REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 08-09

 








A Joana Ruas:
energia, constância e generosidade

 

 

                                                                               Se a poesia não nos dá algo do que nos furtam
furta-nos algo do que nos dão.

Cesáreo Gutiérrez Cortés

DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
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PEDRO
SEVYLLA DE JUANA

 

Dissidências

                                                                               Pedro Sevylla de Juana

 
 
 
   
   
   
   
   
   
   
    Da igualdade entre os homens
 

Nos remotos tempos, o Deus das Colheitas,

quando ainda não existia a espécie humana,

de cada região desabitada da Terra

recolheu o grão do cereal que cultivava.

 

Somou arroz, trigo e aveia,

milho e sorgo uniu ao centeio,

sementes de todas procedências,

levou ao moinho mais de um cento;

farinha tamisada em uniforme mescla,

amassada e submetida a fogo lento,

até torrar bem a camada externa.

 

Do resultante pão recém-cozido,

um pedaço retornou a cada comarca,

do qual provém o homem primitivo:

igual composição, distinta estampa.

 

Seja face o homem ou seja costas,

rígida crosta ou suave miga,

a cor é o único que troca,

a substância humana não varia.

 

  O preço das coisas
 

Antigamente o homem era antes de tudo a sua ascendência

e a tribo representava a pátria do homem

família, amparo e despensa;

a propriedade era comum e eram comuns os filhos

os projectos, o trabalho e a colheita;

compartilhava-se também

a íntima dor ou a profunda alegria

e o individual não se manifestava quase

apenas florescia.

 

A tribo foi-se diluindo nos costumes

a bonança permitiu ao homem mostrar sua personalidade

o homem, separado dos outros, fez-se gente

e a gente descobriu, inventou, modificou

pôs preço às coisas.

 

Quando tirarem o preço das coisas

a gente chorará como se lhe arrebatassem as coisas

porque não sabe separar as coisas

do preço das coisas.

 

Quando tirarem o preço das coisas

a gente albergará no seu coração a dúvida e o receio,

pois aprende na primeira infância

- saber sequestrador da inocência –

que antes ou depois

tudo lhe custa;

e se, em etiqueta fixada ou colada,

não se mostra bem visível o preço

- escrito em caracteres claros

perto do número redondo –

costuma dever-se a ele ser alto.

 

Quando tirarem o preço das coisas

e as coisas se mostrarem nuas à gente

a gente não reconhecerá as coisas,

porque sabe que o preço é para as coisas

como a forma, a cor, o cheiro ou a textura

que devem ter todas as coisas.

 

Quando tirarem o preço das coisas

a gente ignorará a ordem que seguem as coisas

equivocará a hierarquia

e tudo será um caos

para a gente que ordena as coisas

pelo preço que têm as coisas.

 

Mas se queremos que a gente

modifique sua maneira de ver as coisas

e avalie atributos primordiais

como a beleza de linhas

a utilidade prática

o som do vento ao abraçar sua superfície

a suavidade do tacto

a natureza da substância originária,

devemos tirar o preço

que um dia se pôs às coisas.

 

Quando consigamos tirar o preço das coisas

- acontecimento histórico memorável -

do indivíduo isolado, da gente, surgirá o homem

coração animado de sístoles e diástoles.

 

  A morte da utopia
 

Nos tempos presentes

quando a esperança é tão efémera

e vive em desencanto diluída,

quem oferecerá um futuro cobiçado

se morre a Utopia?

 

Quem descobrirá a poesia

flor entre as sarças

veleiro de papel à deriva.

Quem porá imaginação nos grafitos

- engenho das frases -

que derrube barreiras e recintos.

 

Por que razão edificante

a polícia fustigará os jovens,

que façanhas relatarão os avôs aos netos

quem defenderá o povo da acção dos políticos

quem restabelecerá o equilíbrio descomposto

quem falará da pessoa

que será da palavra companheiro

quem ousará traçar caminho próprio

quem se oporá aos interesses dos mais interessados

que será da pluralidade de vias,

quem estará de nosso lado

se morre a Utopia?

 

Quem reduzirá as insuperáveis diferenças

que separam falcões de pombas,

quem amará do homem a sua essência quebradiça

quem semeará a paz

o perdão, a valentia

o amor, a liberdade, a convivência

se morre a Utopia.

 

Quem impedirá que dêem forma à nossa argila

em moldes inumanos

os que fazem ferramentas das vidas.

Quem acolherá as excepções

quem será do diverso garantia.

