REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 06

 

 

 

 

 

 

O presente trabalho aborda a literatura utilizada como crítica social, na obra o escritor boliviano Víctor Montoya, que deu seu depoimento em forma de conto. Além disso, o escritor registrou o sofrimento e a vitória do povo que não se rendeu à força ditatorial que imperava em seu país de origem na década de 1970. Para a realização do trabalho, lançamos mão de conceitos relativos à teoria literária do gênero utilizado pelo escritor, o conto, além de recuperarmos panoramicamente aspectos sobre a Bolívia e suas particularidades e sobre o próprio autor dos contos.

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
Série Anterior  
Índice de Autores  
Nova Série | Página Principal  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
TriploV  
Agulha Hispânica  
Arditura  
Bule, O  
Contrário do Tempo, O  
Domador de Sonhos  
Jornal de Poesia  
   

 

HELENA CRISTINA OLIVEIRA BARRADAS DE SOUZA

 

A ditadura boliviana apresentada em alguns contos de
Víctor Montoya 

 

 
 
 
 
 
 
 
 

Introdução 

Esta pesquisa, por meio da análise de alguns contos do escritor boliviano Víctor Montoya (1958), observou aspectos teóricos sobre o estilo utilizado pelo escritor e destacou a forma como a literatura foi empregada para denunciar as tragédias que ocorreram na época da ditadura boliviana, ocorrida entre os anos de 1971 e 1978, sob o regime do General Hugo Banzer Suárez (1926-2002).

Este tema foi escolhido, dentre outros fatores, devido ao pouco conhecimento das produções de Montoya no Brasil; esse aspecto, apesar de dificultar a pesquisa, uma vez que não há bases específicas nas quais possamos nos apoiar, torna-a muito interessante, já que é um campo pouco explorado e possibilita interpretações das mais diversas sem incorrer em repetições.

Outro elemento interessante e motivador dessa pesquisa é que Montoya é vivo; isso proporcionou uma visão singular sobre a ditadura e sobre o papel da literatura em suas obras, o que contribuiu para a interpretação de seus contos, além de possibilitar o contato direto com o autor.

Este artigo consta de quatro partes, de acordo com os tópicos do trabalho final de nossa Iniciação Científica, conforme especificamos a seguir: 

Tópico Primeiro: “Montoya: vida e obra” – Procuramos, nesta parte do trabalho, expor um pouco sobre a vida de Víctor Montoya, citar suas obras e também destacar o tipo de personagem que ele pode assumir em seus contos. 

Tópico Segundo: “A História como-peça-chave nas narrações de Montoya” – Neste tópico, buscamos apresentar dados históricos que possam ter motivado Víctor Montoya a escrever seus contos. Ressaltaremos algumas peculiaridades sobre a Bolívia, sua história, geografia e política, a fim de observar alguns dos fatores que possam ter influenciado a vida e a obra do autor. 

Tópico Terceiro: “Gênero Narrativo: Conto” – Neste tópico, explanaremos alguns conceitos relativos ao conto como um gênero narrativo peculiar; tais conceitos serão utilizados nas análises constantes do último tópico. 

Tópico Quarto: “Um mergulho analítico e interpretativo nos contos de Víctor Montoya” – Neste tópico final, serão apresentadas as análises dos contos trabalhados, obedecendo à seguinte ordem: 

- “El encapuchado” (1991)

- “Confesiones de un fugitivo” (1996)

- “Me podrán matar, pero no morir...” (1991) 

Acrescenta-se que os contos mencionados foram encontrados na 2ª edição da coletânea “Cuentos Violentos” (2006), lançada pela Ediciones Luciérnaga, na Suécia. Além dos três selecionados, a coletânea traz também os seguintes contos: “El tablero de la muerte”, “La letra con sangre entra”, “La muerte de Carmelo”, “El programa”, “Frente al pelotón de fusilamiento” e “Días y noches de angustia”, sendo esse último o mais extenso.

Como a obra que compõe nosso corpus ainda não possui tradução para o português, as citações extraídas dos contos de Víctor Montoya serão feitas em espanhol. A versão original do trabalho continha como anexos os contos utilizados. Para este fim – publicação como artigo, os anexos foram suprimidos.

O intuito principal ao iniciarmos a pesquisa foi trazer algo novo para que pudéssemos não somente conhecer, mas também apreciar uma obra original, com aspectos biográficos e com uma carga histórica relevante.

Os contos foram escolhidos devido à verossimilhança histórica e também por serem textos que, embora curtos e pertencentes ao mesmo estilo narrativo, possuem características singulares, que os diferenciam uns dos outros. Possuem uma estrutura simples, mas englobam muitos aspectos teóricos, os quais relacionaremos nos itens mais adiante.

 

 

1. VÍCTOR MONTOYA: VIDA E OBRA

 

Víctor Montoya nasceu em La Paz, Bolívia, em 21 de junho de 1958. Quando criança, viveu nos municípios de Llallagua e Siglo XX, povoados mineiros situados no departamento de Potosí, Bolívia. Durante sua adolescência/juventude, foi representante estudantil e esteve engajado na luta contra a opressão ditatorial do general Hugo Banzer. Montoya foi perseguido, torturado e mandado ao Presídio Nacional de São Pedro, em 1976, por conta de suas atividades políticas. Esteve no campo de concentração em Viacha até que, em 1977, foi favorecido por uma Campanha de Anistia Internacional e se exilou em Estocolmo, na Suécia.

Até hoje vive naquele país, onde se dedica à área da educação. Formou-se na Escola Superior de Estocolmo, onde também fez alguns estudos de especialização. Foi professor durante alguns anos; deu aulas de quéchua em institutos suecos, foi o coordenador de projetos culturais, organizou oficinas de literatura infantil e colaborou com algumas publicações na América Latina, Europa e nos Estados Unidos. Também é membro da Associação de Escritores Suecos e do PEN-Club International. Fundou e dirigiu a revista “PuertAbierta” (1982), que se destinava aos escritores latino-americanos que se encontravam no exílio, y la revista literaria “Contraluz”.

Até hoje vive naquele país, onde se dedica à área da educação. Formou-se na Escola Superior de Estocolmo, onde também fez alguns estudos de especialização. Segundo o jornal boliviano Primera Plana, edição de 25 de outubro de 1992, Víctor Montoya “sobrevivió al horror de una dictadura militar, [...] convivió con necesidades y soportó elementales carencias”. Ao sair desse contexto, Montoya decidiu escrever sobre o que viveu e viu e difundir o conhecimento sobre o que há por trás das cortinas do regime ditatorial: prisões, torturas, mortes, violações aos Direitos Humanos; atos subumanos inaceitáveis e tão presentes na história de alguns países latino-americanos, como Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai.

Manuel Cabesa (2008), em artigo escrito em junho de 2008, afirma que Montoya é o “primer autor boliviano realmente contemporáneo” de que se tem notícia. As obras de Montoya edificam “la voz de una realidad histórica oprimida y silenciada”, já que “los medios tradicionales de lectura histórica oficial ofrecen una historia de defensa, de impunidad y de autoprotección”, ressalta Frida Oswald em Ficción y realidad histórica en la narrativa de VíctorMontoya (s.d.). Montoya é autor de várias outras obras – romances, contos e ensaios – tais como: “Huelga y represión” (1979); “Días y noches de angustia” (1982); e “Cuentos Violentos” (1991), lançado novamente em 2006, dentre outros.

