REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número 21

 

 

 

Francisco José
Craveiro de Carvalho

POEMAS MATEMÁTICOS

Originais e algumas traduções

 

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  Retrato de Max Dehn
Francisco José Craveiro de Carvalho
 

Estamos no semestre de Verão

do ano sereno de 1899

em Gottingen.

Por trás há um rio

ou um cenário que o cria.

 

Só nós ainda

sabemos que o jovem Max Dehn*

terá  à pressa

de abandonar a fotografia

e ir-se desfazendo do casaco

colarinhos altos camisa e vida

para tentar chegar e descobrir-se

na margem estranha.

 

*Como outros, M. D. foi forçado a abandonar a Alemanha em 1939.
No seu caso, ao encontro de uma vida que o seu talento matemático não merecia.

 
  Emmy Noether em Bryn Mawr
Francisco José Craveiro de Carvalho
 

A hora chegara ao fim

e ela ficara a meio

da demonstração.

 

Acontece.

Mesmo quando se quer

que a aula

seja uma página limpa.

 

Saindo foram

e desconheciam

que despojada já

de lar e pátria

 

de Ms Noether

seria a  morte

quem receberia

a lição seguinte.

 
  Um matemático vê vermelho?
JoAnne Growney
 

Consideremos a esfera -

uma superfície redonda e oca

cujos pontos exteriores

são exactamente os mesmos

que  vê alguém no interior.

 

Se se entornar  tinta vermelha

em toda a parte de fora

o interior fica vermelho?

 

O matemático diz Não,

a camada de tinta

forma uma nova esfera

que fica fora do exterior

nem um bocadinho no interior.

 

Os mistérios das superfícies

são para o matemático

um prazer seguro.

 

Na parte de  dentro

o poeta

vê vermelho.

 
  Boa Sorte
JoAnne Growney
 

são números bons -

o comprimento do sulco do arado,

o contar dos anos,

a dor funda de um coração,

o custo do disfarce,

o volume das lágrimas.

 
 

3 Perfis mínimos
Katharine O'Brien

 

Fibonacci não conseguia adormecer -

Contava coelhos, em vez de carneiros a pascer.

¨

Emmy Noether - uma costela de Adão -

Mostrou  às mulheres a libertação.

¨

As margens, para  Fermat, eram  convenientes,

Mas ficava  sem espaço de repente.

 
  Os Bernoulli
Katharine O'Brien
 

                  Gente notável, sem dúvida,

                  Os Bernoulli.

 

Dois de nome  Jacob, três João, em  corajosas explorações,

         Também um Daniel  e dois Nicolau.

Oito ao todo, ao longo de três gerações.

         (Das esposas nunca houve menção.)

 
  Fábula do tempo
Michael Bartholomew-Biggs
 

Como o coelho branco da Alice empanturrado de esteróides

a lebre de Esopo está totalmente concentrada

no seu cronómetro, que  elimina o sapateado

dos pés rápidos e o coração apressado.

Diz continuamente quando

e quando e só quando.

Onde não. E nunca porquê ou quem.

 

A tartaruga encara a situação com calma

bastante para disfrutar

o aqui e o agora enquanto saboreia

alguns lás e entãos,  permitindo no entanto

à curiosidade de pescoço esticado liderar

na curva e contra-curva lá à frente.

Lentamente. Não escorregando.

 
  Pouca precisão
Michael Bartholomew-Biggs
 

Rectas quase paralelas,

traçadas com um lápis grosso, intersectar-se-ão.

Mas onde? Exactamente.

 
 

Matemática
Jane Hirshfield

 

Invejo sempre as pessoas

que constroem alguma coisa

útil, robusta -

uma cadeira, um par de botas.

 

Até fazer uma sopa,

com muita batata e natas.

 

Ou aqueles que arranjam, talvez,

uma janela por onde a chuva entra:

remover a   massa de vidraceiro antiga,

colocar habilmente a nova.

 

Podias aprender,

diz-me o espelho, a altas horas,

mas sem convicção.

Uma sobrancelha reflectida estremece um pouco.

 

Olho para este

apartamento emprestado -

onde quer que alguma coisa me desperte a atenção,

o padrão do papel de parede condiz.

 

Ontem uma mulher

mostrou-me

um edifício com a forma

do casco de um barco virado,

 

o seu telhado reforça, sob o estuque,

batido com couro  molhado,

o mármore das colunas

pintado  a fingir madeira.

Embora possivelmente fosse ao contrário?

 

Olho para a minha mão sem jeito,

inocente,

igual  às mãos dos outros.

Até a caneta que ela segura é um mistério, na verdade.

 

Couro, escreve ela,

e cadeira e mármore.

Sobrancelha.

 

Mais tarde a mulher perguntou-me -

reconheci-a então,

a minha irmã, eu própria jovem -

 

Um poema engrandece o mundo

ou apenas a nossa ideia do mundo?

 

Como se separa uma coisa da outra,

menti ou não,

em resposta. 

 
  Não são apenas as rectas paralelas que se estendem até ao innito
Jane Hirshfield
 

A forma de qualquer hábito persiste algum tempo –

 

Agora mesmo, por exemplo,

embora estejamos na Califórnia ao m da tarde,

o desejo de estar a beber mau café e a comer boa manteiga

em pãezinhos ao pequeno almoço no Hotel Fortuna em Cracóvia.

 

Os sabores desaparecem primeiro, depois os sons.

Nada losócos como um lápis ainda por aar, os sentidos;

como se não houvesse objectivo.

Um focinho de cavalo enterrado na aveia e de olhos meio fechados.

 

Para cada X, os três mundos convergem, separando-se depois para sempre.

Vivendo fora do tempo, sobre isto o cavalo nada sabe.

 

E se eu, como o cocheiro sem sono de Tchecov,

lhe fosse segredar “Cracóvia” ao ouvido,

ele acolheria o som como apenas um outro mistério a que não pode  obedecer -

uma ordem nem de a meio galope nem uma cenoura,

embora quase familiar, quase uma coisa que pode saborear.  

   
 

 

 

Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal)
Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde, com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL