ribargoza e Pallars) não haviam conhecido a força militar dos Sarracenos, de um modo efectivo e, por finais do século VIII, de Pallars até Jaca, ficaram sob a influência de Carlos Magno [747 – r. 771? – 814] e do seu imperium, restando, então, organizadas em comitati ou condados do Reino dos Francos, incluídas numa região militar fronteiriça à Marca Hispânica (3).

          Posto isto, formaram-se, do Noroeste ao Nordeste da Hispânia, os “Estados” da “Reconquista”, os quais, desde o século VIII, foram estendendo os seus tentáculos pelas áreas ocupadas pelo território peninsular recentemente habitado e defendido pelos Berberes, formando-se cada um deles segundo uma estrutura política e constitucional própria que reflectia, porque nelas se apoiava, a tradição romano-goda.

          O 2.º concílio bracarense [572], confirmou as determinações dos domínios religioso, social e litúrgico da Igreja. Era o que, então, existia, no espaço que nos interessa, de momento, estudar, pelos inícios de Setecentos. A Gallaecia passava, deste modo, a dividir-se, no que respeita ao sector religioso, nos sínodos de Lugo e Braga, sendo este último formado pelas dioceses do território em que viria a localizar-se Portugal: Braga, Coimbra, Egitânia, a Magnetense (de Meinedo, paróquia do actual concelho de Lousada), Lamego e Viseu (4).

          Nos documentos publicados nos Diplomata et Chartae dos Portugaliae Monumenta Historica, damos conta de 43 fortalezas ou centros populacionais, com particular densidade na zona costeira a Norte do rio Douro. Entre eles, têm especial expressividade, como grandes territoria, o Portucalense, o Bracarense, o Colimbriense, o Lamecense e o Visiense, podendo ser tidos como diocesanos por terem por centro uma cidade episcopal.

          No que respeita a Viseu, englobam-se os actuais concelhos, no todo ou em parte, de Viseu, Tondela, Santa Comba Dão, Carregal do Sal, Nelas, Mangualde, Penalva do Castelo, Sátão e Aguiar da Beira (5).

          Deste modo, vemos surgir o Reino astur de Oviedo, cujos principais começaram a intitular-se Reis de Leão. Aquele viria, em 1037, a unir-se ao Reino de Castela (6).

          Em finais do século VIII ou inícios do seguinte, os Vascões da comarca de Pamplona encontravam-se já independentes do Islam e formaram um novo “Estado” hispano-cristão, o Reino de Pamplona, dando origem ao Reino de Navarra. Nos Condados da Marca da Hispânia, o de Barcelona, praticamente independente do Império Carolíngio, de finais do século IX em diante, tornou-se num “Estado” feudal que chegou a vincular a ele mesmo os demais comitati catalães, sob o imperium do Conde de Barcelona. Aragão, estritamente, vinculado, nas suas origens, a Navarra, foi constituído como Reino, em 1035. 

          Integrada na Galiza – outorgada por Afonso VI de Leão e Castela, pelos anos de 1090-1092, a D. Raimundo –, a terra portucalense encontrava-se, então, sob a autoridade deste, que detinha conjuntamente o governo de Portugal e Coimbra. Em 1095, D. Henrique da Borgonha assume o governo das terras a sul do rio Minho e, por esse ano ou no seguinte, em 1096, forma-se a Terra Portucalense que fica sob o seu munus directo, desmembrando-se da Terra da Galiza, sob a égide de D. Raimundo (7). Ficaram assim constituídas as primeiras peças do futuro quadrilátero português.

          Todas estas grandes mudanças que darão origem aos reinos de Castela e de Portugal assentavam no regime feudal, no princípio já vetusto e regradamente imposto pela lei não escrita e depois pela feita à mão, do ser-se “homem” de outro homem, a ideia mais rica de sentido, então, difundida. Procurava-se um protector e este tinha prazer em proteger. Procurava-se um defensor e este tinha prazer em defender.

          Viseu reconhecia-se na feudalidade. Não era diferente das cidades e vilas mais a Norte nem dos centros urbanos que na Gália carolíongia se abriam aos regimes da homenagem e da dependência. A defesa provinha da clientela doméstica e da dos feudos senhoriais, além das gentes dos concelhos e de outras localidades, recrutada para o combate e paga pela repartição da pilhagem. Era a contrapartida mais directa e aquela que mais fortemente aliciava os camponeses a fazerem uma nova divisão do trabalho na sua pequena célula de terra. Desta feita, ficavam as mulheres, os velhos e as crianças encarregados dos trabalhos triviais mas pesados que cabiam aos homens da comunidade. Estes partiam para guerra, como caçadores para a caça, recolhendo o que de melhor e em maior quantidade se lhes oferecesse roubar. A mulher aguardava de enxada na mão, no meio das futuras provisões da casa, que ele chegasse com material para aprovisionar e entesourar. O soberano, os princípios organizativos do Reino e o valor da terra permitiam-no.

 

2. Viseu nestes tempos conturbados
A vontade de vencer

 

                                                                 “A pequenos lugares ficaram grandes povos devedores, para sempre,
da História e  Cultura da sua Nação e do seu Estado”.
                                                        
(Anatole France)

   
 

          O início do governo de Afonso I [739-757], segundo a Crónica Albeldense, traduziu-se, tal como o fizemos ver acima, em contínuos fossados e presúrias, e na consequente e sucessiva composição de um novo cenário local: a terra fez-se erma até ao curso do Douro. O Chronicon Sebastiani acrescenta que o monarca, após matar todos os Árabes, levou consigo os Cristãos para as Astúrias. Tal fora o resultado de uma conjuntura favorável que permitiu ao rei realizar expedições na Gallaecia e no vale duriense, alcançando a Lusitânia, devastando cidades como a de Viseu [739-40], sede episcopal desde os remotos tempos suevos (8).

          A “Reconquista” atinge, primeiro, a Galiza e, a Sul, o leito do rio, culminando nas tomadas de Astorga e Leão. Esta passou a ser a cidade da Corte, a cabeça do novo Reino da monarquia asturiana. No segundo ano de reinado, aquando de uma entrada em Portugal, foram conquistadas as cidades de Braga, Porto, Chaves e Viseu. Tal explica a expulsão dos Sarracenos da Galiza, por não poderem resistir à ofensiva que lhes foi movida pelos nossos e ainda devido à fome dos anos 749-750 que se espalhou pela Hispânia sarracena (9).

          Deixada a região entregue ao governo de Fruela I [757-768], a zona ocupada pela futura Beira visiense ver-se-ia envolvida – como outras – na retumbante derrota de uma expedição muçulmana enviada por Abd al-Rhaman I e, por aí, reprimida mais uma revolta local pelo rei asturiano. Esta pôde querer significar que, na alargada área de Viseu, contando com as suas numerosas terras marginais, vivessem chefes gentios capazes de organizar a resistência contra a ocupação asturiana, no desempenho das suas obrigações militares e paramilitares. Daqui ao Norte, os reveses não pararam, pelo que foram manifestas as investidas militares de Lugo para o Sul, até Viseu, por parte dos reis Aurélio [768-774] e Silo [774-783], dando-nos conta que, até ao futuro Portugale, as chefias e as populações mais meridionais aceitavam, com dificuldade, a nova ordem política que se lhes impunha. E mais: se nos centros urbanos não seria muito difícil, já o mesmo não sucedia nos campos dos termos e do interior, onde a população se encontrava “colada” às suas tradições e ao modus-vivendi.

          Até inícios do século X, contamos com a presença dos condes soberanos portucalenses, em atitudes políticas de pacificação e de uma administração autónoma exemplar. Foram casos Vímara Peres que, em 868, ocupou Portucale; Odoário, irmão do rei Magno, que tomou Chaves, em 872; e Hermenegildo Guterres, em Coimbra, em 879.

          Foi – a evidência e os documentos o provam – durante o governo de Afonso III [866-910] que veio a notar-se um grande esforço para a libertação do Ocaso hispânico, o qual se traduziu na tomada de praças situadas entre os rios Minho e Mondego. E, em 868, o rei apoderou-se de Coimbra, ordenando o povoamento das cidades do Porto, Braga, Lamego e Viseu, nomeando, para cada uma deles, bispos ordenados pela Igreja (10). No que se refere a Viseu, passou cartas de aforamento, com rendas especificadas, como direituras que recaíam, per capita, na recolha de produtos, entre eles, sempre os cereais e o vinho, fabricado ano a ano e tirado à bica do lagar. O primeiro peixe que matassem era do rei, podendo-se construir viveiros no alfoz da cidade e das demais honras, coutos e alódios onde todos passavam, por direito, a usufruir das riquezas florestais gratuitas.