 

 

2. A HISTÓRIA COMO PEÇA-CHAVE NAS NARRAÇÕES DE MONTOYA 

Como já apontamos na Introdução, a presente pesquisa é baseada em alguns contos de Víctor Montoya. A escolha dos contos do autor se deu porque são textos curtos que apresentam o relato de fatos e experiências ocorridas durante a ditadura, na gestão presidencial do General Hugo Banzer Suárez, na década de 1970, na Bolívia. Ao trabalhar com esses contos, constatamos a necessidade de apresentar alguns dados geográficos, políticos e históricos do período em questão. Desde já esclarecemos que recolher tais informações não foi uma tarefa simples. Foi realizada uma busca na Bolívia por materiais didáticos relacionados ao tema4, mas, como a maioria dos bolivianos ainda se recusa a recordar amargos momentos como aqueles, não obtivemos resultados que pudessem embasar de uma maneira mais concreta esta pesquisa. No entanto, recorremos à Internet, além de alguns livros que foram encontrados na biblioteca da UNESP, em Marília, para que pudéssemos obter um suporte mais amplo e abrangente sobre o país natal do autor, país que também é cenário dos contos.

Embora não tenhamos encontrado muitos títulos referentes ao tema, nossa pesquisa sobre os contos não foi prejudicada, já que a intenção, ao reunir informações sobre o período foi dar a conhecer um pouco do país e oferecer um contexto panorâmico do momento histórico.

 

 

2.1 Geografia, História e um pouco de Política 

A Bolívia é um país situado na América do Sul, que faz fronteira com os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Peru e Paraguai. O país é dividido em 9 (nove) departamentos, que são: Beni, Chuquisaca, Cochabamba, La Paz, Oruro, Pando, Potosí, Santa Cruz e Tarija.

Cada departamento está dividido em províncias e, desde 1995, com a lei de Descentralização Administrativa, os departamentos adquiriram maior autonomia. Por desejarem uma maior liberdade na escolha de seus governantes, as regiões mais ricas do país (Beni, Pando, Santa Cruz e Tarija) têm pressionado o governo para que possam fazê-lo à maneira de uma federação (como acontece no Brasil). Assim como grande parte dos países latinos, a Bolívia foi colonizada pela Espanha e, somente em 1825, com Simón Bolívar, conseguiu tornar-se independente. Devido à sua colonização, o país possui mais de um idioma oficial: o espanhol, o quéchua e o aimara; a divisão idiomática é reflexo também das raças que povoam o país: 30% de quéchuas, 25% de aimarás, 15% de ameríndios e 15% de europeus ibéricos; os outros 15% correspondem às outras raças.

 

 

2.2 Banzer e a Ditadura 

O General Banzer nasceu em 1926 e veio a falecer em 2002. Nasceu em Santa Cruz de la Sierra, mas tinha ascendência alemã, já que seu pai era originário desse país.

A ditadura na Bolívia se passou entre os anos de 1971 e 1978 e, como dito anteriormente, foi exercida pelo General Hugo Banzer Suárez, que já havia sido Ministro da Educação durante o Governo do General René Barrientos, como apontam as obras Um Novo Caminho para a América Latina (1993) e O Estado Militar na América Latina (1984), de Casas e Rouquier, respectivamente.

Banzer subiu ao poder devido a um golpe organizado em Buenos Aires, em parceria com Víctor Paz Estenssoro e Mario Gutierrez. Após assumir a presidência, Banzer retomou a política da “mão firme”, que foi exercida por Barrientos em seu governo, para sobrepor-se à oposição e manifestações. Em 1974, Banzer endureceu o regime, tornando-o declaradamente militar (CASAS, 1993, p. 176).

Segundo Juan Carlos Casas, autor de Um Novo Caminho para a América Latina (1993, p. 175), o banzerato trouxe consigo um lema: “(...) ‘ordem, paz e trabalho’, e para assegurar o primeiro desses três objetivos, teve de apelar para métodos nem sempre pacíficos”, resultando em torturas, desaparecimentos, capturas, exílios e assassinatos, acontecimentos esses relatados nos contos de Víctor Montoya em estudo.

 

 

3. GÊNERO NARRATIVO: CONTO 

O conto é um tipo de texto muito conhecido e utilizado por diversos autores e é, na maioria das vezes, uma narrativa de pouca extensão e muito conteúdo. De acordo com Moisés (1986, p.15), quando tomada em seu aspecto literário, a palavra conto deriva do latim comenttu, que significa invenção, mas é possível, por meio de uma progressão de sentido, significar “enumeração de acontecimentos”, podendo denotar também a “enumeração de fatos” ou “relato”.

Nádia Gotlib (2003, p.11) ressalta a conclusão a que Julio Casares chegou: um conto deve relatar um acontecimento e, nos contos de Montoya, é muito comum que esses acontecimentos sejam trágicos, visto que a época relatada é a da ditadura. Moisés (1986, p. 20); aponta a necessidade de haver conflitos para que haja uma história Víctor Montoya transformou o drama que viu e viveu em narrativas e, nesse momento, a literatura entrou em cena; segundo Moisés (1986, p. 20), o papel da literatura é este: quando o personagem pode encarar “a vida como luta, tomada a consciência da morte e da precariedade do destino humano”.

Os contos de Montoya gravitam em torno do tema ditadura e, portanto, limitam-se aos conflitos gerados pela disparidade de interesses e pela diferença de poder, em que o mais forte sobressaía. Dessa forma, podemos notar que o autor buscou convergir todos os elementos de seus contos com o interesse de gerar uma unidade de ação, além do que seus contos possuíam o mesmo objetivo: fazendo uso dessa unidade de ação, formar cidadãos que possam discernir a diferença entre abuso de poder e exercício da autoridade.

É possível perceber que, influenciados por essa unidade de ação, os ambientes em que se passam os contos de Montoya são limitados, ou seja, os fatos não ocorrem em vários lugares e os personagens não se movimentam muito geograficamente; pode haver outros espaços físicos em um conto, mas estes serão “vazios de dramaticidade” (MOISÉS, 1986, p. 22), enquanto que o cenário principal confere a importância que a cena narrada possui. Se o conto possuir mais de um ambiente relevante, ele poderá, por assemelhar-se ao rascunho de uma novela ou romance, perder sua identidade literária.

Segundo Edgar Allan Poe, analisado na obra de Gotlib, a unidade de efeito é muito importante na construção de um conto e esse efeito está relacionado com a extensão que ele possui (GOTLIB, 2003, p. 32); se o conto for breve, o autor pode chegar a atingir seu objetivo, porque assim tem exclusividade sobre o leitor durante a leitura.

Com relação à extensão, Cortázar, em “Valise de Cronópio” (2006, p. 151), nos remete à seguinte comparação: o romance equivale a um filme (extenso), enquanto o conto assemelha-se a uma fotografia, que pressupõe limitações previamente estabelecidas em seus aspectos, tais como extensão, tempo e ambiente. A essa idéia, podemos acrescentar o que Moisés (1986, p. 27) observa: “[o fotógrafo] focaliza um ponto, o central, e capta-lhe os arredores, de forma a fixar o que vê mas abarcar o que não vê”, extraindo a semelhança da fotografia com o conto, que “ se organiza em torno de um núcleo e satélites, de modo que o êxito estético residiria na coerência de um e outros” (MOISÉS, 1986, p. 27).

É possível observar em “Confesiones de un fugitivo”, em que o narrador focaliza-se, no primeiro episódio, no assassinato do presidente, mas compõe todo um cenário, utilizando o contexto do momento narrado – pessoas que esperavam pelo general, seus guarda-costas, as mulheres apaixonadas e o Estado de Sítio decretado até que se pudesse encontrar o assassino.

Gotlib (2003, p. 42) defende que o conto seja breve, mas ressalta: “não é só da brevidade e da impressão total que surge a boa estória ou conto”; é necessário que o conto apresente algo inovador “e também força, clareza e compactação”.

Nádia Gotlib assinala que o conto pode ser formado por dois ou mais episódios, que proporcionaram uma ação de forma mais desenvolvida. Embora haja essa abertura para que a estrutura provoque um maior impacto no leitor, os episódios serão independentes (como o conto anteriormente citado, “Confesiones de un fugitivo”), já que o que importa é a seleção de elementos significativos, o que fará com que o conto torne-se intenso à medida em que o desnecessário for retirado (GOTLIB, 2003, p. 64). A economia em um conto ainda faz com que, entre o ritmo das narrativas e o ritmo dos acontecimentos, haja um ambiente favorável, que produz perfeita coerência entre duração (tamanho da narrativa) e intensidade (até onde o conto consegue chegar).

O conto normalmente ocorre em um curto período de tempo; o passado e o futuro são coadjuvantes, enquanto o presente é determinante na história (MOISÉS, 1986, p. 22) – nos contos de Montoya podemos perceber que a maioria das ações se passa no presente, conferindo um dinamismo maior à narrativa, já que é possível interagir com a história narrada.

Além disso, neste gênero é comum a presença de poucos personagens; ainda que haja mais do que um ou dois personagens, a atuação direta e preponderante na narração não se aplica a todos. Segundo Massaud Moisés (1986, p. 26), “só não parece possível o conto com uma única personagem”, e nos contos de Montoya observamos esse aspecto: apesar de haver um personagem principal, existem outros que compõem o cenário humano da narrativa.

 

 

4. Um mergulho analítico e interpretativo nos contos de Víctor Montoya

No livro “Cuentos Violentos” (2006), de Víctor Montoya, nos deparamos com uma série de contos por meio dos quais o autor exprime seus sentimentos como um dos que sofreu com o amargor da dutadura boliviana e também como porta-voz daqueles que, assim como ele, foram submetidos a torturas e atos que tiram a dignidade do ser humano.

Conforme destacamos na introdução, neste trabalho pretendemos nos ater aos contos “El encapuchado”, “Me podrán matar, pero no morir...” e “Confesiones de un fugitivo”; são contos curtos, de fácil compreensão, que expressam o estilo do autor, que visa a mostrar o lado subumano dos torturadores e denunciar o sofrimento ao qual seu povo foi submetido. A análise desses contos será baseada principalmente no texto de Arnaldo Franco Junior: “Operadores de Leitura da Narrativa”, inserido no livro Teorias Literárias: abordagens históricas e tendências contemporâneas (2005), organizado por Thomas Bonnici e Lúcia Zolin.

Conforme destacamos na introdução, neste trabalho pretendemos nos ater aos contos “El encapuchado”, “Me podrán matar, pero no morir...” e “Confesiones de un fugitivo”; são cpntos curtos, de fácil compreensão, que expressam o estilo do autor, que visa a mostrar o lado subumano dos torturadores e denunciar o sofrimento ao qual seu povo foi submetido. A análise desses contos será baseada principalmente no texto de Arnaldo Franco Junior: “Operadores de Leitura da Narrativa”, inserido no livro Teorias Literárias: abordagens históricas e tendências contemporâneas (2005), organizado por Thomas Bonnici e Lúcia Zolin.

A seleção destes três contos se deu, especificamente, porque eles são verossímeis e produzem, em Víctor Montoya e em quem os lê, o sentimento de catarse, que é uma identificação com o herói da trama que sai de uma situação estável para viver um drama, ou seja, catarse pode ser entendida também como compaixão. Os textos também apresentam histórias que revelam acontecimentos diferentes uns dos outros, mas com um elo: a forma como a ditadura silenciava – ou buscava silenciar – os que não estavam de acordo com o regime ditatorial.

Frida Oswald, autora do prefácio de “Cuentos Violentos”, discorre brevemente sobre os contos selecionados. Segundo Oswald, o capuz do primeiro dos contos, “El encapuchado”, “cumple las funciones de asegurar un mundo oscuro de incógnita” (MONTOYA, 2006, p. 13), reiterando a função do governo ditatorial de Banzer, que promovia os massacres fora da vista da população.

Em “Confesiones de um fugitivo”, Frida Oswald destaca que Montoya faz “una alegoría al deseo vehemente de muerte del dictador”, com base em histórias que soube por meio de outras vítimas (MONTOYA, 2006, p. 14-5) , incorporando, desse modo, a realidade dessas pessoas aos seus contos.

Assim como os outros dois contos, “Me podrán matar, pero no morir...” inculca a originalidade em seu enredo, quando Montoya descreve “rituales de martírio [que] se repiten en escenas donde la figura de la mujer llega a un nível de humillación y desprecio muy bajos” (MONTOYA, 2006, p. 15) .

Embora a coluna vertebral de todos os contos analisados seja a ditadura ocorrida na Bolívia, há aspectos que diferenciam os contos uns dos outros, como já foi dito anteriormente; esses aspectos, dentre outros, serão abordados nas análises apresentadas a seguir.

 

 

4.1 El encapuchado 

O conto “El encapuchado” (anexo 1) apresenta dois personagens: um deles é o capturado (“el encapuchado... se limitó negar con la cabeza” – Anexo 1, p. 1) que, estando preso, é torturado por outro homem – segundo personagem – como podemos notar em “Aquiles, que entró en la cámara de torturas...” (Verificar no Anexo 1, p. 1).

O ambiente em que ocorre a história limita-se a uma sala, onde acontecem as torturas; o personagem com o capuz (que está preso) já está na sala quando Aquiles entra e fecha a porta com o pé. Aquiles, o torturador, é o personagem principal; suas ações e memórias, enquanto se prepara para dar início às suas obrigações, são relatadas pelo narrador: “A medida que se desabrochaba la camisa, recordaba el día en que fue sorprendido forcejeando con una muchacha en el sótano del colegio” (Anexo 1, p. 1).

O personagem principal é redondo; suas ações não são compatíveis com seu caráter – “Aquiles, consciente de que su oficio estaba en contra de su voluntad” (Anexo 1, p. 1) – e há uma contradição entre o “ser” e o “fazer” do personagem, que revela sua “alinearidade psicológica” ( FRANCO JUNIOR, 2005, p.39), o que apresenta sua densidade psicológica. Tendo esse aspecto em vista, podemos inferir que o personagem Aquiles é imprevisível e “representa de modo denso as complexidades, os conflitos e as contradições”, em cima dos quais é construído o enredo e em que se baseia a condição humana ou desumana a que somos expostos (FRANCO JUNIOR, 2005, p. 39).

A cena que podemos visualizar resume-se às perguntas feitas por Aquiles (que obtém como resposta a indiferença do outro), cujo intento era conseguir alguma informação sobre outras pessoas contrárias ao sistema de governo e contra o próprio ditador.

O agressor, em um acesso de fúria, acaba tirando a vida do homem que, até o momento, tinha sua identidade escondida por um capuz. Surpreso e desesperado ao mesmo tempo, o torturador se vê sem sua possível fonte de informação. Nesse momento, cai o capuz do homem que fora assassinado e, ao voltar seu olhar para o prisioneiro morto, o agressor vê que aquele contra quem investiu sua ira havia sido seu melhor amigo durante a infância.

