REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 07

 





 

1. Desde 9 de Janeiro de 1154, o que quer dizer que, desde a outorga do foral a Sintra por D. Afonso Henriques, sete anos eram passados da sua conquista e da de Santarém e Lisboa aos Mouros, muito pouco se fala da vila. As nossas Chancelarias e as Colecções Documentais já publicadas quase a silenciam por completo (1)

Com efeito, só de 24 de Julho de 1436 data uma carta de “priujllegios de Sintra”, outorgada por D. Duarte (2). Curiosamente, o diploma é uma chamada de atenção para as suas características morfológicas. Sintra era, na realidade, património da Coroa, até que passou a pertencer de iure heraeditario aos bens das rainhas de Portugal. Assim, Vemo-la passar de Filipa de Lencastre, no século XV, para as mãos da rainha D. Leonor, em virtude do seu casamento com o infante D. Duarte, príncipe herdeiro do Reino, em 1428. 

 

 
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JOÃO SILVA DE SOUSA

 

Sintra e Torres Vedras:

Vilas Privilegiadas no Século XV

 

                                                                      JOÃO SILVA DE SOUSA
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   

Neste contexto, temos conhecimento de que a irmã do rei de Aragão recebeu, entre outras vilas, a de Sintra, sob a forma de uma doação vitalícia, além do mais com Torres Vedras. Com estas encontravam-se Alenquer, Óbidos, Alvaiázere e Torres Novas (3). Por carta de 11 de Janeiro de 1435, D. Duarte irá confirmar a D. Leonor tal posse vitalícia das seis vilas que enumerámos (4), que não saíam, embora, da propriedade do “Estado”.

Todos estes bens patrimoniais das rainhas de Portugal serão passados, sob a forma de doação, para os haveres imóveis e de raiz de D. Isabel, aquando do contrato de casamento com D. Afonso V. Efectivamente, a rainha de Portugal, filha do regente D. Pedro e de D. Isabel de Urgel, receberá todo aquele rol de terras, na habitual forma de posse e não de propriedade plena.

No tempo detenhamo-nos por aqui. No espaço, trataremos dos privilégios atribuídos a Sintra e a seus termos que vão ligar-se aos arredores de Torres Vedras, vila esta que conhecera também o seu primeiro foral em 15 de Agosto de 1250 (5). Entretanto, em 1229, dera-se o foral à Ericeira, com especial relevo no respeitante ao pescado (6).

2. Não conhecemos cartas de privilégios em número considerável atribuídas a estas duas vilas e a seus temos, uma área bastante significativa, referente à Idade Média. Explica-se essa falta, no facto da existência de cartas de foral que são, já de si, importantíssimas fontes de direito local. Como leis que são, poderiam ser atribuídas por alguém que gozasse de poderes conferidos pelo direito público. Assim, por um particular em terras suas, como pelo rei que, à medida que vai “reconquistando” espaço num território, vai também tentando organizá-lo e chamar a si réditos dos seus proventos. Deste modo, facilmente se entenderá que cada carta de foral outorgada pelo soberano ou por quem de direito, se destinasse a regular a colectividade em certa povoação, nova ou antiga, formada por homens livres ou tornando-os livres.

O que se tinha em vista com tal instituição seria, entre outras finalidades:

- garantir a posse de bens de raiz que os vizinhos e moradores detinham, com o direito de livre alienação em vida ou mortis causa;

- determinar, com a precisão possível, os tributos que aqueles teriam de solver ao seu senhor, de maneira a não haver abusos nas respectivas cobranças;

- ordenar o povoamento, a defesa, a paz interna, dotar concelhos formados ou a legalizar, com facilidades e liberdades de sorte vária.

Os encargos traduziam-se, na sua essência, em três prestações:

- imposições em dinheiro ou em géneros ou mistas;

- tributações em serviços, corveias ou jeiras;

- prestações penais, as coimas ou calúnias, a satisfazer pelos infractores delinquentes.

Será em vão que procuraremos no foral a organização municipal e a indicação das suas magistraturas. Já noutro nosso estudo, salientámos que a sua constituição se baseava no direito costumeiro, havendo, acidentalmente, referências ao concilium, às magistraturas ou aos funcionários do rei (7). Mas tal como antes, insistimos, o que nele se lê neste período (séculos XII e XIII) é precário e casual. Poucos são os forais que mencionam o alcaide, como representante do rei no local e que ordenava no castelo. Exerceria, então, uma superintendência sobre a justiça e os negócios comuns. Talvez, neste caso, mereça referência o alcaide pequeno que comandaria os fossados e teria sob a sua alçada o oficial de diligências – o porteiro do alcaide e o seu pessoal, dele subalterno, na milícia – os Adaís. Os interesses fiscais delegavam-se num mordomo que, acima de todas as funções, cobrava as coimas devidas à Coroa. Quanto às assembleias dos homens-bons, as cartas nada dizem acerca da sua função judicial. O concilium, ou conselho do concelho, cumpria a obrigação de ocupar-se de questões muito gerais, das que provinham, por exemplo, da utilização de pastos comuns… Basta lembrarmos um conselho reunido em 1145 que tomou lugar em Coimbra e elaborou posturas locais sobre o abastecimento à cidade, o policiamento de pesos e medidas, a fim de evitar a sua indevida alteração e abusiva utilização contra os compradores; verificou ainda as condições de venda e o exercício dos ofícios, não esquecendo a realização do mercado.

 







“Eis que em vários labirintos de montes
e vales,
surge o glorioso Éden de Sintra
ai de mim! Que pena ou que pincel
logrará jamais dizer a metade sequer
das belezas destas vistas?”