          Prosseguindo as correrias dos Cristãos em direcção ao Sul, com as cavalgadas e razias habituais, até Idanha e Mérida, estes apoderaram-se de outras para além da vertical Lamego/Viseu, um pouco mais meridional, não atingindo, no entanto, a linha do curso do Tejo (11).

          Após um reinado brilhante, Afonso III, o Magno foi forçado a abdicar e a subdividir o Reino – conforme a tradição Goda –, pelos filhos que assumiram o comando daquele, cada qual à sua vez: a Garcia I [911-914] coube Leão; a Ordonho II [914-923] a Galiza, e a Fruela II [923-925], as Astúrias.

          Contudo, para além destas diversificações regionais, estavam já em gestação duas importantes unidades que podemos tomar como verdadeiras marcas fronteiriças: Portugal e Castela. A primeira tinha como centro a cidade do Porto e era governada por uma dinastia condal cujo fundador fora o já referido Vímara Peres.

 

1.º Quadro Genealógico (a consultar em anexo)

 

         Coube a Ordonho II reiniciar inesperadas cavalgadas pelo território muçulmano, de onde trouxe prisioneiros à cidade de Viseu. O rei tinha aqui os seus Paços e, para os armazéns e eiras da cidade e seus termos, fez conduzir os despojos tomados pelos seus milites apeados e a cavalo. De Viseu partiu com a hoste em direcção a Évora que saqueou e, depois, dirigiu-se a Badajoz, obrigando os Marwânidas a pagar-lhe tributo.

          Em Viseu, voltava a estabelecer Corte o rei Ramiro II [931-951] – filho de Ordonho II (12) –, que recebeu, com o governo de Portugal, os territórios ao Sul do rio Douro de que era capital a dita cidade, o qual gozou de grande autonomia relativamente a seu irmão Afonso IV, o Monge [925-931], mantendo na sua dependência os condes parentes: Mumadona Dias e seu marido, Hermenegildo Gonçalves (13), de origem galega. Afonso IV renunciou à terra da Galiza que lhe coubera em herança (14), o que levou Damião Peres a defender que, nos princípios do século X, a cidade de Viseu fora a capital do reino da Galiza (15).

          Este facto apresenta-se como base comprovativa da nascente tendência para conferir autonomia política a todo a espaço territorial compreendido ente a Galiza e o rio Vouga, e ainda a um forte impulso da terra portucalense para se estender para o centro da Península, aproximando a linha do Douro à do Mondego (16).

          Começavam, assim, a esboçar-se os limites do nosso futuro Condado.

          Permaneceu Viseu como centro da corte ramiriana, mesmo quando Ramiro II assumiu o domínio de todo o Reino de Leão, logo que seu irmão decidiu entrar num convento. E a famílias nobres visienses e titulares de honras por perto se deve a organização de uma hoste empenhada em auxiliar o rei a conservar o Norte na sua posse. O avanço até à linha do Tejo, só foi conseguido, de facto, um pouco mais tarde.

          Voltámos a ouvir falar de Viseu, desta feita como local da morte do rei de Leão Sancho I, o Gordo [956-958 / 961-966], pensa-se que mandado envenenar pelo conde soberano D. Gonçalo Mendes, filho de D. Mumadona Dias, embora haja quem atribua o passamento do monarca a Gonçalo Moniz, descendente do presor de Coimbra (17). Deixou órfão Ramiro III [966-984], cuja vida vai coincidir com a ascensão de Almansor, marcando, assim, um retumbante retrocesso cristão e a fuga do rei de Viseu para a Galiza.

          Já sem a sua habitual importância, em 987, as hostes muçulmanas apoderavam-se de Coimbra e, dez anos depois, foi, então, a vez de Viseu, donde partira uma expedição contra Santiago que a cercou por terra e por mar, com a cumplicidade dos nobres galaico-portugueses. No ano 1000, foi a vez dos castelos de Aguiar e de Montemor-o-Velho. Nos inícios do século XI, a fronteira cristã recuava, de novo, à linha do rio Douro.

          Com efeito, no último decénio do século X, assistira-se já a uma terrível vaga do chefe mouro que mandou prender e mesmo matar os Cristãos que viviam na área terminal situada entre os rios Mondego e Douro. Prosseguiu na conquista até Viseu e na chacina de quantos se lhe opunham, chegando a Compostela, e cometendo – até lá e aqui mesmo – as maiores atrocidades e ainda contra o território que vai de Portucale à foz do Ave (18).

          Afonso V, o Nobre [999-1028], neto de Ramiro III, numa segunda fase do seu governo, consegue ir recuperando o que se havia perdido. Almansor morrera, seu filho não teve a mesma destreza na arte da guerra, que lhe permitisse, pelo menos, manter as conquistas do pai e a linha de recuo dos Cristãos. O monarca de Leão restaura a cidade que recebe os seus foros em 1017-1020. O rei veio a morrer, quando, em 1028, cercava Viseu, sucedendo-lhe seu filho Bermudo III [1028-1037], sob a tutela e curatela de Urraca de Navarra. Viseu era, então, subjugada e administrada pelos Mouros, nos seus limites a Norte, os quais sabiam que se perdessem essa corrente de cidades e vilas outrora mouras e depois cristãs seria o recomeço de uma “Reconquista” paulatina em direcção ao Sul e difícil de suster.

          Os Moçárabes visienses eram poderosos e facilmente aliar-se-iam aos “soldados” cristãos, dados os pesados encargos que tinham de solver aos Muçulmanos, não em percentagens dos frutos das terras mas – muito pior –, em quantidades certas, produzisse o solo ou não, o necessário sequer para pagar. As fomes, desde os primeiros tempos do domínio de Almansor, haviam-se instalado nas “Beiras” e daqui para a região Norte, no Entre Douro-e-Minho.

            Em 1037, Fernando foi alçado rei. Era filho de Sancho III de Navarra e Castela, e assim sucedeu à morte de Bermudo III.

          Como veio a processar-se esta situação nova? Sancho III Ximemez, o Grande [991 - 1035], foi Rei de Navarra, rei de Castela (como Sancho I) e ainda Conde de Aragão. Sancho foi filho do rei Garcia III de Pamplona e de D. Ximena Fernández e sucedeu a seu pai como primeiro rei de Navarra e conde de Aragão em 1004. Em 1010, casou com D. Mayor de Castela que, em 1029, veio a herdar o condado do seu irmão, Garcia II Sanches. A partir desta data, Sancho III torna-se rei de quase toda a Península Ibérica, intitulando-se, Rex totius Hispaniae. Dividiu as suas possessões pelos filhos, cabendo a Fernando, como soberano, Castela [1035-1065] e Leão [1037-1065].

          Fernando I, o Magno, foi o iniciador da dinastia de Navarra e, em termos de “Reconquista”, o monarca surgiu numa conjuntura muito favorável. No Sul e noutras partes da Península, o extenso domínio muçulmano subdividiu-se em reinos vários (Taïfas), dando-se a queda do Califado de Córdova, com a expulsão do último dos seus representantes, Hîsam III, em 1031. Rivalizando uns com os outros, os ditos principados chegam ao ponto de solicitar ajuda ao Imperador de Leão e Castela, ficando por isso, alguns deles, tributários a este, com o pagamento das chamadas párias que se alargaram a muitos pontos da Hispânia, permitindo a drenagem de moeda das cidades islâmicas para as cristãs (19).

          Em 1057, Fernando Magno – filho de Sancho III de Navarra, Sancho I de Castela (20) – inicia a conquista dos castelos da Beira: Seia, Gouveia, Travanca, Penela, S. Martinho de Mouros, Tarouca, Lamego e Viseu, esta, tomada pela força, com a ajuda de Rui Dias de Bívar, o famoso Cid, el Campeador, passando pelas armas a guarnição e cativando muitos Sarracenos. A campanha logo prosseguiu com a tomada das outras já referidas. Coimbra caiu, definitivamente, na posse cristã em 1064, e a fronteira Sul do Reino passou do Douro para o Mondego. Algumas das sés das cidades reconquistadas ficariam, por muito tempo, na dependência dos bispos de outras cidades, como sucedeu com Viseu e Lamego, em relação a Coimbra (21).