O nó da narrativa encontra-se na contradição a que é submetido o personagem Aquiles; apesar de não estar de acordo com os métodos de interrogação da ditadura, fez uso deles até que seu lado subumano se sobrepôs à sua vontade de não-utilização da violência, como podemos ver no trecho a seguir:

[Aquiles] no sabía si empezar hablando o golpeando como otras veces. [...] Más tarde dejó errar la mirada... Levantó la cabeza hacia el torturado y le sacó la capucha, despavorido por la muerte que se cargaba toda la información, sólo por la maldita suerte de haber empuñado la mano en un momento de furor. (Anexo 1, p. 1)

O tempo da narrativa é subjetivo (psicológico), pois acompanha não a uma marcação temporal de decorrer de horas ou dias, mas a vivência do personagem principal (Aquiles); suas emoções e experiências são aspectos determinantes na análise do tempo da história: “[...] insistió Aquiles, exhalando suspiros profundos, justo cuando sus energías comenzaban a languidecer” (Anexo 1, p. 1). O narrador penetra nos pensamentos e sensações que sente Aquiles, tornando a história mais interessante, já que também nos insere, enquanto leitores, na sala onde está Aquiles, fazendo com que possamos visualizá-lo.

O narrador é observador e onisciente; no trecho, “Aquiles, consciente de que su oficio estaba en contra de su voluntad, no sabía si empezar hablando o golpeando como otras veces” (Anexo 1, p. 1), vemos que as motivações e sentimentos dos personagens não lhe são ocultos. O foco narrativo adotado é de terceira pessoa: “Cuando Aquiles entró en la cámara de torturas, [...] un oficial cerró la puerta...” –; os verbos que denotam a ação dos personagens estão em terceira pessoa, de forma que a história é narrada por alguém que não participa da trama, embora o narrador saiba e veja tudo o que acontece.

O clímax ocorre quando Aquiles, repleto de fúria causada pela ausência de respostas do interrogado, dá um soco muito forte no peito do outro personagem e o inquire com ainda mais veemência: “¡Hijo de Puta! ¿Dónde están los otros?” (Anexo 1, p. 1).

É possível observar o desfecho em uma parte também dramática do conto: quando Aquiles vê a morte estampada na face de seu melhor amigo de infância: “[...] la víctima se había ido ya en un vómito de sangre, y, en su rostro pálido como la luz de la luna, Aquiles no encontró más que los ojos desorbitados de su mejor amigo de infancia” (Anexo 1, p. 1).

 

 

4.2. Confesiones de un fugitivo 

Esse conto é dividido em três partes, e em cada uma delas os acontecimentos narrados revelam a relação existente com as outras. No entanto, tais episódios também são independentes, conferindo um desenvolvimento maior ao tema (GOTLIB, 2003, p. 64).

Segundo Poe, cuja teoria desenvolvida sobre o conto é analisada na obra de Nádia Gotlib, o conto pode ser dividido em etapas quando tiver em vista um objetivo; tal aspecto produzirá um efeito único esperado pelo autor (GOTLIB, 2003, p. 32).

Nas três partes de “Confesiones de un fugitivo”, o tempo é cronológico, como comprovamos por meio dos marcadores temporais, que são: “era sábado al mediodía” (Anexo 2), “dos meses después de aquel suceso” (Anexo 2) e “al día siguiente” (Anexo 2), nas partes um, dois e três, respectivamente.

Os acontecimentos desse conto se passam, exceto os da primeira parte, dentro da prisão; cada vez que há mudança de personagem principal, somos deslocados para outra cela ou sala, onde ocorrem as torturas.

 

 

4.2.1 Primeira parte 

Nesta parte, podemos comprovar que o narrador é em primeira pessoa por meio dos trechos “recordé aquel suceso” e “[yo] lo seguí de cerca” (Anexo 2).

O espaço em que se passa essa primeira parte é uma praça onde o presidente falaria à grande multidão que o esperava ansiosa. O narrador nos conta que, certo dia, deitado, lembrou-se desse fato e do porquê de haver ido ao encontro do presidente: ele planejava atentar contra a vida do general, que faria um pronunciamento para aqueles que o aguardavam – “Avancé hacia la tarima de oradores, sin más ilusión que acabar con la vida del dictador más abominable de la historia” (Anexo 2). O narrador pode ser classificado como participante, já que integra o corpo de personagens da história; ele é também o personagem principal, pois a história gravita em torno de suas experiências e lembranças. Ele é acompanhado pelos personagens secundários, que são o presidente, a multidão e os guarda-costas presidenciais.

Apesar de haver muitos seguranças e guarda-costas acompanhando o presidente, o narrador-personagem disparou cinco tiros contra ele, tirando-lhe a vida. Embora buscassem o autor do crime, não o encontraram, pois o silêncio e a escuridão propiciaram-lhe a fuga.

O clímax da primeira parte ocorre quando o protagonista começa a narrar o modo como disparou os tiros que causaram a morte do general, e o desfecho dessa parte do conto se dá com a fuga do narrador, como podemos constatar nos trechos “Ése fue el instante que aproveché para asesinarlo [...] El quinto tiro lo alcanzó en la frente, de donde brotó la sangre a borbotones” (Anexo 2) e “Los allanamientos se prolongaron por varios días, pero no se dio con el autor del crímen, porque el autor [...] fui yo [...] un hombre acostumbrado a convivir con la oscuridad y el silencio” (Anexo 2), respectivamente clímax e desfecho.

 

 

4.2.2 Segunda Parte 

Nesta parte do conto, o narrador inicia retomando o acontecimento do trecho anterior e introduzindo o tema que abordará: a tortura – “[...] me condujeron a la cárcel, donde me torturaron varios días y varias noches, hasta dejarme a un pelo de la muerte” (Anexo 2). Nesta segunda parte, o narrador tem dupla função: aparece como protagonista, quando comenta sobre sua prisão em “[...] caí a merced de mis perseguidores... (Anexo 2), e como observador, quando narra as torturas que presenciou, como em “[...] recuerdo el maltrato que recibían los presos, que berreaban como cerdos en las cámaras de tortura” (Anexo 2); o narrador, portanto, permanece como personagem da trama, mas somente como secundário.

É possível ver que esse episódio se divide em dois momentos, sendo que o primeiro começa em “dos meses después de aquel suceso” (Anexo 2) e se estende até “la sangre manó a chorros y los torturadores lo sacaron de la celda” (Anexo 2), e o segundo, em “pasada la media noche” (Anexo 2), e termina em “temblando de miedo y frío” (Anexo 2). Em cada um desses momentos, há um protagonista diferente, ainda que alguns dos outros personagens permaneçam os mesmos; tais personagens são o próprio narrador (que era um dos presos) e os torturadores. O que diferencia um momento do outro é a presença do cachorro no primeiro e da menina (filha da torturada) no segundo.

O narrador conta que havia sido preso dois meses após o assassinato do presidente; discorre também sobre alguns métodos de tortura utilizados contra ele e outros presos e destaca os fatos que o marcaram; um desses fatos nos remete a uma cela em que estavam um preso, três torturadores e um cachorro:

Asomé los ojos por la rendija de la ventanilla y divisé a otros torturados que, arrastrando el cuerpo de un preso, entraron en la celda iluminada por el foco pendido del techo. Uno de los tres, que sujetaba a un perro por la correa y con una cicatriz en la cara, ordenó: “ – ¡Desvístanlo!”, el preso que permanecía inmóvil y callado, quedó desnudo ante el perro que lo miraba inquieto, feroz y babeante (Anexo 2, p. 3).

O processo ao qual o encarcerado é submetido é descrito como uma forma humilhante e terrível de tortura. Nesse momento, nos deparamos com o clímax, que é marcado por períodos iniciados por verbos de ação: “[dos torturadores] lo sujetaron”, “le inclinaron” e “le separaron” (Anexo 2, grifo nosso) e pela progressão de verbos cuja ação é esperada pelo protagonista: “...parecía que iba a hablar, llorar, gritar” (Anexo 2, grifo nosso). O desfecho se dá ainda no mesmo parágrafo quando o personagem é retirado daquela cela enquanto o sangue se esvaía de seu corpo: “La sangre manó a chorros y los torturadores lo sacaron de la celda” (Anexo 2).