 

 

3. Sintra, Torres Vedras e seus termos tinham ambas cartas de foral e assim foram arrastando a sua vida, sem grandes problemas, até que, em 28 de Agosto de 1371, surge uma carta de provimento de agravos, feitos na vila de Mafra e seus termos, designadamente na Ericeira, pelos oficiais do rei e outras pessoas. Tais queixas foram apresentadas a Lopo Dias de Sousa e a Lopo Dias, como donatários da terra (8). Na sua essência, podemos resumir a cláusula principal da doação feita muito antes e agora contrariada em alguns dos seus pontos, com este curto excerto: “E que os homens da dicta villa e seus termos […] nunca fossem em hoste nem em fossado nem serujsem em nehua guisa per mar nem per terra o dicto rey nem seus sucessores nem fosem theudos de serujr senom tam soomente a dicta dona Maria e a seus secesores”, aos quais o rei D. Dinis coutou, pêra todo o sempre, “com todo djreito que ao real poderio perteence” (9). Estava na ordem do dia o desrespeito pelo conteúdo do foral. Tenha-se, ainda, em linha de conta, a carta de doação que o Lavrador entregara com o consentimento da rainha D. Isabel, sua mulher, e com o do infante D. Afonso, seu filho “que depois foe rey de Portugal”, a D. Maria de Aboim… À data, Lopo Dias de Sousa, rico-homem, vassalo do rei, senhor de Mafra, Ericeira e Enxara dos Cavaleiros, 17.º senhor da Casa de Sousa, descendente de D. Afonso III, seu sobrinho Lopo Dias, filho de Álvaro Dias [de Sousa], irmão do primeiro, a caminho dos finais do século XIV, achavam-se lesados pelas razões que explicam ao monarca D. Fernando:

1- Eram agravados por Lançarote Pessanha, almirante do reino, que deu cartas suas a alguns pescadores da Ericeira, termo da vila de Mafra, fazendo aí um alcaide que superintendesse nos homens do mar. O facto é que nunca tal aí houvera “nem deuja dauer”.

2- Ambos recebiam agravos de João Gonçalves, anadel-mor chegado à vila de Mafra e a seus termos. Como arrivista, responsável pelos besteiros do conto e dos homens do mar que havia e com poder e autoridade régios, aí fez besteiros do conto.

3- Que o dito anadel-mor fora à Ericeira e aí nomeara como vintaneiros, homens do mar, o que contrariava o teor do velho documento.

4- Os homens do dito lugar, como besteiros do conto que passaram a ser então, seriam obrigados a pertencer à frota real das galés, a servir nelas e a abandonar, consequentemente, as herdades e pescarias da Ericeira que se via, assim, carecida de rendas e com o seu principal objectivo, a actividade piscatória, defraudado. Recorde-se que, das pescarias e armações da Ericeira. ia abundante pescado para o Interior do País, para a Beira, por exemplo, que o recebia salgado e fumado.

O certo é que o rei solucionava os erros cometidos da forma seguinte:

1- Que o dito almirante do Reino ou outro qualquer oficial, de então em diante, não nomeie alcaide do mar no referido lugar e, se, na altura, houver, que abandone o seu exercício.

2- O anadel-mor ou outro qualquer que vier depois dele, não faça vintenas na Ericeira nem vintaneiros do “dicto logo dos homens do mar”. E se, porventura, tal já se verificar, o rei ordena que “nom aia hi nem obrem mais desses officios”.

3- Concluindo, D. Fernando, atendendo aos antecedentes e ao teor da presente queixa, vem a determinar, para todo o sempre, que os moradores de Mafra, da Ericeira e de outros lugares dos seus termos sejam isentos do serviço militar, mesmo quando se tratasse do serviço régio (10).

O documento é curto e bem preciso, concretizando como de D. Maria de Aboim chegam as terras aos queixosos, que põem ao monarca tais agravos a que ele se vê na obrigação de solucionar com a maior brevidade possível.

4. Ora este documento nada mais é que um dos precursores de inúmeras cartas de privilégios colectivas que, no século XV, são endereçadas a terras piscatórias como Faro, por exemplo (11). De 8 de Janeiro de 1420, data uma carta de isenção de servir nas vintenas do mar, concedida aos pescadores em geral, do mar e dos rios, aos barqueiros e a todos os que viviam do oceano, em razão das violências exercidas sobre eles para os obrigar ao referido serviço e do pouco proveito colhido (12); de 22 de Maio de 1422, data um diploma que isenta os pescadores do Algarve, de serem constrangidos em suas pessoas pelas justiças do rei e pelos concelhos (13). A 7 de Fevereiro de 1426, D. João I emite uma carta de privilégios aos arrais e pescadores de Lisboa, isentando-os de terem cavalos e armas e de comparecerem em alardos, imunidades extensivas aos termos da capital, sob condição de viverem do ofício da pesca, durante oito meses por ano pelo menos e continuadamente (14).

Tal sucede a 7 de Maio do mesmo ano aos pescadores de Sesimbra (15) e aos de Cascais, em 18 de Junho de 1426 (16). Também os pescadores da vila de Aveiro, por documento de 3 de Abril de 1430, recebem carta de privilégios, autorizando-os a terem um procurador privativo para tratar dos seus feitos e que por eles fosse escolhido de entre o seu número (17). A cidade de Lisboa, mais uma vez, se vê alvo de benefícios régias, agora por carta de 2 de Abril de 1434 que isenta os moradores de lhes serem tomadas as caravelas e demais tipos de embarcações para cargas e passagens, salvo por especial determinação régia (18). Assim sucedeu também com Setúbal.

A 12 de Novembro de 1451, os pescadores de Tavira vêem-se isentos especialmente da obrigação da aposentadoria, salvo quando o rei ou os infantes, seus irmãos e tio, estiverem na dita vila (19). Escusados de servir nas galés e naves do rei, contra as suas vontades, achavam-se já, a partir de 19 de Junho, talvez do ano de 1255, os pescadores e outros homens do Porto, que não podiam ser constrangidos “ipsos Piscatores Nec alios homines de ipsa villa de Portu per fortiam”(20) .

Ainda anteriores às cartas que começámos a enumerar para o século XV, acham-se algumas outras, a que convém fazer breve referência e que datam da centúria de Trezentos:

- De 14 de Julho de 1340, é despachada uma carta de isenção de servir na frota, outorgada aos que, naquele ano, ficaram como vizinhos e moradores de Paredes e cujos homens foram enviados ao rei pelo almoxarife e escrivão de Leiria, nos termos do privilégio atribuído por D. Dinis e confirmado por D. Afonso IV (21).

- De 15 de Abril de 1363, ao barqueiro que servir na barca de passagem do rio Cacia é outorgada carta, escusando-o de servir em galés e na frota (22).

- De novo, aos moradores da Póvoa de Paredes, de 25 de Maio de 1365, data uma outra que lhes é endereçada pelo rei, relevando-os de servirem nas dez galés que ele então mandava armar (23).

E, pelo século XV, se vão sucedendo cartas de privilégios, umas às outras, atribuídas a colectividades que dedicam a sua profissão ao mar, à pesca, ao sal, enviando o seu produto para centros consumidores e até proporcionando, através da salga, a hipótese de comércio do peixe com o estrangeiro. Seria exaustivo enumerarmos todas as localidades; mas o certo é que, à medida em que se iam endereçando imunidades como vimos relativamente aos pescadores da Ericeira, as povoas que viviam estritamente da pesca, vão alcançando idênticas regalias que se traduziam, na sua essência, em privilégios que adiante discriminaremos e que são muito semelhantes aos que se atribuem também às terras de lavoura.