          A fronteira do lado português circundava, então, como já se disse, a zona de Lamego e Viseu, tendo os castelos de Seia e Gouveia ficado neutralizados pela actuação do rei Magno em 1057.

          Dividido o Império em reinos, coube a Afonso VI, avô de D. Afonso Henriques e filho do anterior monarca, o governo de toda a Hispânia cristã, após lutar contra os seus dois irmãos, tomando títulos, como se apelidava a ele mesmo, de Imperator super omnes Hispania nationes constitutus ou, entre outros, Rei e magnífico triunfador do império leonês [1073-1109].

          Casado com Constança da Borgonha [1046-1093], esta sua segunda mulher, foi rainha de Leão e Castela. Era filha do duque Roberto I da Borgonha e de Hélie de Sémur, e tia dos duques Hugo I e Eudes I e de Henrique da Borgonha, conde da Flandres, trazendo com o seu séquito, uma “casa” cheia de homens com novas ideias e mercenários que muito ajudariam o Imperador nas guerras contra a moirama e na constituição e fixação do reino de Leão. Afonso foi rei de Leão, de 1065 a 1109; de Castela, de 1072 a 1109; da Galiza, de 1073 a 1109 e de Toledo, de 1085 a 1109, ano em que veio a falecer, tendo-lhe sucedido sua filha legítima Urraca e a este Afonso Raimundes, com o nome de Afonso VII, o Imperador.

 

(2.º Quadro Genealógico: a consultar em anexo)

  3. O Bispado de Viseu:
A árvore do Sândalo
 

              "O cristianismo preenchia o mundo, do seu início ao seu final destino.
Havia também de preencher a vida de cada homem, de presidir ao seu nascimento,
ao  seu crescimento e à sua morte…
       Instruir não se julgava dever da Coroa nem de ninguém.
Abre-se apenas a excepção religiosa. E essa, quantas vezes,
foi a determinante de um mínimo de indivíduos
alcançarem um mínimo de educação”.

(A. H. de Oliveira Marques)

   
 

          Segundo a divisão dos bispados feita no concílio de Lugo, em 569, a diocese de Viseu compreendia o território de Braga usque Sortam et de Bonella usque Ventosam, pertencendo-lhe as igrejas de Veseo, Rodomiro, Submontio, Subverbeno, Cassonia, Ovellona, Toleta et Caliabrica, quae apud gothos sedes fuit. Não é possível hoje identificar a maior parte destes topónimos, mas sabemos que a diocese se estendia até ao rio Águeda, próximo de Ciudad Rodrigo.

          Com a conquista dos territórios suevos e o terminus da presença visigoda, em 711, até ao século X, esteve a diocese visiense transitoriamente em poder dos reis cristãos, afastados que se achavam da linha do Mondego os usurpadores muçulmanos, e restauraram-se ou fundaram-se, então, numerosas igrejas e mosteiros, sobretudo no Vale de Besteiros (Tondela, Viseu).

          Com a reconquista definitiva de Viseu e Lamego, em 1057, ambas ficaram sem catedral, consequência da guerra. Foi, porventura, por este facto que o Papa Pascoal II confiou aquela ao bispo de Coimbra, D. Maurício, em 1102. As duas sés – Viseu e Lamego – foram confiadas a priores, porventura o mais célebre terá sido D. Teotónio (1110), sendo um outro D. Odório, ao qual o povo visiense, em fins de 1119, ou princípios de 1120, elegeram bispo. Foi curta a duração do cargo, pois Coimbra revoltou-se de imediato e, só em 1144, D. Afonso Henriques lhe daria bispo próprio: o mesmo D. Odório (22).

          Regressando D. Teotónio da Terra Santa onde fora em peregrinação, D. Teresa quis fazê-lo bispo de Viseu, prior de Santa Cruz de Coimbra (por bula do Papa Pascoal II), o qual ainda é hoje padroeiro da cidade e da diocese visiense, a cuja Sé D. Henrique doaria, em 1109, o Mosteiro de Lorvão (23). Entretanto, permaneceria D. Odório, mas como Prior, por intercessão do bispo de Coimbra, que não desistiu da jurisdição sobre a cidade.

          Após a conferência de Zamora que tomou lugar a 5 de Outubro de 1143, D. Afonso Henriques, reconhecido como rei de Portugal no plano interno, restituiu à Igreja visiense a dignidade episcopal, nomeado que veio a ser o mesmo D. Odório [1148-1166] que fora prior, como temos vindo a referir e que se julga ter falecido em 1166. Assim, a D. Afonso ficou a dever-se a restauração da diocese visiense, ao designar o seu bispo, de imediato sagrado por D. João Peculiar, arcebispo de Braga, eleito em 1139.

          Até ao reinado de D. Fernando I, último rei da dinastia da Borgonha, não parece ter havido semelhantes momentos de vacatura, sendo, em 1385, bispo da diocese de Viseu Pedro Lourenço – de quem se desconhece o ano do início das suas funções –, ao qual sucedeu, entre este ano e 1391, D. João Pires.

          Além de Braga – e mais porque esta começou a ficar um tanto afastada do teatro das operações militares –, outras sés herdaram dela o interesse e também grande parte dos feudos. Tal sucedeu com Coimbra e Lisboa, ambas constituídas na segunda metade do século XII. As restantes seis catedrais, entre elas Viseu, eram visivelmente mais pequenas. Mas se o Porto, Lamego e Guarda se fizeram ainda inteiramente em românico, Viseu acrescentou à sua estrutura uma abóbada do gótico final, exibindo um caso singular de compromisso entre os dois estilos, como sucedeu, mais significativamente, porém, com Évora, por exemplo.

          Em torno das cidades fortificadas, como à volta de alguns mosteiros mais bem defendidos, foram-se juntando pequenas colónias de mercadores. Lamego e Viseu são dois óptimos exemplos, aos quais poderíamos juntar, na área, a Sé de S. Pedro de Tarouca, na cidade (então vila) com o mesmo nome.

          Viseu rápido se torna num centro de activo comércio, com circuitos para o Tejo, o Atlântico, Badajoz e outros pontos fronteiriços, por onde andavam os mercadores, embora com muito pouco para oferecer em troca, mas carregados de peças de pano, perfumes e objectos de adorno e de uso doméstico que traziam de fora. Foi, desta feita, que, vagarosamente, esta actividade se desenvolveu. Assim foi em Viseu, como no Porto, Guimarães, Gaia, Braga, Coimbra, Chaves, Lamego e Tarouca.

          A par de Coimbra, Braga e Lisboa (e, porventura, entre outras cidades do Reino), Viseu, com as suas variadas casas religiosas, quer na cidade (a catedral) quer em espaços excêntricos, naturais, campestres e silenciosos (os institutos monacais), ficou a dever à sua Diocese o estabelecimento de escolas do saber, desde o século XII. Serviam, essencialmente, para o ensino dos clérigos, mas interessavam, igualmente, no plano geral da instrução pública, a muitas crianças e jovens, protegidos pelos religiosos ou destinados pelos pais à vida clerical, que nelas entravam para saírem de lá como padres cultos, a saber ler e escrever português e latim e traduzir do latim e do árabe.

          Todavia, ninguém falava latim no Portugal dos séculos XII a XV, a não ser com embaixadores estrangeiros. Logo, havia a necessidade de vocabulários das duas línguas, a portuguesa e a latina. E disto percebiam os padres. E, assim, ensinavam aos futuros padres. A escola visiense de conversação e línguas e dos copistas foi uma das mais conhecidas, a par de Alcobaça e Tarouca – uma das que deram mais frutos, por quantos daqui saíram para a Corte em embaixadas e delegações no Estrangeiro. Martinho Soares (ou Mendes) fora um visiense protonotário do Santo Padre, durante a parte final do governo de D. Afonso III [1210- r. 1248-1279] e os inícios do longo reinado de D. Dinis [1261- r. 1279-1325].  