 

Quem nos livrará da ortodoxia

quem nos tirará da estatística,

quem sobreviverá ao sistema

se morre a Utopia?

 

  O homem e a fome
 

Fome,

fome,

fome;

duas sílabas apenas

e rompem o fluir do homem.

 

Agente ou paciente

aprofundam a cisão do homem

apagam os caminhos do homem

dessangram o coração do homem.

 

Tão só duas sílabas e desdizem

invalidam

desautorizam, rejeitam

revogam

anulam

negam o homem.

 

  Os operários mortos no trabalho
 

Um, dois, sete, trinta e cinco

seis mil oitocentos e quatro, duzentos e trinta mil e treze;

é a contagem incessante de uma realidade trágica

a estatística incompleta dos operários mortos no trabalho

o sumário da necessidade humana

a prova dos noves da submissão.

 

As funções lineares, os índices e os intervalos

nascem de um pacto entre o poder e os números;

e os operários mortos no trabalho

povoam a realidade bastarda das análises quantitativas,

dos diagramas de fluxo,

das folhas de cálculo e da probabilidade elementar.

 

Mas onde estão os órfãos,

onde as viúvas dos operários mortos no trabalho.

Que ocorre com os pais e irmãos,

que há dos familiares, dos amigos e companheiros;

e de todos quantos amamos

aqui, ali e acolá

os operários mortos no trabalho.

 

Multidão dispersa,

ficamos fora do cômputo de mutilados,

dos gráficos aritméticos,

das folhas de cálculo e das previsões excedidas.

 

Membro activo desta sociedade desnivelada,

trabalhador da pluma e da difusão de ideias

eu, Pedro Sevylla,

solidário com o segmento de população mais desprotegido

exijo minha inclusão na recontagem de prejudicados

nas curvas de frequências, nas oscilações

e no inventário de cifras: um, dois, sete, trinta e cinco

seis mil oitocentos e quatro

duzentos e trinta mil e treze;

ao lado dos operários mortos no trabalho.

 

  As mães famintas e o infinito
 

Resistência arraigada no cansaço

as mães famintas trabalham a terra, trabalham a casa e os filhos;

e sobem a seus machos

ao arrogante infinito.

 

Mostrando seu perfil mais agressivo

ocupam-se os machos no infinito de assuntos de machos:

delírios de machos

pendências de machos

feridas de machos

mortes de machos.

E as mães famintas voltam do infinito,

com suas crianças, sem pai, nos braços.

 

Reprimidas pelo calado estoicismo

impelidas pela obstinada intransigência

as mães famintas trabalham o sustento, trabalham a roupa e o abrigo;

e dirigem os olhos abertos

ao alto do ameaçador infinito.

 

A visão inquisidora, profunda, selectiva

procura no infinito as terríveis respostas:

indagando os enigmáticos porquês da vida

esquadrinhando as dobras ocultas da dura existência

averiguando o que segue a morte e a culmina.

 

E as mães famintas de pupilas opacas

retornam do perpétuo infinito,

- olhos vãos - sem mirada.

 

Atraiçoadas pelo enganoso destino

as mães famintas trabalham a manhã, trabalham a tarde e os sonhos;

e levam a seus filhos famintos

até ao infinito ignoto.

 

No infinito agonizam os imaturos frutos de seu fértil seio

e as mães famintas de olhar ausente

recolhem nas suas bocas os suspiros postreiros

abrem tumbas nos próprios ventres

enventram os filhos mortos

e no infinito ficam para sempre.

 

  A profunda ferida da fome
 

Não venho a pedir favor ao poderoso

não pretendo encher a tigela do esfaimado

não busco alongar o sofrimento

dilatando agonia e agravo.

 

Venho a dizer o que devem calar os desnutridos

os que reúnem uns cêntimos por dia

os que disputam com os cães a comida

e bebem nos charcos peçonhentos do caminho.

 

Pasto de moscas e olhos tristes de olhar desorientado,

os filhos das mães famintas nascem franzinos,

hospedam no ventre um viveiro de gusanos

e aferrados à pele dos peitos como a odres vazios

à razão de seis milhões cada ano

morrem de fome e desabrigo.

 

Porque as carências dos necessitados

partem da má distribuição da abundância,

rejeito a iníqua repartição

da riqueza originada.

 

Porque germinam as funestas diferenças

na cobiça da propriedade privada

rejeito a propriedade insatisfeita

que entesoura e açambarca.