5. De origem latina, a palavra privilégio significa lei privada ou aplicada apenas a alguns. Resulta da adição do adjectivo latino privus, priva, privum que significa singular, único, um, particular a cada um, com lex, legis, lei, ordenação – regra que incide ou produz efeitos sobre um só, ou seja a particularização restritiva de uma universalidade, como já tivemos ocasião de explicar noutro nosso trabalho (24).

Abreviando: qualquer isenção e regime especial de favor mais não eram que privilégios concedidos a uma classe ou a alguns dentro da classe. Contudo, tendo em atenção a existência de leis promulgadas, a regulamentar normas de excepção e de cartas incluindo um sério e avultado número de pessoas dentro de um grupo social ou profissional, poderemos, por certo, tirar a seguinte ilação: trata-se de normas de direito público que, a partir de dada altura, começam a ser designadas por privilégio e a assumir um significado restritivo de regalia, prevendo um direito ou vantagem exclusivos, concedidos a alguns. E, por lei, só o rei podia conceder a alguém, não tendo nunca efeitos hereditários.

Como exemplos, temos que, em 1439, o regente D. Pedro emite uma carta de privilégios a mulheres pobres que, no Porto, vivam honestamente, a homens que não possam trabalhar e aos que não têm bens próprios. A pedido daquela cidade, ficam isentos do pagamento dos dez reais para Ceuta, “os cabeneiros e os empregados cegos e mancos e mancebos de soldados e outros muyto proues e breçeiros que nom teem que comer” (25) .

Em 1440, emite o mesmo Duque de Coimbra uma carta a todos os caseiros, lavradores, mordomos e apaniguados que viverem na correição de Trás-os-Montes, solicitada por João Martins, almoxarife-mor e morador em Vila Real (26). Do mesmo ano, datam umas tantas que resumimos: a João de Melo, fidalgo da Casa do rei e seu copeiro-mor e a 20 lavradores da sua quinta de Ficalho, no termo de Serpa (27); a todos os que moram ou vieram a morar em Salir, “pêra o lugar ser melhor povorado” (28) ; aos moradores de Montalvão, Alpalhão e Arez, para repovoamento das mesmas terras (29).

Casos que se aproximam com as terras de Sintra a Torres Vedras em conjunto com os seus termos, na posse da rainha de Portugal, no século XV, são variados, sobretudo no ano de 1450.

Assim, D. Afonso V outorga:

- a Bernardo Rodrigues, porque é seu vassalo e aos apaniguados deste, na Cortiçada (30);

- a Martim Afonso de Melo, guarda-mor do conselho régio e a todos quantos andarem ao seu serviço (31);

- a Joaquim Rodrigues, moço da câmara do rei, e aos lavradores que morarem e lavrarem nos casais que ele possui em Vilarinho, no termo de S. Martinho de Mouros (32);

- a António Dossem, vassalo do rei e filho do Doutor João Dossem e a todos os seus caseiros, apaniguados, lavradores e mordomos e outros que com ele sirvam, de suas casas e alfaias em Torres Novas (33).

6. Como já acima fizemos ver, D. Duarte, ao outorgar, por carta, os “Priuillegios de Sintra” (34), começou por no-la apresentar, como se se tratasse de um autêntico cartaz turístico de hoje:

- é estância régia de veraneio e continuará a sê-lo;

- tem muito bons ares;

- a água é esplêndida;

- tem comarcas de grande abundância de mantimentos agrícolas e pesca;

- é propícia a folguedos e à caça de montaria;

- os paços régios têm uma vista deslumbrante.

Só que, com a estadia real e séquito dos soberanos, permanentes, em várias fases do ano, - pelo menos, frequente – os moradores de Sintra ressentem-se por perdas e danos em alguns bens, principalmente móveis, como, por exemplo, a cedência de frutos e vinho por causa da aposentadoria que lhes têm de dar.

Então, em contrapartida, D. Duarte, não abdicando das regalias que a Corte daí retirava, concedeu determinados privilégios, a saber:

- a isenção do serviço militar para além das XX léguas de perímetro;

- a dispensa de possuírem cavalos e armas, mesmo que, para tal, recebam contias;

- isenção de comparecer nos alardos, em inspecções pelo anadel-mor ou substituto deste.

Dentro do capítulo da aposentadoria, das paradas ou jantares reais, os moradores são, no entanto, constrangidos à distribuição de roupas da seguinte forma:

- o que receber “conthia pêra caualo ou beesta de garrucha” – neste caso, através de uma quantia em dinheiro -, mesmo que os não tenha ou for besteiro de cavalo, dê ao que com ele pousar um leito que se componha de um colchão de 2,20 m de comprido por 1,65 m de largo, de um cabeçal, dois lençóis e uma manta, todos estes últimos de acordo com aquelas medidas;

- o peão dará um tapete espesso, sobre o qual possa fazer-se a cama, uma manta e um lençol daquelas mesmas medidas. Mais roupa que seja filhada “seia logo tornada a seu dono assy bem sãa como a filhou E lhe pague mais cem reaes por nom guardar este mandado” (35). É a coima, por determinação do monarca.

7. Sintra e Torres Vedras, pertencentes à rainha, vêem, por este facto, privilegiados os seus moradores que servirão em actividades variadas a sua Senhoria, em detrimento do poder da Coroa. Insere-se tal facto no conjunto das cartas de imunidades que acima apontámos, a título de exemplo, e extensivas a lavradores, amos, caseiros, mordomos, apaniguados e outros que com ela vivam e amanhem suas herdades, quintas e casais ou andem oito meses continuadamente no mar, como sucede com zonas de pescado e isto, salienta o rei porque “Nos Recebemos delles gramdes serviços em nossas Rendas e a terra he abastada de mantimento ajnda por azo da dita piscadoria” (36). Mas, insista-se, estas vilas e seus termos, entre as outras que já apontámos, são administradas por mordomos da soberana que delas poderá dispor a seu bel-prazer, delas retirando os proventos necessários à manutenção da sua Casa senhorial (37).

É, essencialmente, por esta razão que não nos é dado ver avultado número de cartas de privilégios atribuídas a estas vilas. São muito pontuais:

- um sapateiro de Sintra, por ter servido no palanque, é isento de servir como besteiro do conto, em 28 de Junho de 1439 – ele é “amo de Diegalvarez Contador em na nossa Cassa do Ciujll por quanto foy na armada de Taanger E esteue no palanque atee o Recolhimento do Ifante dom Inrrique” (38) .