          Seguiam os clérigos empenhados naquelas profissões as recomendações dos Concílios de Latrão, de 1179 e 1215. Os mestres ensinariam o clero da respectiva igreja e, sem custos para estes, os escolares pobres. Encontravam-se, nestes casos, o mosteiro cisterciense de Santa Maria da Salzeda (ou de Salzedas, masculino), o cisterciense de Santa Maria de Maceira-Dão (masculino), o cisterciense de S. João Baptista de Tarouca (masculino), o cisterciense de São Cristóvão de Lafões (masculino), o beneditino de Santa Eufémia de Ferreira de Aves (de início feminino e depois masculino) (24) e a Sé Catedral de Viseu.

          A protecção da Coroa manifestou-se, sempre e fortemente, em relação a Viseu, cuja Sé recebeu, livres e isentas de direitos, as propriedades existentes no termo da cidade, tal como o couto do lugar de São Pedro de Mouraz, no concelho de Tondela. E ainda os direitos e outros bens régios existentes em Travanca, e o couto da vila de Canas de Senhorim (25). No que se refere a Lamego, sabe-se que o “povoador” Sancho I outorgou carta de couto ao respectivo bispado, de uma parte da cidade e dos seus arredores (26).

  4.  Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques
Portugal, o seu maior legado
 

Viseu, com efeito, está de todo inocente  numa  reclamação histórica
deste género, porque sou o primeiro e, por isso,  ainda o único  que lhe propõe este facto, razão para seu orgulho: 
pátria do Fundador da Nacionalidade, como o é  do rei D. Duarte”.

(A. de Almeida Fernandes, 1993)

   
 

          Morto Afonso VI, de Leão de Castela, em 1109, nasce, no mesmo ano, pouco depois, seu neto, D. Afonso Henriques, encontrando-se sua mãe em Viseu, pelo que não compareceu nos últimos momentos de vida do pai, em Toledo, não participou na doação à Sé de Coimbra do Mosteiro de Lorvão, nem à outorga da carta de foral a Azurara (Mangualde). Afonso nascia, muito provavelmente, pelo dia 6 de Agosto.

          D. Teresa estava, nessa altura, em Viseu, “como se pode verificar pelos documentos autênticos por ela outorgados” (27). A Viseu vem o arcebispo de Toledo, D. Bernardo, a fim de confirmar nesta cidade a referida carta de doação e aproveitar a ocasião para baptizar o herdeiro dos condes de Portugal, segundo neto de Afonso VI. Esta última questão é colocada como uma interrogação (28), dado que, ao certo, não se sabe se Afonso foi também baptizado no referido centro urbano. Tenhamos em conta, contudo, que, a seguir ao nascimento, o baptismo fazia-se, de ordinário, nos oito dias seguintes.

          Viseu fora ainda local de refúgio de D. Teresa e de Fernão Peres de Trava ao assédio militar que – hipoteticamente e mal provado –, Afonso VII fizera a Guimarães, em 1127, e que a hoste de D. Afonso Henriques defendera.

          No entanto, temos de considerar a sua notável acção, no que respeita, sobretudo, ao povoamento e à defesa do Condado. Conhecem-se cartas de foral outorgadas aos concelhos e homens-bons de Ferreira de Aves (Sátão) e de Viseu, em Maio de 1123, confirmada para esta última por D. Afonso Henriques, em 1138 e por D. Sancho I, em 1187 (29), conjuntamente com as primeiras a Avô, Bragança e Folgosinho; a coutar a vila de Ponte de Lima e beneficiando os seus povoadores; à povoação de Assilhó, onde estabeleceu a albergaria de Mesão Frio; de doação do burgo do Porto em favor do bispo D. Hugo e sucessores. Foram ainda muitos, entre igrejas e mosteiros, os que receberam cartas da infanta para estimular o povoamento de lugares e casais vizinhos, tal o caso da abadia de Pendorada, em Marco de Canaveses, de S. Pedro de Cete, de Ázere, de Vimieiro e Braga, entre outros (30).

          O documento expedido a Viseu, em Maio de 1123, dirigiu-se aos cives milites, traduzindo motivos ocorridos das perturbações na área sensível do território que era, naturalmente, a parte meridional. Além dos cavaleiros vilãos, habitavam o concelho os jugadeiros que estavam obrigados ao pagamento da jugada “nova”, que, como explica António Matos Reis, “deverá corresponder a uma diferente estrutura [do tradicional] tributo, não segundo o velho critério da jugada, entendido à letra, mas segundo a nova fórmula da ratio ou percentagem da colheita. Os mercadores, tal como sucedia nos burgos nortenhos, pagavam um censo fixo anual” (31).

          No que respeita a sua organização interna, a expressa na carta de foral nada tem a ver com a que detectamos nos documentos dos finais do Idade Média. São, naqueles primeiros tempos, tão-só referências ao juiz, mordomo e saião, ainda patente no texto confirmado em 1187, por D. Sancho I. Aqui indica-se como condição o serviço gratuito que lhes cabe de ordinário, desta feita, a título gratuito. É omisso quanto a normas de justiça, ao estabelecimento e escalonamento das coimas e suas tipologias e correspondências. No que se refere aos elementos do agregado social, o diploma de 1187 faz referência aos padeiros, aos sapateiros aos mercadores…, “sendo de supor a sua existência num aglomerado urbano que atingisse uma determinada envergadura” (32).

          A “rainha” assinava documentos oficiais juntamente com o novo marido. Tomemos em consideração, por exemplo, a inquirição que mandou fazer, em 1127, a Viseu, às terras de jugada, adquiridas por cavaleiros vilãos, e que tentavam escapar à tributação régia. Confrontamo-nos, no episódio vertente, com 25 cavaleiros e duas mulheres identificados que possuíam um total de 100 casais de jugada e uma vinha. O maior donatário entre todos era Bermudo Guterres, que juntava aos seus 20 casais, mais sete de préstamo e Gonçalo Pais que aos seus 11 casais e meio somava 18 de préstamo, além de outros bens não menos importantes que faziam deles grandes possidentes na área visiense (33).   

          No vasto almoxarifado visiense, passaram-se e confirmaram-se forais a Banho (S. Pedro do Sul), por D. Afonso Henriques, em 1152; por D. Afonso II a Marmelar (1219), Valdigem (1220), Penedono e Penela [S. João da Pesqueira], a Banho [S. Pedro do Sul] (1217), Souto [S. João da Pesqueira] e Sátão (1218), S. João da Pesqueira, propriamente dita (1219) e, por fim, a Sernancelhe, em 1220, a Viseu em 1217 (34) e a Fermedo, a Norte de Viseu, em 1308. Com a instituição ou o reconhecimento formal e estatutário dos novos concelhos, dava-se, nestes tempos de guerra, necessariamente uma maior importância à cavalaria vilã. Cada um dos seus membros teria de ter 500 reais brancos de rendimento ou para cima desta importância, tendo os peões não mais de 300. O emir Usama, classificava os primeiros, afirmando que toda a preeminência lhes pertencia. Eles eram, na verdade, os únicos homens que contavam. A eles cabia dar conselhos e fazer justiça (35). Só em parte teria razão. De facto estas eram funções exclusivas da cavalaria vilã, organizando o seu conselho, no concelho, e competindo-lhes a feitura das posturas e a apreciação dos delitos em julgado. Na guerra, contudo, não era assim. O cavaleiro apeava-se e com os pés terra lutava corpo a corpo, para maior facilidade e a fim de se misturar com estes, pois ele era alvo preferente a abater.      

          A 24 de Junho de 1128, travava-se a batalha de São Mamede, depois da qual era deposta do governo da terra portucalense D. Teresa, se afastava o Trava dos negócios do Condado e se afirmava Afonso Henriques como sucessor de seus pais no governo do mesmo. Os cavaleiros fiéis à causa de D. Teresa dirigiram-se a Guimarães, vindos, sem dúvida, das regiões de Coimbra e Viseu, a fim de intervirem naquele episódio carregado de significado (36). De Viseu, – cidade sede episcopal que se distingue, então, do limite sul do novo “reino” –, D. Afonso Henriques, doara terras como forma de recompensa aos seus fiéis servidores, após este episódio que o colocara in solidum na administração do Condado. De Viseu, Sátão, Sernancelhe, Ferreira de Aves e Aguiar da Beira (37); ainda Tarouca, Lamego e Britiande. Esta última vila constituíra a notável honra de seu aio, D. Egas Moniz e de sua segunda mulher, D. Teresa Afonso. Todas as referidas viram o seu povo tomar o partido do jovem Infante.