Nesse momento, o preso, ao não se conformar com a ordem do seu torturador, colabora para a formação do conflito dramático: “El preso, que parecía inmóvil y callado…” (Anexo 2, grifo nosso) e acrescenta à narração uma tensão, que desestabiliza a trama, já que não segue uma cadência lógica (torturador manda, torturado obedece) e surpreende o leitor. O fato narrado em seguida (segunda etapa) é a respeito dos mesmos torturadores, que levavam à cela uma mulher grávida e sua pequena filha e que, supostamente, eram esposa e filha de um dos terroristas procurados pelo governo. O narrador relata os acontecimentos que desencadearam na morte da mulher:

La mujer, empapada de sangre y sudor, seguía implorando que no tocaran la niña [...] hasta que le sobrevino un ataque repentino que la tumbó contra el piso. Dos torturadores, al constatar el fallecimiento de la mujer, la arrastraron de los cabellos y la sacaron de la celda. El tercero, respirando como una bestia excitada, sujetó la niña por los pies y la batió en el aire, golpeándole la cabeza contra la pared que sonó seca y hueca (Anexo 2, p. 4).

É possível perceber que o clímax desta etapa ocorre quando há o diálogo direto entre um dos torturadores e a protagonista, quando esta, pressionada pelas ameaças, implora que poupem a vida de sua filha. Além disso, é possível perceber que o clímax possui uma espécie de introdução no parágrafo anterior, como vemos no anexo 2: “Los torturadores la tiraron contra el piso sanguinolento. La volvieron a levantar por los brazos. La sujetaron contra la silla y la golpearon delante de su hija”; tal introdução já prepara o leitor para uma das falas contidas no diálogo do clímax: “¡Si no hablas, la vamos a matar!” (Anexo 2).

No último trecho, os antagonistas, com ações que iam de encontro à vontade da protagonista, inserem o conflito na história: “La mujer, empapada de sangre y sudor, seguía implorando que no tocaran la niña. Pero ellos, movidos por sus instintos salvajes, decidieron hacerle el submarino delante de su madre” (Anexo 2, grifo do autor).

O narrador encerra o segundo episódio dizendo como ficou comovido com todas aquelas cenas – algo que não aconteceu com os torturadores – e se coloca em um dos cantos da cela em que estava, sofrendo por causa do frio e do medo: “y yo, conmocionado por la escena, retiré los ojos de la rendija y volví a sentarme en un rincón, temblando de medo y frío” (Anexo 2).

 

 

4.2.3 Terceira Parte 

Na terceira parte, o narrador volta a ser o protagonista e abordará sua fuga: “Al día siguiente entraron dos torturadores en mi celda. Me pusieron una capucha, me condujeron por un pasillo, me subieron por unas gradas y me introdujeron en una celda del se- gundo piso” (Anexo 2).

O narrador relata que, no dia seguinte ao das torturas presenciadas, havia sido levado a outra cela para aguardar o dia de sua execução. Durante os dias em que ficou preso nesta cela, pôde planejar sua fuga, que se daria por um buraco feito na parede. Durante todas as noites, escavou até que pôde passar pelo buraco feito, o que aconteceu na véspera do Ano Novo:

Desde ese día y por el transcurso de varias semanas, planeé como fugarme de la cárcel, hasta que se me ocurrió la idea de cavar um túnel a través de la pared que daba a un callejón sin salida. [...] Cuando todo estuvo acabado, sólo me quedó aguardar el momento preciso de la fuga. Esperé pacientemente hasta las vísperas de los festejos del Año Nuevo (Anexo 2).

No dia em que o protagonista escapou, viu-se em uma rua fria e vazia e, sem esperar que passasse muito tempo, correu gozando da liberdade reconquistada: “[...] me pegué a la pared y corrí...” (Anexo 2).

Este conto se passa inicialmente na praça, onde acontece o assassinato do presidente, fato que desencadeia os seguintes, e depois se dá na prisão. Seu enredo é seqüencial e objetivo. A linguagem é clara e podem-se observar muitos diálogos.

O conto nos parece ser bem estruturado, coerente, e o clímax e o desfecho são compostos por uma sucessão de acontecimentos, que, marcados por verbos em primeira pessoa, como: [me] alisté, quité, atravesé, [me] fugué..., mesclam-se para finalizá-lo. Este acontecimento (a fuga) pode ser entendido como a vitória do povo sobre a opressão da ditadura.

Dado o exposto, podemos concluir que, embora seja dividido em três episódios, o conto não é muito extenso, fazendo com que o leitor possa lê-lo sem que faça pausas, confirmando, mais uma vez, o aspecto de brevidade do conto, ressaltado por Poe e comentado na obra de Gotlib (2003, p. 31-5), o que lhe confere a unidade de efeito. Ainda de acordo com Poe, essa unidade promove uma excitação no leitor, facilitada pela brevidade do conto, com o que “o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor” (GOTLIB, 2003, p. 34). Podemos dizer que Víctor Montoya soube utilizar bem o aspecto breve do conto em “Confesiones de un fugitivo”: o conto não se estende muito, mas é capaz de capturar a atenção de quem o lê.

O teor histórico e as narrações de Montoya produzem um conto muito intenso e isso se dá porque nos apresenta o homem (personagem) frente a uma “circunstância em conflitos trágicos de máxima tensão” ou porque há personagens nas cenas descritas que “se concentram em certas faculdades no seu ponto mais alto, certas fatalidades misteriosas, certas conjeturas sobrenaturais, certo heroísmo na busca de um fim” (CORTÁZAR, 2006, p. 123).

 

 

4.3 Me podrán matar, pero no morir 

O terceiro e último conto em análise neste trabalho, “Me podrán matar, pero no morir”, trata da vida de uma jovem que era perseguida por agentes militares porque lutava por seus ideais, ainda que isso pudesse custar sua vida. Após o relato de uma breve advertência do pai a ela, “Te buscan para matarte, le dice su padre por décima vez” (Anexo 3), a jovem se vê em uma sala, sendo observada por seus torturadores.

Há, por parte do narrador, a descrição da cela a que é levada a protagonista; observa-se a presença dos equipamentos de tortura no local e, na seqüência, há a narração do processo de tortura da moça, que cada vez é mais cruel e desumano:

En la habitación contigua, mira una mesa con mandos electrónicos: un reflector, un recipiente, una radio, un catre y varios ganchos con cadenas en la pared […]. Comienza el ritual de la tortura. Primero es el simulacro de fusilamiento, después el submarino en el recipiente de orines y escupitajos... (Anexo 3, p. 7).

Após ser submetida a esse ritual, seus torturadores, buscando sempre produzir mais dor e sofrimento, violentaramna e submeteram-na a ainda mais momentos de vergonha e humilhação. Embora tentasse manifestar sua dor, os militares abafavam sua voz, como vemos em: “Ella lanza un alarido y ellos suben el volumen de la radio” (Anexo 3). Terminada a sessão, arrastaram-na para outra sala; ela ainda estava desorientada e com o sangue escorrendo por seu corpo.

O conto termina de forma a mostrar uma jovem orgulhosa de si, satisfeita por não render-se ao sistema, pronunciando a frase que também dá nome ao conto “me podrán matar, pero no morir... (Anexo 3).

O narrador é observador; o foco narrativo é em terceira pessoa e o narrador não participa das cenas, limitando-se, assim, a descrevê-las: “Le cubren los ojos con una venda y la conducen asida de los brazos por un pasillo” (Anexo 3).