- João Gomes Pardal, morador na mesma vila, é monteiro e guardador de Vale de Lobos e da serra de Caneças, fica escusado, em 27 de Junho de 1450, do pagamento de impostos e da aposentadoria (39).

- João Garcia, residente em Sintra, é cabouqueiro ao serviço do monarca e, por isso, a 2 de Outubro de 1450, vê-se dispensado da solvência de impostos, de tutórias e curadorias, de ser incluído no rol dos besteiros do conto (e do monte) e de participar nas vintenas do mar, de ter cavalo e armas e da aposentadoria (40).

- Martinho Domingos que ai também reside, a pedido da duquesa da Borgonha, tia do rei, não se sabe por que razão, é privilegiado, em 21 de Julho de 1450, com a isenção de tributos que venham a ser lançados pelo concelho, de acompanhar presos e dinheiros, de desempenhar-se das tarefas de tutor e curador, de besteiro do conto e da aposentadoria (41).

- Lourenço Martins que vive na dita vila, é pintor, serve como tal o rei e é por este isento, em 16 de Dezembro de 1449, de todos os encargos, serviços e impostos lançados pelo concelho (42).

- João de Lisboa, notário que foi do Infante D. Pedro, roga ao rei, a autorização para um seu moço que mora em Sintra, poder andar em mula – tal é-lhe autorizado, em 2 de Setembro de 1450 (43).

- Álvaro Afonso que vive naquela vila, não se sabe o motivo mas é autorizado a trazer consigo armas de defesa, por carta de 23 de Abril de 1439 (44).

- a requerimento de Lourenço de Guimarães, escrivão da fazenda do rei, João Rodrigues, morador em Sintra, não se mencionando o motivo, é autorizado a deslocar-se em besta muar (45), por carta de 29 de Setembro de 1450.

- o mesmo sucedeu a Fernando Gil, por carta de 1450 (46).

- Vasco Anes, de Sintra, sapateiro, amo de Diogo Gonçalves, contador na Casa do Cível, é privilegiado com a isenção de besteiro do conto em 1439 (47).

- Álvaro Vicente, pedreiro, filhado pelo rei para trabalhar nas obras dos paços de Sintra é isento, por carta de 1 de Janeiro de 1451, com as escusas de solvência de impostos, de aposentadoria, de encargos concelhios, de tutórias e curadorias e de besteiro do conto (48).

Nos termos de Sintra, residem mais uns tantos privilegiados, a saber:

- João Anes e sua mulher, residentes em Cheleiros, que, em 10 de Setembro de 1450, são isentos do pagamento de impostos e, ele e seus filhos, do serviço militar (49).

- João Fernandes, de Colares, é passareiros do rei e, por diploma de 23 de Junho de 1451, é isento de impostos, do serviço militar, da aposentadoria e de conduzir presos e dinheiros públicos (50).

- Álvaro Serrado, também de Colares, como passareiro é do rei, vê-se privilegiado com os mesmos tipos de isenções, por carta de 21 de Junho de 1451 (51).

- Apaniguados de Vasco Martins de Resende, cavaleiro da Casa do rei, vivem no termo da vila de Mafra e são agraciados com inúmeros privilégios, por diplomas de 6 de Setembro de 1449 (52).

- Pedro Rool, morador em Mafra, é rural, caseiro e mordomo de João de Albuquerque, homem do conselho do rei que, por documento de 24 de Junho de 1450, se vê isento de conduzir presos e dinheiros, de ser tutor e curador, de ofícios concelhios e de besteiros do conto (53).
 

 

 

Moradores em Torres Vedras são outros, poucos, privilegiados. Assim:

- Fernando Esteves que, a pedido de João Fernandes, escudeiro do Infante D. Fernando é, em 14 de Junho de 1440, isento de aposentadoria  (54).

- João Martins, sapateiro, não será mais incluído no rol dos besteiros, a partir de 2 de Agosto de 1449 (55).

 

- Beatriz Lourenço e seu marido, João Domingues, porque vivem na mata do termo da vila, ficam isentos de aposentadoria, por carta de 9 de Agosto de 1450  (56).

- Brás Pires, a pedido de Martim Afonso de Miranda, rico-homem, membro activo do conselho do rei, não terá, desde 8 de Dezembro de 1450, gente sua, posta por besteiros do conto, nem jurados nem vintaneiros (57).

- Diogo Rodrigues, servidor que é de João Vaz, cavaleiro da Casa do rei e seu secretário, será agraciado pelo monarca, em 12 de Abril de 1451, com a isenção de besteiro do conto (58).

- João Anes Galhardo, besteiro de cavalo do rei, recebe carta de aposentação, em 14 de Setembro de 1451 “que he de sateenta e três anos. E que fora na tomada de Cepta” – assim, será riscado do número e conto de outros besteiros de cavalo; não servirá por mar nem por terra mesmo em guerra e fica isento de encargos concelhios (59).

- Lourenço Martins, sem que se saiba por que motivo, fica isento do cargo de besteiro, por alvará de 1451 (60).

- Pedro Anes, serviçal de Rui Galvão, secretário e cavaleiro da Corte, porque é criado deste e enquanto o for, será excluído do rol dos besteiros, por carta de 1 de Março de 1451  (61); 

Do termo de Torres, da Freixufeira, é João Anes, escusado, desde 12 de Abril de 1439, do serviço de Ceuta “por quanto hé padre de Martjm Rodriguez moço da Capeella do Infante dom Fernando meu tyo” (62).

Do Ameal, termo de Torres Vedras, é Luís Anes, amo de Brás Afonso, escrivão do arcebispo de Braga, que, a partir de 14 de Fevereiro de 1450, fica escusado de servir nos encargos do concelho e sai do número dos besteiros (63).

Finalmente, do Turcifal, também nos termos de Torres Vedras, são: 

- Pêro Folgado que, a pedido de Álvaro de Castro, fidalgo da casa do Infante D. Henrique, para vigorar enquanto com ele viver, se vê agraciado, por carta de 20 de Julho de 1450, com isenção de encargos e servidões do concelho e de besteiro do conto (64).

- Nuno Gonçalves, porque é besteiro de cavalo ao serviço do rei, é privilegiado, por carta de 18 de Abril de 1451, com as isenções de serviço militar, de pagamento de impostos, de aposentadoria, de conduzir presos e dinheiros, de encargos concelhios e de ter cavalo e armas para serviço régio (65).