          Juntamente com as prestigiadas funções de mordomo-mor do Príncipe (seu majordomus curiae) – primeiro funcionário da administração civil e da Casa Real –, ficou como governador das terras de Viseu, de Oliveira do Hospital e de Lafões Fernão Peres Cativo, um parente, galego, também, muito próximo de Fernão Peres de Trava, mas que pouco ou mesmo nada teria a ver com o triste episódio referido.

          Na sua continuada luta contra a Moirama e prestando atenção aos movimentos das tropas do rei de Leão e Castela, seu primo, o Infante prossegue a sua política económica, como organizador do território. Com as doações que outorgava à nobreza, às Ordens religiosas e militares e ao clero em geral, D. Afonso tinha em conta a obrigatoriedade por parte dos seus titulares, além de outros serviços, de defenderem as suas terras e, inclusive, as linhas de fronteira, auxiliados pelos que governavam por perto. Restaurou as dioceses de Viseu e Lamego, e designou os respectivos bispos; outorgou cartas de foral e estendeu as fronteiras do território para Sul da linha do Tejo, após as conquistas de Santarém, Sintra e Lisboa e após ter passado carta de fidelidade, amizade e segurança aos Mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer, estabelecendo regalias e obrigações mútuas (1170).

          A carta régia Claues regni coelorum de 13 de Dezembro de 1143 coloca Portugal sob a protecção de S. Pedro e da Santa Sé, o que se enquadrava facilmente no espírito da época: era a subordinação do poder político à autoridade pontifícia. Daqui advinham para D. Afonso Henriques enormes vantagens: além da mediação de Roma, em caso de ruptura das cláusulas saídas da Conferência de Zamora (5 de Outubro de 1143), permitia-lhe solicitar a criação de bispados sem a interferência do Imperador, o que veio a acontecer em 1146, com a nomeação de novos prelados para as sés de Lamego e Viseu. Ainda a legítima continuação da luta contra o infiel, partindo as suas hostes, precisamente de Viseu, onde se reuniam os homens que vinham de todo o lado, para tomar a linha do Tejo e desta partir em direcção ao Algarve. Recorde-se que, entre outros, os bispos de Lamego e Viseu vinham na esquadra que aportava à enseada do Tejo, para a conquista de Lisboa: respectivamente, D. Mendo e D. Odório.

          No testamento de D. Afonso Henriques é possível descortinar-se, com alguma facilidade, como o rei acompanhou os trabalhos da fundação da catedral de Viseu, legando para a “obra” 500 maravedis, como o fez também para a Sé de Lamego, além de outras. Em 1210, D. Sancho I deixa, post obitum, 1000 libras para ambas as catedrais. O facto de D. Afonso II nada referir faz pressupor que, em 1220, as catedrais já estivessem concluídas.

          Quanto à arquitectura conventual, entre outros exemplares beirões e dos demais almoxarifados nortenhos, é evidente a imposição da arte cisterciense que tanto tem a ver com a de Cluny, importando-se monges e artistas da Borgonha, para S. João de Tarouca (1144), São Cristóvão de Lafões (1161-1169), Santa Maria da Salzeda (1198), Santa Maria de Maceira (1188) e São Pedro das Águias, a Norte de Tarouca, cuja construção foi iniciada em 1117.

  5. Viseu: de Afonso II a D. Fernando I (1210-1383)
Entende-se, quando se olha para trás.
 

“Estava absolutamente convencido que um tipo geral
baseado em transformações passa por todos os seres orgânicos,
o que pode, facilmente, ser observado em todas as suas partes
constitutivas nalguns estados intermédios”.
(Goethe)

   
 

          Viseu retoma o seu protagonismo na História de Portugal, imediatamente a seguir ao reinado de D. Sancho I. Este novo monarca não detinha os dons militares do pai, mas encontrara o Reino assente, principamente, na zona ao Norte do rio Tejo, em condições propícias para nele realizar uma notável obra de fomento. A grande e importante “Senhora das Beiras” prosseguia com a sua autoridade na horizontal Sul – a par de Coimbra e Braga a Norte –, e servia de ponto de organização e de partida dos exércitos sob o comando do alferes-mor, do signifer, na intrusão nas terras inimigas e cristãs vizinhas.

          Temos, neste ponto, de considerar a magnífica situação estratégica da cidade tão perto que se achava dos rios Douro e Tejo, dando-lhes as cidades e vilas, nas fozes, a possibilidade de escoar homens e bens.

          As madeiras das densas florestas entre Vila Real e Viseu, passando por Tarouca, Lamego, Bigorne e Cartro Daire, satisfaziam as necessidades mais elementares. Os madeireiros da Casa Real e dos titulares das honras e dos coutos haviam descoberto o tipo de tábua que se ajustava às bordas das embarcações, com alguma maleabilidade que curvavam da popa ao fim das partes laterais. Eram o pinho, o pinho (reiga), o carvalho e castanho, a oliveira, o teixo e o cedro. A diferenciação das madeiras não era muito conhecida e tentava-se o fabrico e a vária outra utilização das mesmas, todas em sentido idêntico. Só a pouco e pouco começou a ser tipificada, e, no reinado de D. Fernando, com o Acto de Navegação, se tem conhecimento do uso da diferenciação de acordo com a sua aplicação específica. Além disso, ficaram conhecidas ervas medicinais que o Mosteiro do Tojal (Viseu) recomendava para o tratamento de certas doenças, em determinados meses do ano, no sentido da profilaxia das mesmas.

          Lamego, nos capítulos especiais das Cortes de Lisboa de 1353, queixa-se do pesado encargo da aposentadoria e da consequente exploração das matas de modo desordenado, o que empobrecia as populações locais, além de as privar de colher nelas aquilo de que precisassem (38). Desta situação queixava-se, de amiúde, o concelho e homens-bons que faziam ouvir a voz do seu Povo. Domingos Martins, tabelião de Lisboa, escreve as queixas dos vizinhos dos concelhos limítrofes, por “mando e autoridade” de D. Miguel Vivas, eleito de Viseu e chanceler-mor do rei (39). A confirmação de numerosos privilégios que haviam sido concedidos em governos anteriores, devia-se ao facto de a cidade Viseu, em Trezentos (e já antes como vimos) ter sido palco da edificação de novos Paços régios, pertença dos reis de Portugal, onde veio a nascer D. Duarte e onde o seu 1.º Duque, D. Henrique, residiu por largo tempo como veremos no próximo capítulo.

          Numa monarquia especificamente agro-marítima, Viseu contribuiu sobremaneira para a cimentar, dadas as produções que, em cada uma das duas principais épocas do ano, se colhiam: azeitonas para o azeite, a iluminação e a fixação de aromas; cereais de todo o género, extraindo-se cerca de 12% de trigo em relação aos demais cereais (centeio, cevada e aveia, no Inverno; painço, milho alvo, no Verão) – a quarta parte de dois moinhos é legada, em Setembro de 1110, por Sandomiro e sua mulher, Boa, à Igreja de Santa Maria de Viseu, que ambos possuíam nas margens do rio Paiva (40) –, o vinho e as uvas que nem necessitavam de aguardar o período de relego, sobretudo no século XV, mas já antes, quando o rei de Portugal, o foi, sucessivamente, outorgando a diferentes entidades, acabando por ficar na posse do concelho; a pastorícia que passou a ter regras muito precisas, porque a Beira e, especialmente, a área territorial onde Viseu estava implantada, apresentava-se com vastas áreas planas e muito verde de Verão e de Inverno, afastada que se encontrava da Estrela, do Caramulo e de outras. Propícia à criação de lanígeros, a tecelagem, associada à exploração de linho no triângulo Viseu, Tarouca e Gouveia, abria mercados novos e obrigava à especialização da indústria por excelência. A par, a floresta e o matagal davam o mel e a cera, as cores, as colas, cardos, colmo, madeiras, abundante e variada caça e frutos secos de vária ordem, os quais não necessitavam sequer de cuidados mínimos. Estas actividades e respectivas produções achavam-se entregues, já em 1258 – assim o atestam as Inquirições – a herdadores que posicionamos, essencialmente, na categoria de proprietários livres e não nobres, acima de tudo proprietários alodiais. Num passo das fontes citadas, lê-se: “quod omnes illi qui morantur in Viseo et in suo termino, qui morantur in suis propriis hereditatibus et non sunt sanjoaneyros, et sunt herdadores, scilicet, que non possint jectare eos de Sancto Johanne ad Sanctum Johannem annuatim, debent ire ad hostem et anuduvam Regis. Et solebant ire in hoc servicium Regis”. (41)