 

Porque intelectuais desalmados

se servem da filosofia, da literatura e da arte

para ajudar ao dinheiro sem reparos

dando as costas a quem sofre fome,

rejeito o pensamento mercenário.

 

Exijo leis que impeçam o acúmulo de domínio

magistrados que anteponham a equidade ao ideário

tribunais que condenem esbanjamento e desperdício

uma justiça que nivele os escassos deveres dos saciados

com os mínimos direitos dos mendigos.

 

  O grito
 

Meu grito é o grito do homem decidido

macho erguido ou fêmea valorosa

cidade e campo aberto

ruas, praças e hortas;

vale, ladeira ou cume,

mãos em círculo sobre a boca.

 

Meu grito é o grito dos habitantes todos do globo terráqueo

seis biliões de vozes

fundidas em sonoro abraço.

 

Meu grito é o grito do tigre e da baleia

dos sismos e vulcões

do vento que impulsa o pano das velas

o grito do poderoso oceano

do turbilhão e da procela.

 

Meu grito é o grito da massa vegetal

o grito da araucária e do eucalipto

do cacto no deserto, do pinheiro no pinhal;

um enorme coro que alcança o infinito.

 

Meu grito é o grito da terra e o grito do mar

o grito das nuvens e do azul

a queixa próxima e o bramido estelar.

 

Meu grito é o grito animal

o grito das árvores e dos arbustos

o grito das pedras sem lavrar.

 

Meu grito emerge do desespero universal

e exige ao demiurgo hipotético

sem pretexto nem perífrase vã

que esclareça se a marcha imparável do aparente e do certo

obedece a um projeto ou é obra do azar.

 

Esse grito é meu grito

e minha garganta não deixa de gritar.

 

PSdeJ

(Tradução feita pelo Autor e emendada por Nicolau Saião.)

 

  Disidencias
 

A Joana Ruas:
energía, constancia y generosidad

 

Si la poesía no nos da algo de lo que nos hurtan,
nos hurta algo de lo que nos dan
.

Cesáreo Gutiérrez Cortés

  De la igualdad entre los hombres
 

En los remotos tiempos, el Dios de las Cosechas,

cuando no existía aún la especie humana,

de cada región deshabitada de la Tierra

recogió el grano cereal que cultivaba.

 

Sumó arroz, trigo y avena

maíz y sorgo unió al centeno

simientes de todas procedencias

llevó al molino más de ciento;

harina tamizada en uniforme mezcla

amasada y sometida a fuego lento

hasta tostar por completo la corteza.

 

Del resultante pan recién cocido

un pedazo retornó a cada comarca

del cual proviene el hombre primitivo:

igual composición, distinta estampa.

 

Sea faz el hombre o sea espalda

rígido cuscurro o blanda miga

el color es lo único que cambia

la sustancia humana no varía.

 

  El precio de las cosas
 

En la antigüedad el hombre era ante todo su ascendencia

y la tribu representaba la patria del hombre

la familia, el amparo y la despensa;

la propiedad era común y eran comunes los hijos

los proyectos, el trabajo y la cosecha;

el íntimo dolor o el profundo contento también se compartían

y lo individual no se manifestaba apenas

apenas florecía.

 

La tribu se fue diluyendo en las costumbres

la bonanza permitió diferenciarse al hombre

el hombre, separado de los otros, se hizo gente

y la gente descubrió, inventó, modificó

puso precio a las cosas.

 

Cuando quiten el precio a las cosas

la gente llorará como si le arrebataran las cosas

porque no sabe separar las cosas

del precio de las cosas.

 

Cuando quiten el precio a las cosas

la gente albergará la duda y el recelo

pues aprende en la primera infancia

- saber secuestrador de la inocencia –

que antes o después

todo le cuesta;

y si, en etiqueta colgada o adherida,

no se muestra bien visible el precio

- escrito en caracteres claros

cercano al número redondo –

suele deberse a que es muy alto.

 

Cuando quiten el precio a las cosas

y las cosas se muestren desnudas a la gente

la gente no reconocerá las cosas

porque sabe que el precio es para las cosas

como la forma, el color, el olor o la textura

que deben tener todas las cosas.

 

Cuando quiten el precio a las cosas

la gente ignorará el orden que siguen las cosas

equivocará la jerarquía

y todo será un caos

para la gente que ordena las cosas

por el precio que tienen las cosas.