- Leonor Gonçalves, viúva de Nuno Rodrigues que fora vassalo do rei, mantém, por carta de 28 de Junho de 1451, os privilégios e liberdades do marido, enquanto mantiver sua honra  (66), ou seja, enquanto não voltar a casar.

 

 

Tratámos aqui, exclusivamente, de matéria respeitante a privilégios e com uma maior incidência no século XV. Não o fizemos por acaso.

No privilégio está o garante da observância da institucionalização dos órgãos próprios das terras sobre que recai. Sintra, Torres Vedras e os termos de ambas – ainda Santarém, Almada, Palmela e Alcácer – passam a ser tidas como vilas de grande importância estratégica para a defesa de Lisboa, como capital do Reino e, por isso, centro administrativo, e ainda pelo seu valor económico e social. Áreas em que a alta nobreza e o alto clero secular e regular se encontravam mais perto do rei, da corte e com uma maior acessibilidade aos órgãos de poder. Cada cidade ou vila, em termos de arredores de sua jurisdição teria 20 milhas, portanto, bem perto de um perímetro de 33 Km. Não basta saber-se, tendo em conta estes dados, que o rei aí pousará e delas fará seus paços. O modo de tratamento que, daqui por diante, estas vilas sofrerão, será de maneira a tirá-las do anonimato e dar ao historiador e ao curioso em História, elementos de estudo firmes na prossecução do que se relata acerca das vilas da Rainha e da Coroa. E Sintra virá a ser, daí por diante, especialmente, bem acarinhada pelos nossos monarcas que nela permanecerão, dimanando para todo o Portugal, suas ordens, e dele seus agravos, pensando com os do seu Conselho, detendo-se nas queixas que lhe chegam de todo o lado e dando as suas respostas – é esta a documentação que hoje constitui as nossas Chancelarias e Actas e Capítulos Especiais de Cortes e que não são mais do que a História de Portugal, na magnificência das fontes.

O seu estudo, a sua minuciosa, criteriosa e preocupada leitura, a publicação das mesmas pelo Centro de Estudos Históricos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dirigido há anos por João José Alves Dias, e assessorado financeiramente, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, presidida por João Sentieiro, têm dado um dos maiores contributos para a difusão do conhecimento na área em causa e noutras que lhe são laterais, mas imprescindíveis.

 

 

Fala-nos D. Duarte de que, em Sintra, havemos “assaz de folganças e desenfadamentos de montes e caças”. Posterior é a feira franqueada, do tipo da de Tomar (1420), fundada em 1460, anual, de cinco dias, a começar dois dias antes da festa de Santo António, e a acabar dois dias depois, dada por D. Afonso V e confirmada por D. Manuel I, em 1497. Na vila de Torres Vedras já se conhecia feira do tipo de Ourique, desde 1293, uma vez por ano, e com a duração de 30 dias, de 1 de Maio a 1 de Junho. Virgínia Rau considera; “se o seu conteúdo é semelhante ao de tantas outras cartas de feira que conhecemos, ela constitui uma excepção pelo facto de ser a única, neste reinado, em que expressamente se consignam a alguém os rendimentos da portagem e direitos da feira que usualmente revertiam em proveito da coroa”.

Mas mesmo sem feira, Sintra coadunava-se com o que trouxera o advento da dinastia de Avis – um intenso interesse pelas justas e torneios, no lançar a tavolado e a montaria. Entretinham-se, assim, as rodas palacianas com as saborosas aventuras da caça, numa técnica que se aprendera nos livros, e nas matas sintrenses se punha em prática. A alveitaria, nestes casos, pressupunha a caça com o falcão e a montês. Eram artes tipicamente aristocráticas de feição moderna, de acordo com os hábitos que despontavam na centúria de Quatrocentos.

Também a ermida era o espaço privilegiado do encontro amoroso, fazendo parte dos folguedos a que se refere o soberano. As figuras que, neste quadro, se destacam e que, naturalmente, se relacionam com o ambiente, o cenário, de uma maneira especial representam hoje toda uma vivência que é característica de uma comunidade rural.

A ermida é o local, por excelência, da festa, do espectáculo, do teatro de que o jogral medievo era o metteur-en-scène. É o local onde vão em romaria grupos de gentes, de povo, principalmente, que se dirigem para junto de um santo, pagando-lhe promessas, procurando obter favores… e vão para a festa, a festa no sentido que lhe dão Bakhtine e Huizinga. O lugar de arraial em referência também era o local, por excelência, de encontro para o derrete e o comércio. É o domínio onde a mulher pode deslocar-se para fora do seu âmbito doméstico quotidiano. Na romaria, ela também está presente, não necessita de ninguém para se deslocar e, contraditoriamente, move-se em grupo. É a festa popular.

Os ex-votos, as candeias que se queimam, as promessas… são paralelas à dança, ao canto, à folia, aos encontros de namorados. É também o facto de o sagrado ser pretexto para o profano que faz com que encontros amorosos e amigais sejam duplos: obtêm-se graças, e garante-se o ciclo da fertilidade dos campos e das mulheres – no local sacro, a fertilidade é propiciada e, por isso, é sobretudo ai que o encontro amoroso humano se dá, com a bênção do amor divino.

Como as gentes que as habitam, as vilas referidas têm o seu cheiro, espelho do que produzem para consumo próprio e venda. Cheiram a frutos vários: laranja, maçã, coloridas cerejas, a limão e a pêra madura e parda. Outras a vinho e doces; ainda outras, a peixotas, a sardinhas e outro pescado mais abundante naqueles mares revoltos cruzados por frágeis barcas para as quais trabalharam rendeiras e arpoeiros.

 

 

ANEXOS

  Doc. 1 - “Prujllegios de Sintra
 

Dom Eduarte ect. A quantos esta carta virem fazemos saber que consiirando nos como vijmos a esta villa de Sintra mujtas uezes teer alguuns ueraãos E assy creemos que o farom. Os Reis que depôs de nos vierem por acharmos a terra de muy boons aares e agoas e de comarcas em que há grande auondança de mantijmentos de mar e da terra E por a nossa muy nobre e leal cidade de lixboa seer a tam acerqua E que [rer] mos em ella assaz de folganças e desenfadamentos de montes e caças E por termos em ella nobres paaços de muy espaçosa ujsta E veendo que por aazo de nossas estadas os moradores da dicta ujlla e seu termo recebem alguus noios e perdas em alguas suas cousas que geeralmente se nom podem escusar em pumares e ujnhos E ajnda nas pousadias posto que elles aiam outros proueitos dos mantijmentos que uendem mjlhor por aazo da nossa estada Porende querendo dar liberdade special aos moradores da dicta ujlla fazendo lhe graça e mercee por aazo de a mjlhor pobrarem Teemos por bem e mandamos que daquj en diante seiam escusados e preujligiados que nom uãao serujr a nenhuas partes per mar nem per terra mais que ataa XX legoas Outrossy escusamos os moradores dellas que nom seiam constangidos pêra teerem cauallos nem alguas armas E os que som aconthiados mandamos que os nom constrangam mais daquj en diante que as tenham nem pareçam em alardo E esto queremos que se entenda em todos aquelles que dentro na dicta ujlla morarem e teuerem em ella casa e fazenda Roupa e alfayas e hi ujuerem a moor parte do anno Reseruando os nossos uasallos e beesteiros de cavallo que per nossos priujllegios e liberdades que teem em speçial queremos que nos siruam como ata aqui faziam Porem mandamos a todollos juízes e justiças e a outros quaaesquer a que esto perteencer que assy lhe guardem a todos os sobredictos moradores de Sintra as dictas liberdades e priuilegios como suso he declarado sem lhes poerem sobre ello outra nehua duujda nem embargo em nehua guisa que Seia Outrossy nos praz que daquj en diante se tenha esta maneira em darem a Roupa os moradores deste lugar e do termo a saber o que for de conthia pera cauallo ou beesta da garrucha posto que nom tenha ou for beesteyro de cauallo tal como cada huu destes de ao que com elle pousar huu almadraque de uara e meã em ancho e duas em longo e huu cabeçal e dous lemçooes e hua manta todo da grandeza suso scrita Jtem o que for de conthia de piom de hua almocela e hua manta e huu lençol da medida suso scprita. E dando os sobredictos desta roupa pella guisa que suso he declarado mandamos que posto que mujta mais tenham de seu serujço ou sua de guarda que lhe Seia tomada aos moradores da dicta ujlla e seu termo que estas camas assy hordenadas nom teuerem pêra as darem aquelles a que suas pousadas forem dadas que entam elles lhes possam tomar Roupa que lhes acharem aquella que lhes prouuer pera dormjrem em ella E mandamos que per todo termo nom Seia filhada nehua Rroupa saluo aquella que for dada pollo vintaneyro E qualquer que o filhar que Seia logo tornada a seu dono assy bem como o filhou E lhe pague mais cem reaes por nom guardar este mandado Dante em Sintra xxiiij dias de Julho afomso Cotrim a fez era de mjl iiijc xxxbj annos”. 

(IAN/TT, Chanc. de D. Duarte, l.º 1, fl. 210v. O doc. presente insere-se na carta de confirmação de 1439, de 4 de Setembro e está na de 4 de Fevereiro de 1497, na Chanc. de D. Manuel I, l.º 29, fl. 80 e, em leitura nova, Estremadura, l.º 2, fl. 278v).

 

  Doc. 2 - “agrauos dos moradores de mafora corrigidos por el rei.
 

Dom Fernando pella graça de deus Rey de Portugal e do algarue. A quantos esta carta virem fazemos saber que Lopo diaz de sousa Ricomem nosso uasallo por ssy e por Lopo diaz seu sobrinho Filho daluaro diaz seu jrmãao Já passado nos dise que elles recebiam grandes agrauos na villa de mafora e da Ericeira que som suas e em seus termos assy de nos como de alguus nossos officiaaes e outros de nosso senhorio dizendo que a dicta vila de mafara fora dada e outorgada por el rrey dom denjs com a Raynha dona Jsabel sua molher e com o Iffante dom Afonso seu filho que depois foe rey de Portugal nosso auoo Com todos seus termos e com todas suas perteenças e heranças e com todo senhorjo e djreito e jur Real que o dicto rey auja e de djreito deuja dauer a dona Maria davoym em scambo e per maneyra descambo polla villa e castello de Portel e por outros lugares contheudos no dicto scaymbo o qual rey dom denjs por ssy e por seus herdeyros e sucesores coutou a dicta villa de mafora com todos seus termos aa dicta dona Maria e a seus herdeiros e sucesores […] E que os homens da dicta villa e seus termos fossem coutados pêra todo sempre que nunca fossem em hoste nem em fosado nem serujsem em nehua guisa per mar nem per terra o dicto rey nem seus sucesores nem fosem theudos de serujr seno tam soomente aa dicta dona Maria e a seus sucesores […] E dizia o dicto Lopo diaz que a dicta dona Maria davoym ouue a dicta villa de mafora com todos seus termos pollo dicto scaymbo assy coutada e defesa e emparada pella dicta guisa em toda sua vida. E depois de sua morte dom diegafomso de Sousa com dona Violante sua molher padre e madre del dicto Lopo diaz e auoos de dicto Lopo diaz seu sobrinho socederom e ouuerom a dicta ujlla de mafora com todos seus termos assy coutada e Jssenta e os moradores della e de seus termos pella guisa que a dicta dona Maria auja per titollo de herança e doaçam […] E dizia o dicto Lopo diaz que ora elle e o dicto seu sobrinho secederam a dicta villa com seus termos per titulo de herança pella gujsa que a os sobredictos aujam como seu filho e neto lídimos e herdeyros dos seus beens E que ora recebiam na dicta villa e seus termos assy per nos como pollos nossos officiaes como dicto he mujtos agrauos contra o dicto scaymbo e priuyllegio de coutos os quaaes agrauos dizia o dicto Lopo diaz que eram estes que se adiante seguem. Item primeiramente dizia que elle e o dicto seu sobrinho eram agrauados per Lançarote peçanha nosso almjrante que deu suas [cartas] a alguns pescadores da eiriceira termo da dicta villa de mafora em que fazia hi alcaide dos homens do mar o que hi nunca ouuera nem deuja dauer […] E pedia nos por mercee que mandasemos que daquj en diante nom aia no dicto logo alcaide dos dictos homens do mar per o dicto almjrante nem per nehuu outro nosso almjrante nem official. E Nós vistos os dictos priujllegios com os do nosso conselho […] qurerendo lhe fazer graça e mercee Teemos por bem e mandamos e defendemos ao dicto nosso almjrante e a outro qualquer que o depois del for e a outro qualquer nosso official que daquj en diante nom ponha alcaide nehuu do mar no dicto logo E se hi ora sta posto alcaide alguu do mar no dicto logo E se hi ora sta posto alcaide alguu per o dicto almjrante ou per alguu outro nosso official Mandamos lhe e defendemos lhe que nom obre mais desse officio nem huse del. Outrossy dizia o dicto Lopo diaz que recebia el e o dicto seu sobrinho agrauo de Joham gonçalluez nosso anadel moor dos beesteiros do conto E dos homens do mar que chegou aa dicta vila de mafora e a seus termos e per nosso poder e autoridade fez hi beesteyros do conto […] Outrossy […] recebiam grande agrauo do dicto joham gonçallvez nosso anadal dizendo que o dicto anadal chegou ao dicto logo aa eiriceira termo e perteenças da dicta villa de mafara e fez hi vintenas dos homens do mar e vintaneiros delles os quaaes dizia que nunca hi ouue nem deuia dauer per uirtude e poder das dictas cartas e priujllegios dos dictos scaymbos e coutos E dizia que assy os dictos homens do dicto logo como os beesteiros do conto que asy fez o dicto joham gallees e seujram allo na frota de que de djreito deujam seer scusados […] Pella qual razam e serujdam que assy serujrom na dicta frota as herdades e pescarias do dicto logo da Ericeira carecerom da renda e nom renderam o que deujam render [,,,] teemos por bem e mandamos ao dicto nosso anadal moor e a outro qualquer que o for depôs del que daqui a diante nom faça vintenas no dicto logo dos homens do mar nem vintaneyros delles E se ora hi ha vintenas dos dictos homens do mar ou vintaneiros mandamos e defendemos que os nom aia hi nem obrem mais desses officios E demais mandamos e defendemos que daquj em diante os moradores do dicto logo de mafora nem da eiriceira nem dos outros lugares dos seus termos nom seiam constrangidos pera hir serujr a nehuus lugares per mar nem per terra nem pera fazer a nos nehua servjdam Ca todos auemos per scusados E que seiam daqui adiante coutados e jssentos segundo mais compridamente nas dictas cartas descambo e no priujllegio dos dictos coutos he contheudo […] Dante na cidade de lixboa xxbiij dias dagosto el rrey o mandou per fernã martjnz seu vassallo vaasqueanes a fez era de mjl e iiijc ix annos”. 