          Traçam-se as vias de comunicação que os itinerários régios já estudados dão conta, tornando cada vez mais fácil o contacto com outras regiões, feiras e estalagens, com os albergueiros altamente privilegiados, para não exagerarem nos preços das dormidas, e poderem diminuir-se, assim, os abusos e esbulhos que as aposentadorias senhoriais, os jantares do rei e as visitações do bispo causavam, de amiúde. De início, em Viseu, só os vizinhos do Alcácer se achavam isentos da obrigatoriedade de dar pousada e de contribuírem para as fintas e talhas concelhias, o que, na verdade, não demorou muito a alargar-se pela demais área. Privilegiada foi também a albergaria que se fundou, em Viseu, e que veio dar o nome – a um Figueiredo –, Diogo Soares de Albergaria, o que basta para poder verificar-se o peso da instituição, durante a vida e ainda depois deste oficial régio, senhor da beetria de Óvoa que vem a legar à irmã, D. Mécia de Góis, não só a estalagem mas também a beetria. E como esta, haveria outras por perto, multiplicando-se aquelas pelas estradas do Reino, nos séculos XIII a XV.

          Remonta ao século XIV a primeira fonte que certifica a existência de caminhos e nos dá conhecimento da distância entre as várias terras da longa planície alentejana e das Beiras. Tal é o caso de Évora a Nisa, 18 léguas; daqui a Castelo Branco, 8 léguas; e desta última à Covilhã e Viseu, no total de 21 léguas, sendo de 9 no primeiro troço (42). Acrescenta Veríssimo Serrão: 

                 “ Uma carta de D. Fernando, de 25 de Julho de 1377,

                    indica já a rede de caminhos que ligavam a cidade de

                    Coimbra ao Porto, Viseu, Leiria, Santarém e Figueiró

                    dos Vinhos. Para o século XV, os elementos são mais

                    precisos:  entre Lamego e Trancoso, por Sernancelhe;

                    entre Trancoso e a Guarda, pela Ribeira de Távora; e,

                    na  zona do Alentejo,  desde Beja  a vários pontos  do

                    Algarve” (43).

 

          Por Viseu e Castro Daire serviram de estradas de recurso, ao que consta alargadas vias de comunicação, como a que ligava Ponte de Lima a Santarém. Além deste importantíssimo caminho Norte/Sul, partia de Coimbra um intenso movimento de gente de profissões várias para a zona oriental, pela denominada “estrada da Beira”, indo até à cidade da Guarda, com variantes até Covilhã, Lamego e, ao Sul, Viseu. A antiga via romana Viseu/Idanha continuava a ser seguida e, desta feita, Viseu ficava ligada a Coimbra e, por esta, ao Norte, como complementar de uma outra que partia de Viseu para a fronteira Norte do Reino.

          Almocreves, caminheiros, marceiros e recoveiros… eram os profissionais do pequeno comércio. De amplitude meramente regional, tinham em consideração as comarcas e os almoxarifados em que se dividia administrativamente o Reino. Assim, entre outros pontos de partida e diferentes destinos, Lamego, Viseu e Coimbra recebiam os abastecimentos do grande Porto que se destinavam também a Chaves e Bragança, e escovam os seus próprios para Sul e para o Algarve, principalmente, a partir de 1415, como veremos no próximo capítulo. Rios e ribeiras, pontes e barcas estabeleciam contactos de umas vias com as outras e, na História do nosso País, ficaram as várias pontes romanas, visíveis ainda hoje de Ucanha a Viseu, passando pelo Mosteiro do Santo Sepulcro, infelizmente nunca poupado à ruína extrema e ao saque por nenhuma das autoridades locais.

          O pequeno comércio e a Igreja foram os principais responsáveis pela criação de feiras. Com efeito, nas sedes de bispado, a influência religiosa era grande para atrair feirantes e peregrinos. Casos que aqui podemos citar, entre dezenas de outros: Lamego e Viseu e terras por perto com necessidade de escoamento de produtos ou por falta daqueles de que as populações mais necessitavam; terras dos arredores bem perto de estrada ou, pelo contrário, mais isoladas: Lamego (1299), Tarouca (1445), Anciães (1277), Sernancelhe (1295), Aguiar da Beira (1308), Salzeda (1412) e Viseu, em 1392, incrementando a economia local e inter-regional. E qualquer motivo era suficiente: um muito lógico e o seu contrário.

          O problema da alimentação do País supunha uma circulação fácil dos produtos e uma conveniente distribuição. Almocreves, vinhateiros e moleiros visienses foram privilegiados com a isenção de impostos quer régios quer concelhios, com a dispensa da aposentadoria, de serviços militar e paramilitares, de tutorias e curadorias, de desempenho dos cargos de carcereiro e transportadores de dinheiros do erário público… Podemos ajuizar da importância para o comércio inter-regional de simples braços de água. Havia casos de mercadores que compravam géneros no Algarve. Para fugirem à sobrecarga da dízima que ia funcionando como valor acrescentado, quando chegavam à localidade pré-definida, já iam muito encarecidos para poderem ser vendidos pelos recoveiros e virem a ser comprados pelo comum do povo. O assunto foi levado às Cortes de Viseu de 1391, a que nos voltaremos a referir no próximo capítulo, reconhecendo ser “ua cousa que nunca foi en tempo dos outros Reis”. O monarca determina que se guardasse a ordenação de D. Pedro I, para que, em tal caso, se pagasse uma só dízima (44).

          A par destas medidas de fomento agrário, com D. Fernando I, desenvolveu-se a navegação e com ela o comércio marítimo. Foram medidas visando Lisboa e Porto, mas tiveram influência nas cidades não portuárias, na medida em que estas teriam de incrementar actividades e indústrias de apoio, com as matérias-primas da região.

          No que respeita a administração local, deu-se um caso curioso, quando, durante o governo de D. Fernando I, uma percentagem de municípios, julgados, coutos e aldeamentos, foi integrada no termo de outros. Calculamos que, na origem deste facto, tenha estado a necessidade de “aligeirar […] os encargos que pesavam sobre a comunidade dos seus habitantes” (45) . Assistimos, desta feita, à anexação a Viseu dos coutos de Mouraz, Senhorim e Areias.

          Em Janeiro de 1370, Viseu anexou ainda os julgados de Azurara (Mangualde), Senhorim, Cota Sabugosa e os coutos de Rio de Asnos (46). Em Junho deste ano, a mesma cidade anexou ainda o couto de Areias, no que respeita a obrigatoriedade de cumprirem veredas e castelanias (em cuja compulsão juntou Mouraz e Senhorim). Uns dias mais tarde, chamou a si os julgados de Pinheiro e Papízios (47).

          Os mosteiros – conventos, donas, frades e freires – dispunham da sua própria economia, fabricando os seus produtos de consumo quotidiano; promoviam a sua troca ou venda; tinham as suas cercas e quando estas não eram suficientes, tiravam as suas rendas de outros lugares que lhes estavam atribuídos através de contratos de meação, doações de terras e monopólios com os seus exclusivos, ou prioridades nas vendas. Viseu estava apetrechado, no Mondego e no Dão, de moinhos com prensas e serras de água, pesqueiras e barcas. Por perto, havia lagares e azenhas, poços e outros reservatórios.

          Relativamente ao bom vinho que produzia em abundância, Viseu, onde o rendimento da vinha era elevado, pagava ao rei de Portugal a quota de meio, a mais gravosa de todas para os colonos, enquanto outros centros urbanos desciam à oitava parte do volume da cuba.

          Ainda, beneficiando de saberes muito especializados, colhidos dos cistercienses de Santa Maria das Salzedas e doutros nos termos de Lamego e Tarouca, como a hidráulica, a edificação de engenhos de tipologias várias e construções, direccionavam-na para a construção e exploração de novos instrumentos de trabalho.

          Pela documentação compulsada, chegámos à conclusão de que os centros urbanos mais perto da Costa atlântica se propunham, com uma maior evidência, para a recepção de produtos. E as cidades do interior, como Viseu, trabalhavam para o fabrico e a exportação, sendo os seus vizinhos muito hábeis na construção de diferentes engenhos, cada vez mais necessários e aperfeiçoados, recebendo informações de mercadores que, atravessando o Reino, aí chegavam com mais-valias. Estas eram aproveitadas pelos mosteiros nas suas granjas, dado o frequente contacto com o exterior (48).