A protagonista do conto é uma jovem; interagem com ela seu pai – “Te buscan para matarte”; os torturadores – “un torturador se le acerca por la espalda... otro le manosea el cuerpo”; e um cachorro: “[los hombres] y el perro la violan...” (Anexo 3). As cenas se passam basicamente dentro de um lugar que se assemelha a uma casa, pela presença de cômodos e corredor: “[...] la conducen [...] por un pasillo” e “la introducen en una habitación que apesta a muerte” (Anexo 3).

O tempo pode ser classificado como psicológico, já que não há na narrativa a presença de marcadores temporais. Podemos observar que havia a intenção expressa por parte dos torturadores de que, mesmo pelos personagens, o tempo não pudesse ser contabilizado, e isso pode ser visto em: “le quita [...] el reloj, para que no [...] sepa qué hora o qué día es” (Anexo 3); percebe-se o passar do tempo a partir das ações observadas no conto, por meio de expressões como “primero” e “después”.

Notamos a presença de um conflito quando há um choque entre a ação da personagem principal e dos torturadores: “Ella lanza un alarido y ellos suben el volumen de la radio” (Anexo 3); nesse momento, os interesses dela de, ao menos, manifestar sua dor são abafados.

O clímax inicia-se em “ella, a punto de asfixiarse, abre la boca y se desmaya” (Anexo 3) e termina em “sin más consuelo que pan y agua” (Anexo 3), quando, em seguida, podemos observar o desfecho, em que a protagonista recobra a consciência, apoiando-se no que lhe havia sobrado de vida, para proclamar sua vitória sobre o regime. Para a protagonista, a única forma de vencer o regime ditatorial que a torturava era vivendo: “Cuando despierta de su pesadilla, mira un rayito de luz atravesando la oscuridad de la celda. Se toca el cuerpo que parece inexistente y, con un hilo de sangre en los labios, repite: Me podrán matar, pero no morir…” (Anexo 3, grifo nosso).

O autor faz uso de uma história intensa, cheia de detalhes, apresentando as torturas – momentos trágicos, de máxima tensão; Montoya não escreveu um conto de  grande estrutura, mas incumbiu a tensão de nos aproximar daquilo que nos conta (GOTLIB, 2003, p. 69). O autor “conden sou a matéria para apresentar seus melhores momentos” (GOTLIB, 2003, p. 64): ele iniciou o conto com a fala do pai da protagonista, em um parágrafo curto, e, em seguida, a personagem já se encontrava em poder dos militares, sendo encarada pelo maior deles. Tal fato nos remete mais uma vez à unidade de efeito da teoria de Poe: utilizando “o mínimo de meios” e buscando alcançar “o máximo de efeitos” (GOTLIB, 2003, p. 35), o autor “busca combinações adequadas de acontecimentos ou de tom, visando à “construção do efeito” (GOTLIB, 2003, p. 36). Percebemos que o conto é fechado e circular: no primeiro parágrafo, a protagonista pronuncia a mesma frase com a qual encerra o conto: “Me podrán matar, pero no morir” (Anexo 3).

O autor faz uso de uma história intensa, cheia de detalhes, apresentando as torturas – momentos trágicos, de máximatensão; Montoya não escreveu um conto de grande estrutura, mas incumbiu a tensão de nos aproximar daquilo que nos conta (GOTLIB, 2003, p. 69). O autor “condensou a matéria para apresentar seus melhores momentos” (GOTLIB, 2003, p. 64): ele iniciou o conto com a fala do pai da protagonista, em um parágrafo curto, e, em seguida, a personagem já se encontrava em poder dos militares, sendo encarada pelo maior deles. Tal fato nos remete mais uma vez à unidade de efeito da teoria de Poe: utilizando “o mínimo de meios” e buscando alcançar “o máximo de efeitos” (GOTLIB, 2003, p. 35), o autor “busca combinações adequadas de acontecimentos ou de tom, visando à “construção do efeito” (GOTLIB, 2003, p. 36).

Percebemos que o conto é fechado e circular: no primeiro parágrafo, a protagonista pronuncia a mesma frase com a qual encerra o conto: “Me podrán matar, pero no morir” (Anexo 3).

 

 

4.4 Três contos, um estilo

 

Os contos selecionados, quando comparados, apresentam alguns pontos em comum, que buscamos relacionar em seguida. Eles se passam em ambientes limitados: o primeiro acontece em uma sala; o segundo, na praça e na prisão; e o terceiro, também em uma sala.

De igual forma apresentam um número reduzido de personagens e, assim, a em trama desses textos é melhor centralizada em determinado acontecimento, demonstrando a importância que as ações de cada personagem possuem para a construção da história.

Outro ponto analisado nos contos foi o tempo. Em “El encapuchado” e “Me podrán matar, pero no morir”, o tempo é subjetivo, ou seja, não há marcadores temporais, de forma que o aspecto temporal é marcado diretamente pelas experiências, emoções e sensações dos personagens (FRANCO JUNIOR, 2005, p. 45). Em “Confesiones de un fugitivo”, o tempo difere dos demais: é cronológico e isso possivelmente se deve à fragmentação do texto, para que a narrativa seja clara e melhor localizada em cada um de seus fragmentos. Dessa forma, o tempo refere-se à “sucessão temporal dos acontecimentos” (FRANCO JUNIOR, 2005, p. 45).

Nos foi possível observar também como o narrador manifestou-se nos contos. De forma geral, limitou-se a observar os fatos, com foco narrativo em 3ª pessoa. O conto em que observamos uma incompatibilidade desse aspecto também foi “Confesiones de un fugitivo”, que desde, sua estrutura – fragmentada, como dissemos anteriormente, mostra-se diferenciado. Nesse conto, portanto, o narrador assume duas funções: a de observador, na segunda parte, e a de protagonista, que se observa em todos os fragmentos (no segundo, ele atua, em momentos distintos, como observador e personagem).

Percebemos que o autor, de certa forma, conferiu a “Confesiones de un fugitivo” uma maior elaboração textual, utilizando um maior número de aspectos teóricos, que englobam desde a estrutura do conto até a divisão de personagens e a fusão de um deles com o narrador. A estrutura textual desse conto reflete sua modernidade, que faz com que os elementos estruturais do texto se esfacelem, assim como nos romances modernos, ou seja, a estrutura do conto não segue o enredo tradicional que possui um “encadeamento lógico de motivos e situações, com seu início, meio, fim” (ROSENFELD, 1973, p. 84).

Os contos selecionados apresentam clímax e desfecho. Observamos que, nos três textos, essas duas situações são marcadas, essencialmente, pelas torturas e, normalmente, são antecedidas ou compostas pela descrição do local e pela enumeração ou descrição dos equipamentos de tortura.

Percebemos também que os contos sempre são finalizados com a vitória do povo sobre o sistema opressor, ainda que isso se dê de várias maneiras. Em “El encapuchado”, os torturadores perdem sua fonte de informação com a morte do representante popular; em “Confesiones de un fugitivo”, a fuga do protagonista principal (principal porque, durante o desenvolvimento do conto, são estabelecidos outros protagonistas temporariamente) é, mais uma vez, a representação da vitória; e, no último conto, a frase pronunciada pela jovem no encerramento do conto: “me podrán matar, pero no morir”, refere-se ao povo que não se conforma, não se rende, mas luta e vence a ditadura.
 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Esta pesquisa nos proporcionou o aprofundamento em diversos conceitos teóricos sobre a literatura, resultando num enriquecimento cultural e intelectual. Além disso, ofereceu a oportunidade de conhecer, de forma mais detida, a cultura, vida e história de um povo tão sofrido, mas que tem muito a oferecer.

Mantivemos contato com o escritor e isso foi uma oportunidade única e de muito valor, que colaborou na gestação e gerência do projeto, já que, algumas vezes, Víctor Montoya foi protagonista das histórias narradas.