(IA/TT., Chanc. de D. Fernando I, l.º 1, fl. 80v.)

 

  NOTAS
 

1 Acerca do foral de Sintra, vejam-se os Bens de próprios de Reis e Rainhas, l.º 1, fl. 41v; Forais antigos, maço 1, n.º 11; os Portugaliae Monumenta Histórica a saeculo VIII post Christum usque ad XV issu Academiae Scientiarum Olisiponensis edita. Leges et Consuetudines., Vol. I.. Lisboa, Typis Academicis, 1856, pp. 383 e ss. Francisco Costa, O Foral de Sintra (1154), publ. Pela Câmara Municipal de Sintra, 1976 e documentação aí aduzida e João Silva de Sousa, “Os forais de D. Afonso Henriques no contexto dos direitos público e internacional público”, in Actas das Jornadas sobre o Município na Península

2 Vide doc. 1 em anexo.

3 IANTT, Gaveta 17, maço 8, n.º 4. Bibliothèque National de France, Ms. De Baluze, arm. 8, cx. 6, n.º 2.

4 IAN/TT, Gaveta 17, maço 1, n.º 14; Chanc. de D. Duarte, l.º 1, fl. 113v; l.º 3, fl. 46v; Reis, l.º 1, fl. 65. Nos termos do contrato de casamento datado de 1428 entre o infante D. Duarte e a infanta D. Leonor, esta teria, enquanto princesa e na constância do casamento, apenas uma parte das vilas da falecida D. Filipa de Lencastre. Eram elas Alenquer, Sintra, Óbidos, Alvaiázere, Torres Novas e Torres Vedras. Ao subir ao trono, a rainha D. Leonor receberia a outra parte. Consideradas as duas fracções por D. João I, D. Leonor, naquela data, vem a preferir as três primeiras vilas. Em 11 de Janeiro de 1435, como rainha, recebe mais as vilas de Alvaiázere, Torres Novas e Torres Vedras: “Item, porque em hum dos capytollos desuso dytos já […] amtre as dytas partes ffyrmados, se comtem que da dyta comarca que tynha a senhora rraynha dona Fellypa, que som as vyllas dAllamquer, Simtra, Obydos, Alluajazer e Torres Novas e Torres Vedras e outras quaesquer vyllas e llugares e herdamentos e rremdas dellas, que há dyta senhora rraynha tynha em câmara, sejam ffeytas duas partes, per o dyto senhor rrey de Portugal ou per quem elle mandar; e asy ffeytas, a dyta jfamte ouuesse e escolhese pêra sy  quallquer parte delas, qual ella mays queyra, e aquella parte que ella escolhera lhe será dada em câmara e aquella aja e tenha tamto quamto será jffamte; e que, lloguo, querendo Deus, prazerá que seja rraynha, que, per aquell mesmo ffeyto, sem quer outra doaçom nem prouysom algua, ouuesse jmteyramente a dyta câmara que havya e tynha a dita senhora rraynha dona Felypa e lleue pêra sy as remdas, emollymentos e proueytos della e admenystraçam della; de presemte, o dyto senhor rrey de Portugaall ffaz a dyta diuysam em duas partes, conuem a saber: Torres Novas e Torres Vedras e Alluayjazer, por hua parte, e a outra parte Allamquer e Symtra e Obydos. E a dyta senhora jffanta toma, escilhe, por sua parte, as dytas vyllas dallamquer, Symtra e Obydos”. Vide Monumenta Henricina, vol. III, Coimbra, 1961, pp. 268-269, doc. 128, cap. 11.

5Vide Bens próprios de Reis e Rainhas, l.º 2, fls. 23 e ss. e Portugaliae Monumenta Histórica, Leges et Consuetudines, tomo I, pp. 635 e ss..

6IAN/TT, Gaveta 14, n. º 6, n. º 31; punl. In Portugaliae Monumenta Historica, Leges et consuetudines, tomo 1, pp. 620 e ss..

7. João Silva de Sousa, art. cit., in Actas cits., no prelo.

8 Vejam-se os excertos que publicamos em anexo, doc. 2. Referimos aqui os que se relacionam com a nomeação de alcaides dos homens do mar e o apuramento de vintenas e vintaneiros dos ditos homens da Ericeira. IAN/TT, Chanc. de D. Fernando, l.º 1, fl. 80v.