          No geral, não faltam notícias do interesse de D. Dinis demonstrado, bastas vezes, pela agricultura, líder que se tornara, após a morte do pai, de uma monarquia agrária.

          Em relação a Viseu, não se afastou muito das medidas de fomento que implantou nas cidades, vilas e lugares do interior do Reino. Havia que prender os donos das terras às suas parcelas e incrementar um sistema de trocas que passava pela instituição de feiras. Foi ainda especialmente atento à intervenção da marinha (de guerra? mercante?) na colocação dos produtos no Exterior. Lamego, Folgosinho Armamar… Viseu e suas terras marginais pagavam os tradicionais impostos à Coroa, conhecidos através das Inquirições e o rei implantou um sistema que se não afastava já na época da famosa lei de 28 de Maio de 1375.

          É na distribuição das terras (dos sesmos) que está a origem do sistema sesmarial, uma forma que se difundiu pelo Centro e Sul do País, a partir do século XIII, e que se converteu em verdadeira política de povoamento. A instituição de um conselho municipal implicava a necessidade da distribuição de suas terras pelos moradores (os sesmeiros). Para coibir pretensões territoriais desmedidas, como antes, generalizou-se, nessa época, a utilização de uma variante do antigo instrumento greco-romano da enfiteuse, que ficou conhecida como sesmaria, no reinado de D. Fernando e que se justificava pela necessidade de aproveitar as terras incultas e mal exploradas.

          O que singularizou, mais tarde, a sesmaria, diferençando-a do tradicional contrato enfitêutico, foi o facto de, ao contrário da obrigatoriedade do pagamento de um foro, o que se exigia era o cultivo da terra num tempo determinado. Procurava-se, com isso, garantir o uso produtivo da terra e o sucesso do esforço de povoamento. E as terras arroteadas ao largo da cidade de Viseu – que estavam todas entregues ao concelho, à Igreja e à nobreza, a par de alguns alódios ainda sobreviventes e dos reguengos e das terras foreiras do rei –, solviam direitos reais obrigatórios, inalienáveis e imprescritíveis do soberano e algumas miunças ou direituras, como porções, rações, terrádigos e lagarádigas, não faltando o montádigo, o condado e ainda alguma caça, em coelhos, lebres e pombos. Tudo se solvia, sobretudo, pela marçádiga (mês de Março) e pela martinega (meses de Outubro/Novembro, S. Martinho). Não faltavam as pedras de linho, as uvas, o azeite, as cebolas e a castanha (picada ou inteira, verde ou seca), pelo que se pagavam todos os frutos e outros frutos, ao se referirem as imposições a solver ao fisco.

          O número de arrendamentos levados a cabo por D. Dinis ascendia a 1434 contratos, os quais tinham a ver com um total estimado num mínimo de 1980 prédios aforados. Viseu acha-se – entre os concelhos com seus termos –, entre os que detinham um maior número de terras a foro pelo soberano (a par de Braga e Porto).

          A fim de vigiar a boa aplicação da Lei de 1375, a Viseu caberia, como qualquer outra cidade, capital de almoxarifado, e também a suas vilas e centros urbanos menores, a obrigação de escolher dois homens-bons que passavam a incumbir-se da fiscalização de todas as herdades, a fim de criar condições humanas ao seu integral aproveitamento. Poderia, então, intervir um terceiro elemento no caso de necessidade arbitral – seria um juiz local.

          Pagava a décima à Igreja. E, nesta vertente, são conhecidos os rendimentos da diocese: 7 000 libras da Mesa Episcopal; 5 800 libras da Mesa Capitular e 31 720 libras de rendimentos globais. Bastante, decerto. Mas menos da quarta parte do rendimento global de Braga (147 794,10 libras) e de Lisboa (136 162,10 libras). Lamego ainda rendia mais 5 000 libras do que Viseu (49).

          Com D. Dinis, em 1290, surge um facto importante, que se resume na obrigatoriedade de os tabeliães de várias localidades se comprometerem ao pagamento de determinada importância em moeda, a título de pensão pelo ofício que desempenhavam. Destinava-se o imposto, no seu total, ao cumprimento de anúduvas – castelanias e veredas –, revertendo para a Coroa a terça parte das rendas dos concelhos. Deste modo, os tabeliães de Viseu contribuíam, anualmente, com 46 libras 13 soldos e 4 dinheiros; Domingos Fernandes, de Castro Daire, no termo de Viseu, com 13 libras, 3 soldos e 4 dinheiros, o de Azurara (Mangualde), no termo de Viseu, com 8 libras e 13 soldos. O monarca ordenou também que os tabeliães dos bispados de Viseu, Porto e Lamego lhe solvessem uma contribuição anual (50). Não é de admirar o quantitativo prestado pelos oficiais de Viseu, dada a importância desta área regional no século XIV. Tratava-se de uma forma de imposto que permitia à coroa obter mais réditos e obrigava os municípios a participar nas obras de interesse de toda a comunidade local.         

                                                              *  

          Viseu seguiu o seu caminho, pelos séculos XV e XVI, durante a baixa Idade Média e a transição para a Modernidade, como veremos no próximo capítulo. Não temos quaisquer dúvidas de que a cidade e as suas populações integradas nela, nos arrabaldes e no seu espaçoso almoxarifado não perderam tempo a evoluir a bem do Reino que se ia constituindo e de si mesmas. Nos anos vindouros, a este esforço de cidade do interior que se impôs como “capital” do espaço que corresponde à Beira Interior de Hoje, a este quadro, somar-se-ão os esforços políticos do rei de Portugal em dotá-la com um Duque, pela primeira vez, e, através deste, lhe fazer a ligação – que, numa primeira fase, como vimos, se fez essencialmente com o Norte -desta feita com a Sul do País e com as paragens que, iniciadas no Exterior, com o Infante D. Henrique, irão conhecer novas paragens em todos os continentes, dando homens e bens para terras nunca sonhadas, de Silves, Lagos e outras… a Timor.

 

João Silva de Sousa

  Anexos
 
 

 (1.º Quadro Genealógico extraído de A. de Almeida Fernandes,
Geografia Documental
, inédito em fase de pré-publicação)

 

(Como pode ver-se, estamos nas origens dos reis de Portugal, pois Elvira Mendes, mulher de Afonso V [999-1028], foi mãe (por este casamento) de D. Sancho. E Afonso VI, foi-o, por linha direita, deste, sendo o pai de D. Teresa, e esta, a mãe de D. Afonso Henriques).

   
 
 

(2.º Quadro genealógico: Ascendência de D. Sancho I, incluindo
D. Henrique da Borgonha e D. Teresa, de Leão)

   
 
 

     (3.º Quadro Genealógico, a concluir no seguinte)

   
 

 

                                 (3.º Cont.: Linhagem real portuguesa da 1.ª Dinastia)

   
  Notas
 

(1) A batalha de Covadonga foi a primeira grande vitória cristã na Hispânia a seguir à invasão sarracena em 710-711. Uma década depois, provavelmente no Verão de 722, o êxito alcançado na batalha assegurou a sobrevivência da soberania Cristã no Norte da Península Ibérica, e é considerado por muitos autores como o início da “Reconquista”.

(2) Cf. Luís Garcia de Valdeavellano, Curso de Historia de las Instituciones españolas, Madrid, 1984. Ver Maria Ângela Beirante, A “Reconquista” Cristã, in Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, coordenação de A. H. de Oliveira Marques, in Nova História de Portugal, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II, Lisboa, Editorial Presença, 1993. Veja-se a bibliografia aduzida por esta última autora.

(3) A marca resultava de uma associação económica que se fundamentava na posse e utilização comum (pelos comarcãos ou vizinhos) de uma localidade. Esta, por via de regra era também produto de uma reunião de parentes integrada por comunidades domésticas que ocupavam terras de lavoura e de pastos. Eram ainda propriedade comunal, as lagoas e os bosques, os baldios e pântanos. Das sociedades germânicas passam assim, com diminutas alterações, para as comunidades cristãs altomedievas.

