REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | Número 27 | Maio | 2012

 
 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES

 

José Augusto Mourão e Ernesto de Sousa
publicados no Brasil

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
Apenas Livros Editora  
O Bule  
Jornal de Poesia  
Domador de Sonhos  
Agulha - Revista de Cultura  
Arte - Livros Editora  
 
 
 
 

Completa-se agora um ano sobre o desaparecimento de José Augusto Mourão, e muito mais do que isso sobre o de José Ernesto de Sousa, a cuja sombra tutelar achei por bem abrir o Triplov. Dois grandes amigos, duas personalidades determinantes na cultura portuguesa contemporânea, que algo religa: a criação no campo da modernidade, a reflexão sobre as temáticas inerentes e a promoção dos artistas que a representam.

Dois livros publicados agora no Brasil traçam uma ponte entre os dois países, como deseja a coleção em que foram integrados, criada na Escrituras Editora, originalmente, por António Osório (Portugal) e Carlos Nejar (Brasil). É a coleção Ponte Velha, até há pouco organizada por Floriano Martins, e que ainda não teve oportunidade de ser bilateral. Até hoje, já umas dezenas de escritores portugueses, na maior parte vivos, foram dados a conhecer ao público brasileiro, com edições financiadas pelo governo português, mas ainda não surgiu uma editora portuguesa disposta a emparceirar com a Escrituras para publicar em Portugal autores brasileiros, recorrendo a subsídios do Brasil. É uma pena, o desejo de uma ponte acabada assenta em práticas de partilha que, na modernidade, partem já da revista Orpheu, com dois diretores, um no Brasil, Ronald de Carvalho, e outro no nosso país, Luís de Montalvor. Exorto os nossos editores, apesar do estado de calamidade em que andamos à deriva, a que estudem um projeto de publicação de autores brasileiros numa coleção igualmente chamada Ponte Velha, capaz de suprir esta lacuna, deveras incompreensível. Afinal, apesar do descalabro económico, Portugal tem apoiado os seus autores, falta o Brasil cumprir a sua parte, em resultado de projeto de edição atraente apresentado por uma editora portuguesa, homóloga da Escrituras.

Oralidade, futuro da arte? e outros textos - 1953-87 é o título de Ernesto de Sousa que responde ou interroga o de José Augusto Mourão, Chão de signos. Dois livros que recolhem ensaios diversos, em grande parte inéditos em suporte de papel. Ambos postos sob o signo da linguagem, que em Ernesto de Sousa se centra na oralidade, enquanto fonte da arte, e em José Augusto Mourão, o mais irredutível dos semiólogos, como mundo em que vivemos, enquanto seres do Logos. O volume de Ernesto de Sousa foi organizado por Isabel Alves e prefaciado por José Miranda Justo. Contém ensaios de enorme importância sobre as vanguardas e suas modalidades, desde a fotografia, com Man Ray, até à poesia visual. Artistas como Vostell, Filliou, Joseph Buys, são objeto de inquirição, decorrente até de conhecimento pessoal do autor. Estes textos comunicam com ensaios sobre as obras de arte do próprio Ernesto de Sousa, como é o caso do filme Dom Roberto, normalmente considerado a porta para o cinema moderno em Portugal, ou de instalações, como A tradição como aventura, Olympia: fragmentos do meu discurso amoroso, e outros mais. O ensaio Para Almada lembra uma das fontes de criação de Ernesto de Sousa, centrada na figura de um dos grandes mestres do Modernismo, Almada Negreiros. Com efeito, o vetor da oralidade como epifania da arte, desenvolvido em parte na reflexão sobre os temas da ingenuidade e do (Re)Começar, do artista porventura mais polivalente que Portugal já conheceu, deu a Ernesto de Sousa oportunidade de realizar o filme Almada, nome de guerra, enquadrado num espetáculo multimédia.

Lendo José Augusto Mourão, no seu póstumo «Chão de Signos», prefaciado por Moisés de Lemos Martins,  verificamos que uma das vertentes que mais ocupou o seu espírito foi a Natureza. E atentando na cópia de citações que fornece em abono desta ou daquela hipótese relativa à Terra, também nos damos conta de que, se desde Aristóteles a filosofia se dedicou ao natural, agora outra filosofia, e mesmo a literatura, e a semiótica, se interessam pelo terreno - um chão de signos que, além de celulose e de discurso, é a biosfera.

Uma diferença de olhar: em geral, a filosofia, representada no livro de ensaios de José Augusto Mourão, vê a natureza alterada pela ação do homem, mas não mudada na sua essência divina: o Homem perdeu o sentido do divino que está lá, ou aqui, na nossa natureza. Porém a ciência, ou a filosofia mais colada à ciência, sabe que é admissível como hipótese que o universo seja obra de Deus, mas a Terra, com a sua flora e fauna atuais, a biosfera dos últimos séculos deixou de ser obra divina e passou a ser obra humana.

À arte contemporânea pouco importa o debate sobre o natural e o artificial, tal como a separação entre o sagrado e o profano: «Toda a arte é sacra», dizia Ernesto de Sousa. No caso de José Augusto Mourão, dominicano, há a dizer que no atual paradigma científico, evolucionista, a questão de Deus permanece quanto à fonte, às origens primordiais do Universo. Porém, quanto ao estado atual da biosfera, não é possível tomar o artificial como natural. A ação humana está presente em toda a parte, contaminou toda a esfera da vida, daí que pensadores existam a declarar que a natureza já não existe. Por muito que sejamos capazes de restaurar a divindade da Natureza, transformando a biosfera num jardim, e jardim com constituição política, como deseja José Augusto Mourão, esse jardim, no paradigma evolucionista, será sempre artificial, porque fruto de seleção humana, o que tem implicações biológicas conhecidas, como a rápida degradação genética, e desconhecidas. O problema da discussão vem de ciência e religião manterem, em demasiadas circunstâncias, um diálogo de surdos.

   
 

ERNESTO DE SOUSA
Oralidade, futuro da arte? e outros textos
Editora Escrituras, São Paulo, 2011

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO
Chão de Signos
Editora Escrituras, São Paulo, 2011

 

Contato da editora: escrituras@escrituras.com.br

   
 

 


Maria Estela Guedes (1947, Portugal). Diretora do TriploV
ALGUNS LIVROS. “Herberto Helder, Poeta Obscuro”, Lisboa, 1979;  “Mário de Sá Carneiro”, Lisboa, 1985; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”, Lisboa, 1987; “À Sombra de Orpheu”, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”, Lisboa, 1993; “Tríptico a solo”, São Paulo, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”, Lisboa, 2008; “Chão de papel”, Lisboa. 2009; “Geisers”, Bembibre, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”, São Paulo, 2010; "Tango Sebastião", Lisboa, Apenas Livros, 2010; "A obra ao rubro de Herberto Helder", São Paulo, 2010; "Risco da Terra", Lisboa, 2011; "Arboreto", São Paulo, Arte-Livros, 2011. TEATRO. Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira. 

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL