REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 22

 
 
   

 

 

VI POEMAS DE

LUÍS COSTA

COM IMAGENS DE

PEDRO PRATA

Escultura, Homenagem ao Maestro Virgílio Caseiro  

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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O poema constrói a sua própria realidade

 

 

[ ... ]

Com as mãos enterradas no lado apócrifo dos pais

avançam

 

Levam os mananciais dos sonhos arcaicos

o sismo das palavras

as insígnias de um deus esquecido

como cavilhas

                          o sangue

 

No ângulo dos gestos descrevem o crime

das rosas

o tumulto dos nomes

na boca das viúvas

 

E pelas cicatrizes das máscaras abrem rastos

até onde o silêncio magnético

relincha

                           e se apruma

 
 
Virou-se o feitiço contra o feiticeiro Óleo s/tela 46x38  
 

[ ... ] 

Peixes vermelhos.  O  anel do tanque.  um centro em  círculo. Relâmpagos.  

Furnas de segredos.  Por cima, as águias relincham. Cata-ventos –atirados

ao nó dos abismos. E um ribeiro enrola-se ao tronco das árvores. Segue

as pegadas dos rituais antigos. O céu cai a pique.

 

 Ó memória de barro!  por onde sobem os anjos negros.

 

As têmporas molhadas , circulando á volta das Lâmpadas. A roda dos hálitos

nocturnos.  Os propulsores da  rapariga  incendeiam a nova estátua,  dentro,

no espelho.   E em cada palavra a flauta vertebral renasce, vermelha, ao alto,

com penas ameríndias.

 

Ah! a barbatana do sangue. O animal. Exangue.

                                                   Por baixo , a flor : oculta. Febril.

 
 
The turn of the page, oil on canvas 70x60  
 

[ ... ]

Saio do diário da composição.

Nu .

Com a carne pendurada nas trevas.

Movimento em redor.

Espaço do nada.

 

Tudo ficou no poema.

Cravado.

Um espigão

nas entranhas.

Ao lado,

o negro anjo.

Morto.

 

E o meu pensamento procura,

de novo,

o rumo de outras paragens,

a sua nitidez

nos espelhos alógenos.

 
 
A Imortalidade do Poeta, Oil on canvas  
 

RE – GRESSO  HABITÁVEL    

 

O silêncio dos cereais.

Objectos que se quebravam de encontro à luz.

No varanda suspensa  ouviam-se as roldanas ameríndias.

As estrelas descansavam sobre os térreos muros.

Um homem trazia um oceano  no eco dos dedos.

Nas profundezas  dos  tanques  rodopiavam

as cítaras dos peixes arcaicos.

E os velhos lançavam  redes de girassóis  ao passado.

 Hálitos de cristal repousavam nas margens. 

 

Navios. Cânticos. Velhas rotas.

O Jogo das navalhas.

A rótula do sangue. O selo quebrado.

 

E havia os  atalhos

                        por onde seguíamos..

 

Arfantes, duas liras erguiam-se  dos  pulsos  abertos .

Eram janelas... 

Por baixo,  os lírios pulsavam . 

A pedra gritava. Castanha.

Contava-se que ali existia um celeiro esquecido:

lamparinas, anéis de estrelas, 

pulseiras egípcias, taças de bronze,

antigas escrituras , microfones de geisers,

 maravilhosas crinas...

 

o sonho

                e o a -mar.

 

E a  aldeia era branca.

Das portas pendiam gloriosas sinetas.

Os batentes eram de ouro vermelho.

Lá dentro,  ardiam as pálpebras,

olores profundos e absolutos

de um tempo habitável.

 

Mais tarde,  junto ao fogo,

as feras da noite rugiam,  pacíficas,

e as mulheres deitavam-se, na diagonal;

flutuantes

espreitavam os homens por entre

a vertigem  do mel e dos frutos agrestes

e os   seus mamilos erectos

lembravam o bronze de sísmicas  violações.

 

Entao,  a forja do amor inflamava -se

-  era o regresso à fonte.

 
 
The messenger, óleo sobre tela  
 

DO RIGOR DA OBRA

 

Este ofício poderoso

como a coluna grega de uma guitarra

por onde toda a música da terra se esvai.

Esta coluna alta e verde.

À  sua volta, o fogo, a poalha dos insectos

que se mineraliza na voz.

 

Aqui , sonhas.

Aqui, unges o rosto no milagre da cinza.

Sabes do fluxo brutal,

da violência que nos projecta para fora do espaço,

sabes dos cortantes metais

que crescem pelas mãos…

 

E a chuva.

A chuva, cinematográfica, em nós. Nas veias.

O simples  gesto  de uma mão

que retine , em fogo,

de encontro à boca do mistério.

 

Precipitada, a luz derruba o céu.

e avanças...

 

A fera nocturna.

Lestos animais que nos olham

por entre o tumulto do espanto.

E há também as doces testas das raparigas,

seus cabelos  ardem , túmidos, nas mãos dos rapazes.

O amor.  A fabulosa tempestade.

E as casas, sobrepostas,

com  telhados de maresia.

 

Dali , os barcos partem.

E o tempo constrói-se na sua eterna efemeridade.

Um ramo lunar.

A  obra que cresce, concreta.

A omoplata da devoção.

 

Como uma coluna de guitarra,

Uma coluna, bem ao alto, bem verde,

sabes do rigor da obra.

   
   
 

[ ... ]

presas aos estames dos abismos

as aves bebem da corrupção da luz

 

e há uma sedição de constelações

na boca do homem

 

poderoso propulsor ou pulmão sinfónico

de um mar que  se inquina

                       ao lancetar das vértebras

   
 

 

 

 

Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal)
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, site Triplov e revista Agulha.
Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
Contacto: l.Costa@web.de

 

 

Pedro Prata é natural de Santa Comba Dão e reside actualmente em Coimbra. Desde muito cedo, o gosto pelas artes e o desejo de transformar as emoções em fenómenos capazes de ultrapassar o que consideramos uma realidade objectiva e linear, foi marcando a tendência surrealista presente nas suas obras. É juntamente com  Miguel de Carvalho, Rik Lina, Seixas Peixoto & João Rasteiro  membro do grupo Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism.

 

 

© Maria Estela Guedes
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