(4) Cf. José António Martins Gigante, Alfonso Prieto e Gonzalo Martinez Diez, in O Concílio de Braga e a Função da Legislação Particular da Igreja, in  MCL  Centenário do II Concílio de Braga, 1975. Ver Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal. Estado, Pátria e Nação (1080-1415), 3.ª edição, Vol. I, Lisboa, Verbo, p. 54.

(5) Citados por Maria Ângela Beirante, Ob. Cit., Vol. II, p.271.

(6) Conforme nos relata a Crónica Albeldense, depois de falar de Rodrigo, rei dos Visigodos, os monarcas que se lhe seguiram intitularam-se como Ordo gothorum obetensium regum, iniciada a lista por Pelágio, em 718 e culminada com o falecimento de Afonso III, o Magno, em 910. Segundo este texto, entre estes dois monarcas, decorreram dois séculos de uma instituição política continuadora do Reino godo e com o seu centro em Oviedo. A Afonso II se deve a fixação de Oviedo como cidade imperial, que tomou o modelo de Toledo.

(7) Há sobre estas matérias inúmeras obras de autores consagrados. Vejam-se A. de Almeida Fernandes, Ramond Menendez Pidal e A. H. de Oliveira Marques.

(8) A par de Viseu, são de referir Porto, Braga, Chaves e Anégia, para nos limitarmos a terras do futuro Portugal. As passagens das referidas crónicas estão na base da teoria do ermamento e da constituição do chamado “deserto estratégico do Douro. Vejam-se Chronica byzantina arabica (de 741), ed. de Juan Gil, in Corpus scriptorum muzarabicorum, Vol. I, Madrid, CSIC, 1973; Chronica muzarabica (de 754), ed. Juan Gil, Ibidem, Vol. I; Crónicas Asturianas, ed., de J. I. Ruiz de la Peña e Juan Gil, Oviedo, 1986; Sampiro, Chronicon, ed. de J. Pérez de Urbel, in Sampiro, su crónica y la monarquia leonesa en el siglo X, Madrid, 1959. Pelágio de Oviedo, Chronicon regum legionensium, ed. B. Sánches Alonso, in Crónica del obispo don Pelayo, Madrid, 1924; “O Ocidente na política asturiano-leonesa (711-1037”, in José Mattoso, História de Portugal, direcção de José Mattoso, Vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, pp. 531 e ss.

(9) Cf. Torquato de Sousa Soares, Contribuição para o Estudo das Origens do Povo Português, pp. 122-123.

(10) Crónica Geral de Espanha, Vol. II, caps. 281-290, pp. 414-462.

(11) A Obra historiográfica já publicada e ainda inédita de A. Almeida Fernandes trata um a um todos estes condes e seus sucessores. Veja-se L. A. Garcia Moreno, Historia de España, dir. por M. Tuñón de Lara, tomo II, Barcelona, 1987.

(12) Emílio Saéz, “Ramiro II, rey de ‘Portugal’ de 926 a 930”, in Revista Portuguesa de História, tomo III, 1947, pp. 217-290.

 (13)Ver Quadro Genealógico supra.

(14) Crónica Geral de Espanha, Vol. III, cap. 306, pp. 4-5.

(15) Cf. Como Nasceu Portugal, 5.ª ed., Porto, 1959, p. 47.

(16) Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, ed. cit., Vol. I, p. 63.

(17) Fray Justo Pérez de Urbel, “Dos focos de tendências económicas y sociales en el reino de León durante el siglo X”, in A Pobreza e a Assistência aos Pobres na Península Ibérica. Actas das 1.as Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval, Lisboa, 1973; José Mattoso, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, Lisboa, 1982, p. 22.

(18) Cf. Rui de Azevedo, “A expedição de Almançor a Santiago de Compostela e a dos piratas normandos à Galiza em 1015-1016”, in Revista Portuguesa da História, Vol. XIC, Coimbra, 1973, pp. 87-93.

(19) Georges Duby, Guerreiros e Camponeses. Os Primórdios do crescimento económico europeu (séc. VII-XII), Lisboa, Ed. Estampa, 1978.

(20) Vide genealogia indicada no texto abaixo.

(21) Demétrio Mansilla, “Restauración de las sufraganeas de Braga”, in Revista Portuguesa de História, Tomo VI, Vol. II, Lisboa, 1955, pp. 117-148.

(22) D. Teotónio nasceu em Ganfei, Valença, em 1082 e faleceu em Coimbra, em 1162.

(23) Ver A. de Almeida Fernandes, Viseu, 1109. Nasce D. Afonso Henriques (publ. a 1.ª ed. em 1993). 2.ª ed., Viseu, Fundação Mariana Seixas, Câmara Municipal de Viseu, 2007.

(24) Há que fazer ainda alusão a um bom número de outros, como o da Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista, masculino; o de Santa Maria de Tarouquela, fundado, desconhecendo-se a regra, e feminino… Cf. Ordens Religiosas em Portugal. Das Origens a Trento – Guia Histórico, dir. por Bernardo de Vasconcelos e Sousa, 1.º Prémio A. de Almeida Fernandes 2007, Lisboa, Livros Horizonte, 2005.

(25) Cf. Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, Vol. I, tomo I, p. 285, n.º 233; 294-295, n.º 240; 474, n.º 352. Ver Joaquim Veríssimo Serrão, Ob. cit., 3.ª ed., Vol. I, p. 164.

(26) Cf. João Pedro Ribeiro, Dissertações Chronologicas e Criticas, Vol. III, Lisboa, 1857, p. 188, doc. 608.

(27) Cf. José Mattoso, D. Afonso Henriques, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, p.18.

(28) Id., ibidem, p. 22.

(29) Ver António Matos Reis, História dos Municípios [1050-1383], Lisboa, Livros Horizonte, 2007, pp. 96-100.

(30) Cf. Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, Vol. I, tomo I, pp. 55-98, n.os 43-76.

(31) História dos Municípios…, cit., p. 326.

(32) Id., ibidem, p. 326.

(33) Ibidem, p. 92, n.º 74.

(34) Id.,  Ob. cit., p. 109.

(35) Ver Marc Bloch, A Sociedade Feudal, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 345.

(36) Ver Anais, Crónicas e Memórias Avulsas de Santa Cruz de Coimbra, ed. de António Cruz, Porto, Biblioteca Pública Municipal, 1968.

(37) Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, 117.

(38) Ver Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso IV (1325-1357) Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 1982, pp. 144 e ss.

(39) Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro de Cortes, doc. n.º 3 – cópia coeva.

(40) Ver Documentos Medievais Portugueses. Documentos Particulares, Vol. III (1101-1115), Lisboa, 1940, p. 313, n.º 357.

(41) Cf. Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones, I (VI), p. 846. Cit. por Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem, in “A Estruturação Social”, in Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV, coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem, in Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. III, Lisboa, Editorial Presença, 1996, p. 199.  

(42) Ver Joaquim Veríssimo Serrão, Ob. cit., 3.ª ed., Vol. I, p. 203.

(43) Ver Humberto Baquero Moreno, “Alguns documentos para o estudo das estradas medievais portuguesas”, in Revista das Ciências do Homem, Vol. V, série A, Lourenço Marques, 1972.

(44) Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, manuscritos, 699. Por carta de 5 de Outubro de 1352, in IAN/TT., maço 2.º de Leis, n.º 6, fl. 5v. Ver Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, cit., Vol. I, p. 361.

(45) Cf. António Matos Reis, Obr. Cit., p. 177

(46) IAN/TT., Chanc. de D. Fernando, l. 1, fl. 49v.

(47) IAN/TT., Chanc. de D. Fernando, l. 1, fl. 64. Confiram-se os quadros apresentados por António Matos Reis, Obr. Cit., pp. 178-179.

(48) Cf. Victor Mestre, “O Património difuso, ou antes, o Património que promovia a vida social em redor dos grandes mosteiros, conventos e outros  monumentos”, in Tarouca e Cister. Espaço, Espírito e poder. Actas, Tarouca, 2004, pp. 413-419.

(49) Ver Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Vol. II, Coimbra, 1910, pp. 609-705. Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, cit., Vol. I, p. 258 e nota [43], p. 259.

(50) IAN/TT, Gavetas, XI, 1ç-16, de 10 de Agosto de 1298. Ver Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, cit., Vol. I, pp. 332-333.

 

 

 

 

JOÃO SILVA DE SOUSA
Prof. do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Membro Correspondente da Acade4mia Portuguesa da História, Membro da Sociedade de Genealogia

 

 

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