Assim, a pesquisa forneceu dados que se solidificaram em bases previamente estabelecidas. Ficou evidente que o gênero trabalhado, o conto, é muito rico e particular, embora consigamos traçar semelhanças entre um conto e outro, o que muitas vezes torna difícil a tarefa de definilo ( GOTLIB, 2003, p. 10).

Foi possível perceber que os contos de Víctor Montoya são verossímeis, quando não reais, e isso afirmamos com base nos dados históricos coletados. Ainda que a literatura não seja um documento, conforme sugere Nádia Gotlib em Teoria do Conto (2003, p. 13), podemos perceber que Montoya também a utilizou como tal, uma vez que registrou fatos e acontecimentos ocorridos em determinada época.

Os contos de Víctor Montoya produziram em nós o sentimento de catarse, compaixão, já que não poucas vezes somos confrontados com os fatos narrados, podendo imaginá-los algumas vezes.

Não obstante, e correspondendo a uma das propostas desta pesquisa, a literatura exerceu um papel de não somente criar ou relatar fatos, mas de imprimir uma crítica à sociedade pela forma com que se encontra organizada nos países da América do Sul que conviveram com a ditadura militar, mais especificamente a terra natal de Montoya, a Bolívia. Além disso, os contos de Víctor Montoya podem ser entendidos como um convite à reflexão sobre o papel que desempenhamos na sociedade: se nos conformamos com a história que os políticos e o sistema de governo escrevem sobre nosso país ou se exigimos nossos direitos, cumprimos nosso dever e não nos conformamos com menos do que o digno.

A história, a geografia e a política da Bolívia nos ensinam que as riquezas naturais mal aplicadas e o saber mal empregado podem levar um país e sua população à estagnação social, política e econômica, pois podemos entender que muito do que a Bolívia vive hoje, como o fato de ser considerada o país mais pobre da América do Sul, é um reflexo da má utilização dos recursos naturais e dos maus governos que, de certa forma, sugaram do país o máximo que puderam, sem oferecer-lhe algo em troca.

Além do mais, podemos concluir que nossa vida, as experiências e os acontecimentos que a constituem, não devem estar limitados a apenas um registro familiar ou simples lembrança, mas, assim como fez Montoya, esses fatos devem ser compartilhados, a fim de que outros possam conhecer a história de seu país.

 

 

ANEXO 1

 

EL ENCAPUCHADO

 

Víctor Montoya

 

 

Cuando Aquiles entró en la cámara de torturas, donde estaba el preso colgado de una viga, un oficial cerró la puerta de un puntapié y dijo:

–¡Torturar es un oficio y un deber!

Aquiles, consciente de que su oficio estaba en contra de su voluntad, no sabía si empezar hablando o golpeando como otras veces. Se acercó a las gavetas de la mesa, se quitó el cinturón ribeteado de balas y bebió varios sorbos de agua en una calabaza. Limpió el gollete con una mano, mientras con la otra acariciaba la cacha de su revólver.

Paseó alrededor del encapuchado, mirándolo sin mirarlo. A medida que se desabrochaba la camisa, recordaba el día en que fue sorprendido forcejeando con una muchacha en el sótano del colegio, la mirada inquisidora del profesor y esos pechos similares a cántaros de miel.

–¡Está expulsado! –le increpó el profesor.

Aquiles, al cabo de aflojarse la camisa a la altura del tórax, fijó los ojos en el encapuchado, quien pendía con las manos esposadas, las ropas desgarradas y empapadas por el agua.

–¿Dónde están los otros? –inquirió, respirándole muy cerca.

El encapuchado, consternado por la voz que le parecía conocida, se limitó a negar con la cabeza, poco antes de que un puñetazo retumbara en su pecho y reventara sus huesos.

–¡Hijo de puta! ¿Dónde están los otros? –insistió Aquiles, exhalando suspiros profundos, justo cuando sus energías comenzaban a languidecer.

Más tarde dejó errar la mirada por doquier, hasta que gotas escarlata le cruzaron por los ojos. Levantó la cabeza hacia el torturado y le sacó la capucha, despavorido por la muerte que se cargaba toda  la información, sólo por la maldita suerte de haber empuñado la mano en un momento de furor.

Cuando la capucha cayó al agua, la víctima se había ido ya en un vómito de sangre, y, en su rostro pálido como la luz de la luna, Aquiles no encontró más que los ojos desorbitados de su mejor amigo de infancia.

 

 

ANEXO 2

ME PODRÁN MATAR, PERO NO MORIR 

Víctor Montoya

 

 

“Te buscan para matarte”, le dice su padre por décima vez. Ella cuenta las nueve cicatrices de su cuerpo y contesta: “Me podrán matar, pero no morir...”.

Al levantar la cabeza entre paredes calcáreas, se enfrenta al rostro salvaje de sus torturadores. Uno de ellos, el más corpulento, bigote poblado y pistola al cinto, le sonríe mirándole a los ojos. “¿Así que tú eres la inmortal?”, dice, mientras le quita los zapatos, el cinturón, los botones y el reloj, para que no pueda huir ni sepa qué hora o qué día es.

Le cubren los ojos con una venda y la conducen asida de los brazos por un pasillo. Ella se mueve apenas, como caminando en falso al borde de un precipicio. La introducen en una habitación que apesta a muerte. La desnudan a zarpazos y le arrancan la venda de los ojos.

Por un tiempo, dificultada todavía por la luz hiriente, observa a hombres que entran, salen y entran, y a un perro que bate la cola. El animal tiene el hocico babeante. Huele. Lame. Se aleja y se mete entre las piernas de su amo. En la habitación contigua, mira una mesa con mandos electrónicos: un reflector, un recipiente, una radio, un catre y varios ganchos con cadenas en la pared. Al otro lado de la ventana hay una calle oscura y fría, donde el viento sopla con una violencia capaz de levantar piedras y arrojarlas contra las puertas.

Un torturador se le acerca por la espalda y la encapucha. Otro le manosea el cuerpo y la esposa las muñecas. Comienza el ritual de la tortura. Primero es el simulacro de fusilamiento, después el submarino en el recipiente de orines y escupitajos. La inclinan y sumergen en la “bañera”, tirando de sus pezones con ganchos de hierro. Ella, a punto de asfixiarse, abre la boca y se desmaya.

Le retiran la capucha…

Recobra el conocimiento y escucha voces lejanas, como despertando de una pesadilla. Está atada al somier, los brazos y las piernas abiertas. Clava la mirada en el techo y tiene la sensación de estar flotando a cielo abierto. La sombra de un hombre cruza por sus ojos y una brasa de cigarrillo desciende hasta su pecho. Ella lanza un alarido y ellos suben el volumen de la radio.

Le recorren la picana de punta a punta. La picana tiene dos cables bien trenzados, bien empalmados. Aplican un cable en la boca y el otro en el ano. A la primera descarga, ella siente estallar su cabeza y cuerpo como vuelto esquirlas. Seguidamente, los hombres y el perro la violan hasta reventarla por dentro. No conformes con esto, unos le orinan en la cara y otros le descargan golpes de culata. La levantan esparciendo su sangre en el vacío y la arrastran por unos pasillos hasta la última celda; allí queda incomunicada, con las manos esposadas a la pared y sin más consuelo que pan y agua.

Cuando despierta de su pesadilla, mira un rayito de luz atravesando la oscuridad de la celda. Se toca el cuerpo que parece inexistente y, con un hilo de sangre en los labios, repite: “Me podrán matar, pero no morir...”.