 

Pero si queremos que la gente

modifique su manera de ver las cosas

y valore atributos primordiales

como la belleza de líneas

la utilidad practica

el sonido del viento al abrazar su superficie

la suavidad del tacto

la naturaleza de la substancia originaria,

debemos quitar el precio

que un día se puso a las cosas.

 

Cuando consigamos quitar el precio a las cosas

- acontecimento histórico memorable -

del individuo aislado, de la gente, surgirá el hombre

corazón animado de sístoles e diástoles.

 

  La muerte de la utopía
 

En los tiempos presentes

cuando la esperanza es tan efímera

y vive en desencanto diluida,

quien ofrecerá un futuro codiciado

si muere la Utopia?

 

Quién descubrirá la poesía

vedija entre las zarzas

velero de papel a la deriva.

Quién pondrá imaginación en las pintadas

-ingenio de las frases-

que derribe barreras y murallas.

 

Por qué razón edificante

la policía hostigará a los jóvenes,

qué relato heroico

reservará la madurez a los hijos y a los nietos,

quién defenderá al pueblo de la acción de los políticos

quién restablecerá el equilibrio descompuesto

quién hablará de la persona

qué será de la palabra compañero

quién osará trazar camino propio

quién se opondrá a los intereses de los más interesados

qué será de la pluralidad de vías,

¿quién estará de nuestro lado

si muere la Utopía?

 

Quién reducirá las insalvables diferencias

que separan halcones de palomas,

quién amará al hombre por su esencia quebradiza

quién sembrará la paz

el perdón, la valentía

el amor, la libertad, la convivencia

si muere la Utopía.

 

Quién impedirá que a nuestra arcilla

vacíen en moldes inhumanos

los que hacen herramientas de las vidas.

Quién acogerá las excepciones

quién será de lo diverso garantía.

 

Quién nos librará de la ortodoxia

quién nos sacará de la estadística,

¿quién sobrevivirá al sistema

si muere la Utopía?

 

  El hombre y el hambre
 

Hambre,

hambre,

hambre;

dos sílabas apenas

y rompen el fluir del hombre.

 

Agente ou paciente

ahondan la escisión del hombre

borran los caminos del hombre

desangran el corazón del hombre.

 

Tan sólo dos sílabas y desdicen

invalidan

desautorizan, rechazan

revocan

anulan

niegan al hombre.

 

  Los obreros muertos en el tajo
 

Uno, dos, siete, treinta y cinco

seis mil ochocientos cuatro, doscientos treinta mil trece;

es el recuento incesante de una realidad trágica

la estadística incompleta de los obreros muertos en el tajo

el sumario de la necesidad humana

la prueba del nueve de la sumisión.

 

Las funciones lineales, los índices y los intervalos

nacen de un pacto entre el poder y los números;

y los obreros muertos en el tajo

pueblan la realidad bastarda de los análisis cuantitativos

de los diagramas de flujo

de las hojas de cálculo y de la probabilidad elemental.

 

Pero dónde están los huérfanos

dónde las viudas de los operarios muertos en el tajo.

Qué ocurre con los padres y hermanos

qué hay de los familiares, de los amigos y compañeros

y de todos cuantos amamos

aquí, allá y acullá

a los obreros muertos en el tajo.

 

Multitud dispersa

quedamos fuera del cómputo de mutilados

de los gráficos aritméticos

de las hojas de cálculo y de las previsiones excedidas.

 

Miembro activo de esta sociedad desnivelada

trabajador de la pluma y de la difusión de ideas

yo, Pedro Sevylla,

solidario con el segmento de población más desprotegido

exijo mi inclusión en el recuento de perjudicados

en las curvas de frecuencias, en las oscilaciones

y en el inventario de cifras: uno, dos, siete, treinta y cinco

seis mil ochocientos cuatro

doscientos treinta mil trece

junto a los obreros muertos en el tajo.

 

  Las madres famélicas y el infinito
 

Resistencia arraigada en el cansancio

las madres famélicas trabajan la tierra, trabajan la casa y los hijos;

y suben a sus machos

al arrogante infinito.

 

Mostrando su perfil más agresivo

los machos se ocupan en el infinito de asuntos de machos:

delírios de machos

pendencias de machos

heridas de machos

muertes de machos.

Y las madres famélicas vuelven del infinito

con sus niños sin padre en los brazos.

 

Reprimidas por el mudo estoicismo

urgidas por la obstinada intransigencia

las madres famélicas trabajan el sustento, trabajan la ropa y el cobijo;

y dirigen la mirada abierta

a lo alto del amenazante infinito.