9 IAN/TT., ibid., l.º 1, fl. 80v..

10 Tenha-se em atenção o foral de Setúbal, exemplarmente estudado pelo Dr. João Costa, do Centro de Estudos Históricos da universidade Nova de Lisboa, a aguardar verba para a sua publicação.

11 IAN/TT, Odiana, l.º 6, fl. 235v e Chancelaria de D. João I, l.º 2, fl. 130v, documento ainda de 31 de Agosto de 1396.

12IAN/TT, Chanc. de D. João I, l.º 5, fl 110; .º 1 de Reis, fl. 132v.

13IAN/TT., Odiana, l.º 4, fl. 278v.

14IAN/TT., Chanc. de D. joão I, l.º 4, fl. 99.

15 IAN/TT., ibid., l.º 4, fl. 99v..

16IAN/TT., ibid., l.º 4, fl. 99v.

17IAN/TT, Chanc. de D. Manuel I, l.º 29, fl. 103v, inserta na carta de confirmação de 30 de Março de 1497..

18IANTT, Chanc. de D. Duarte, l.º 3, fl. 11.

19IAN/TT., Odiana, l.º 4, fl. 278.

20IAN/TT, Chanc. de D. Afonso IV, lº. 2, fl. 31

21IAN/TT., Colecção Especial, cx.ª 31, n.º 24. São aqui mencionados 79 nomes.

22IAN/TT., Chanc. de D. Pedro I, fl. 111. Carta atribuída a pedido do concelho e homens-bons de Esgueira que alegavam ter ficado desamparada a dicta barca em virtude da morte do barqueiro pela peste.

23IAN/TT, Colecção Especial, cx.ª 31, n.º 1. Esta carta é atribuída nos termos ditados por D. Dinis, quando povoou o citado lugar e de que sempre tinham estado de posse em tempo deste rei, de D. Afonso IV e de D. Pedro I.

24Indispensáveis a qualquer estudioso do privilégio medieval são as obras e os estudos que, entre outros, passamos a discriminar; Damião Peres, História dos Moedeiros de Lisboa como classe privilegiada, vols. I e II, Lisboa, 1964-1965; Iria Gonçalves, “Privilégios de Estalajadeiros Portugueses (séculos XIV e XV)”, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, III Série, n.º 11, 1967; Virgínia Rau, “Privilégios e Legislação portuguesa referentes a mercadores estrangeiros (Séculos XV e XVI)”, in Estudos de História, I Vol., Porto, ed. Verbo, 1968, pp. 131-173; Humberto Carlos Baquero Moreno, “Privilégios concedidos pelo Infante D. Pedro aos besteiros do Conto (1440-1446)”,. In Brácara Augusta, tomo XXXI, Jan.-Dez., 1977, pp. 5-32. De João Silva de Sousa, podem consultar-se “Privilégios singulares e colectivos concedidos a algarvios ao século XV (elementos para o seu estudo)”, in Actas das 1.as Jornadas da História medieval do Algarve e da Andaluzia, Loulé, 1988; “Tutórias e Curadorias (achegas parta o estudo da tutela e administração dos bens de menores e inabilitados na Idade Média”), in Arquipélago. Revista da Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 1982; “Dos  Privilégios outorgados por D. Afonso III (1252-1273)”, in Atlântida, Angra do Heroísmo, 1982; “Das autorizações de porte de armas e de deslocação em besta muar em meados do século XV”, in Estudos de História de Portugal Vol.I – séculos X-XV, Lisboa, ed. Estampa, 1982.

25Gabinete de História da Cidade do Porto, Pergaminhos, vol. 6, doc. 23; IAN/TT, Chanc. de D. Afonso V, l.º 18, fl 41v, de 18 de Fevereiro de 1439.

26IAN/TT, Chanc. de D. Afonso V, l.º 20, fl. 20.

27IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 135v..

28IAN/TT., ibid., l.º 8, fl. 289v..

29IAN/TT, ibid., IAN/TT., ibid., l.º 12, fl. 52v e Chanc. de D.Manuel I , l.º 30, fl. 84; Odiana, l.º 1, fl. 1, fl. 31v..

30IAN/TT, Chanc. de D. Afonso V, l.º 35, fl. 96.

31IAN/TT, ibid., l.º 11, fl. 119..

32IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 48.

33IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 105.

34 Veja-se, em anexo, o nosso doc. 1.

35IAN/TT, Chanc. de D. Duarte, l.º 1, fl. 210v. O documento presente insere-se na carta de confirmação de 4 de Setembro de 1439 e v

36Veja-se, por exemplo, IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, l.º 34, fl. 191v..

37Há uma carta de privilégios muito específica, atribuída aos rendeiros, em geral, da rainha D. Isabel, mulher de D. Afonso V e que data de Évora, de 4 de Abril de 1430. Por esta guardam-se-lhes os privilégios, liberdades e honras que têm os rendeiros do rei, enquanto o forem. Realça-se a isenção de encargos régios e concelhios, prevenindo-se as gentes da intromissão que era proibida por parte dos homens-bons dos concelhos na vida laboriosa delas que se encontravam afectas à Rainha de Portugal. Cf. Chanc. de D. Afonso V, no Arquivo cit., l.º 34, fl. 83.

38IAN/TT, ibid., l. 19, fl. 53.

39IAN/TT., ibid.,, l.º 11, fl. 95.

40IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 6v..

41IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 127.

42IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 169;

43IAN/TT., ibid.,l.º 11, fl. 97;

44IAN/TT, ibid.,  l.º 18 , fl. 56v.

45 IAN/TT., ibid., l.º 37, fl. 127.

46IAN/TT, ibid., l.º 34, fl. 42v.

47IAN/TT., ibid., l.º 19, fl. 53.

48IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 171v.

49 IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 167 v..

50IANJ/TT, ibid., l.º 11, fl. 85v.

51IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 85v.

52IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 157.

53IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 26 v.

54IAN/TT., ibid.,  l.º 20, fl. 70v.

55IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 22v.

56IAN/TT, ibid., l.º 11, fl. 139v..

57 IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 14.

58IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 49.

59IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 145v..

60IAN/TT., ibid.,  l.º 11, fl. 123v.

61IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 9

62IAN/TT., ibid., l.º 18, fl 45.

63IAN/TT., ibid., l.º 34, fl. 107v..

64IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 100v.

65 IAN/TT., ibid., l.º 37, fl. 38v..

66IAN/TT., ibid., l.º 11, fl. 106v..

   
 

 

João Silva de Sousa (Portugal)
Professor de História Medieval do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e
membro da Academia Portuguesa da História

 

 

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