 

La mirada inquisidora, profunda, selectiva

busca en el infinito las terribles respuestas:

indagando los enigmáticos porqués de la vida

escudriñando los pliegues ocultos de la dura existencia

averiguando lo que sigue a la muerte y la culmina.

 

Y las madres famélicas de pupilas opacas

regresan del perpetuo infinito

-ojos hueros- sin mirada.

 

Traicionadas por el engañoso destino

las madres famélicas trabajan la mañana, trabajan la tarde y los sueños;

y llevan hasta el ignoto infinito

a sus hijos famélicos.

 

En el infinito agonizan los frutos agraces de su fértil seno

y las madres famélicas de mirada ausente

recogen en sus bocas los suspiros postreros,

abren tumbas en los propios vientres

envientran a los hijos muertos,

y en el infinito se quedan para siempre.

 

  La profunda herida del hambre
 

No vengo a pedir favor al poderoso

no pretendo llenar la escudilla del hambriento

no busco alargar su sufrimiento

estirando la agonía y el oprobio.

 

Vengo a decir lo que deben callar los desnutridos

los que juntan unas pocas monedas cada día

los que disputan a los perros la comida

y beben en los charcos ponzoñosos del camino.

 

Pasto de moscas y ojos enormes de mirar desorientado

los hijos de las madres famélicas nacen raquíticos

hospedan en el vientre un vivero de gusanos

y aferrados al pellejo de los pechos como a odres vacíos

a razón de seis millones cada año

mueren de hambre y desabrigo.

 

Porque las carencias de los necesitados

arrancan de la mala distribución de la abundancia,

rechazo el inicuo reparto

de la riqueza generada.

 

Porque germinan las funestas diferencias

en la codicia de la propiedad privada,

rechazo la propiedad insatisfecha

que atesora y acapara.

 

Porque intelectuales desalmados

se sirven de la filosofía, de la literatura y del arte

para ayudar al dinero sin reparos

dando la espalda a quienes sufren hambre

rechazo el pensamiento mercenario.

 

Exijo leyes que impidan el acopio de dominio

magistrados que antepongan la equidad al ideario

tribunales que condenen derroche y desperdicio

una justicia que nivele los escasos

derechos de los pobres con los exiguos deberes de los ricos.

 

  El grito
 

Mi grito es el grito del hombre resuelto

macho erguido o hembra valerosa

ciudad y campo abierto

calles, plazas y rondas

valle, ladera o cerro

las manos en altavoz sobre la boca.

 

Mi grito es el grito de los habitantes todos del globo terráqueo

seis mil millones de voces

fundidas en sonoro abrazo.

 

Mi grito es el grito del tigre y la ballena

de los seísmos y volcanes

el grito de la mar océana,

del viento que inflama las velas de las naves

el alarido del huracán y la galerna.

 

Mi grito es el grito de la masa vegetal

el grito de araucaria y eucalipto

del cactus del desierto y la majagua del manglar;

un enorme coro que abarca el infinito.

 

Mi grito es el grito de la tierra y el grito del mar

el grito de las nubes y el azul

la queja cercana y el bramido estelar.

 

Mi grito es el grito animal

el grito de los árboles y arbustos

el grito de las piedras sin labrar.

 

Mi grito brota de la desesperación universal

y exige al demiurgo hipotético

sin nuevas perífrasis ni un pretexto más

que aclare si la marcha imparable de lo aparente y lo cierto

tiene algún sentido y obedece a un plan.

 

Ese grito es mi grito

y mi garganta no deja de gritar.

 

PSdeJ

 

 

Hijo y nieto de agricultores, Pedro Sevylla de Juana nació en Valdepero (Palencia), España, en marzo de 1946. Estudió el bachillerato, interno, en el Colegio La Salle de Palencia; y se hizo publicitario en la Escuela Oficial de Publicidad de Madrid. Diplomándose al tiempo en marketing, psicología, fotografía y diseño gráfico. Ha vivido en Palencia, Valladolid, Barcelona y Madrid; pasando temporadas en Ginebra, Estoril, Tánger, París y Ámsterdam. Publicitario, conferenciante, articulista, poeta, ensayista y narrador; ha publicado dieciocho libros y es colaborador de diversas revistas de Europa y América, tanto en lengua española como portuguesa. Reside en El Escorial, dedicado por entero a sus aficiones más arraigadas: vivir, leer y escribir.
Página personal: www.sevylla.com
Dirección electrónica: valdepero@hotmail.com

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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PORTUGAL