 

 

ANEXO 3

CONFESIONES DE UN FUGITIVO 

Víctor Montoya

 

I

Al reclinar la nuca sobre la almohada, recordé aquel suceso que me marcó de por vida; era sábado al mediodía, el cielo estaba gris y la muchedumbre se agolpaba en las calles. El Presidente llegó a la plaza principal, escoltado por una caravana de jeeps y motos que abrían paso entre quienes agitaban pancartas con su retrato. Avancé hacia la tarima de oradores, sin más ilusión que acabar con la vida del dictador más abominable de la historia.

Salió del coche blindado y caminó entre sus partidarios, que voceaban al unísono: “¡Viva el Presidente! ¡Viva el General!”. Lo seguí de cerca, burlando la vigilancia de sus guardaespaldas, quienes miraban alrededor poniendo en jaque a la multitud en estado de euforia.

El Presidente subió los escalones de la tarima, donde sus admiradoras, de rostros maquillados y vestidos escotados, se abalanzaban para abrazarlo y besarlo. Me paré en el flanco, dispuesto a descargar la pistola que escondía en el abrigo. El dictador se paró frente a la hilera de micrófonos y pancartas, y levantó los brazos para responder a las ovaciones de sus seguidores. Ése fue el instante que aproveché para asesinarlo. Saqué la pistola y disparé cuatro tiros que le penetraron por el costado izquierdo, justo por donde estaba desguarnecido su chaleco antibalas. El quinto tiro le alcanzó en la frente, de donde brotó la sangre a borbotones. La bala le destapó los sesos y lo tumbó con la sonrisa congelada, mientras sus guardaespaldas, protegiéndolo sobre las tablas, disparaban y gritaban aturdidos. Aproveché el oscuro caos y me escabullí entre la gente que huía a tropezones.

Ese mismo día se decretó “estado de sitio”, se tendió un cerco alrededor de la ciudad y las fuerzas de seguridad empezaron a requisar las casas de los opositores. Los allanamientos se prolongaron varios días, pero no se dio con el autor del crimen, porque el autor, como ustedes ya lo saben, fui yo, nadie más que yo; un hombre acostumbrado a convivir con la oscuridad y el silencio, y dispuesto siempre a recobrar su libertad a cualquier precio.

 

II

Dos meses después de aquel suceso que conmocionó al país y provocó un amotinamiento cuartelario, caí a merced de mis perseguidores, quienes, a poco de seguir mis huellas y detenerme en una casa de seguridad, me condujeron a la cárcel, donde me torturaron varios días y varias noches, hasta dejarme a un pelo de la muerte. No recuerdo todo, pero sí el maltrato que recibían los presos, que berreaban como cerdos en las cámaras de tortura. En realidad, si me permiten ser más preciso, diré que en todas las cárceles ponían en práctica los mismos métodos de suplicio: los choques eléctricos en las zonas sensibles del cuerpo, la máscara antigás para provocar la muerte por asfixia, la “percha del loro” y el temible “submarino”, donde zambullían al preso en un recipiente de agua mugrienta, colgado como una res en el matadero.

Todavía recuerdo la noche que me encerraron en una celda solitaria y maloliente, desde cuya ventanilla, que daba a la celda contigua, me hice testigo de un crimen que ya no puedo callar por más tiempo. Todo comenzó con los gritos de un torturador:

–¡Traigan al terrorista!

Asomé los ojos por la rendija de la ventanilla y divisé a otros torturadores que, arrastrando el cuerpo de un preso, entraron en la celda iluminada por el foco pendido del techo. Uno de los tres, que sujetaba a un perro por la correa y con una cicatriz en la cara, ordenó:

–¡Desvístanlo!

El preso, que permanecía inmóvil y callado, quedó desnudo ante el perro que lo miraba inquieto, feroz y babeante.

Dos torturadores lo sujetaron por los brazos, le inclinaron el cuerpo y le separaron las piernas, dejando que el tercero lo sodomizara con el palo de la escoba. Después acercaron el hocico del perro hacia las piernas del preso, quien, a ratos, parecía que iba a hablar, llorar, gritar; pero nada. Se mordió los labios y las lágrimas le estallaron en los ojos. El perro, azuzado por su amo, se levantó sobre las patas traseras y arrancó de un bocado los genitales del desgraciado. La sangre manó a chorros y los torturadores lo sacaron de la celda.   

Pasada la media noche, volvieron acompañados por una niña y una mujer embarazada, desnuda y desgreñada.

–¿Qué hizo esta mierda para merecer la muerte? –preguntó uno.

–Es la querida de un terrorista  –contestó otro.

La mujer cerró los ojos y las lágrimas le surcaron las mejillas. La niña, sujeta al brazo de su madre, permanecía callada pero asustada.  

Los tres torturadores se movían como sombras bajo el chorro de luz, infundiéndome una sensación de miedo.

–¡A la silla! –ordenó el de la cicatriz, limpiándose el sudor de la frente.

La mujer se sentó con las manos cruzadas sobre el vientre. La sujetaron contra el respaldo, apartándola de la niña. Uno de ellos, aspecto de matón y mirada fría, le dio un revés de mano que le reventó los labios. Luego, levantándole el mentón con el dedo, dijo:

–¡Ya que te negaste a hablar por las buenas, ahora hablarás por las malas!

La niña, adosada contra la pared,  rompió a llorar con las manos en la cara.

–¿Dónde está tu marido?

La mujer no dijo nada. Tenía los ojos fijos pero aguados.

–¡Te he preguntado, gran puta! –prorrumpió con un bramido que lo sacudió de pies a cabeza.

Los torturadores la tiraron contra el piso sanguinolento. La volvieron a levantar por los brazos. La sujetaron contra la silla y la golpearon delante de su hija, una niña de unos cinco años, quien, aterrada por la bestialidad humana, fue obligada a mirar cómo un torturador tiraba con pinzas de los pezones de su madre, mientras otro le introducía el cañón del fusil entre las piernas. La niña lloraba a gritos, a medida que su madre era insultada y agredida con objetos contundentes. La golpiza fue tan violenta que, de sólo escuchar las voces y los quejidos, me dio la impresión de que su criatura se le metía entre las costillas. Al final de la sesión, uno de ellos, el más sádico y corpulento, tomó a la niña por los pies, la puso ante los ojos de su madre y advirtió:

–¡Si no hablas, la vamos a matar!... ¡La vamos a matar, carajo!

–¡No!... A ella no... –suplicó  la madre, la cabellera cubriéndole la cara y la voz quebrada por el llanto.

–Entonces, ¡habla pues, gran puta! ¡Habla!...

La mujer, empapada en sangre y sudor, seguía implorando que no tocaran a la niña. Pero ellos, movidos por sus instintos salvajes, decidieron hacerle el “submarino” delante de su madre, quien, atada al respaldo de la silla, no cesó de gritar ni de implorar, hasta que le sobrevino un ataque repentino que la tumbó contra el piso.

Dos torturadores, al constatar el fallecimiento de la mujer, la arrastraron de los cabellos y la sacaron de la celda. El tercero, respirando como una bestia excitada, sujetó a la niña por los pies y la batió en el aire, golpeándole la cabeza contra la pared que sonó seca y hueca. La niña cayó al suelo, y yo, conmocionado por la escena, retiré los ojos de la rendija y volví a sentarme en un rincón, temblando de miedo y de frío.

 

III

Al día siguiente entraron dos torturadores en mi celda. Me pusieron una capucha, me condujeron por un pasillo, me subieron por unas gradas y me introdujeron en una celda del segundo piso, donde me arrojaron como un costal de papas. Después me quitaron la capucha mirándome con infinito desprecio. Uno de ellos, que lucía un anillo de oro macizo, me dio un revés de mano que me hizo arder la cara.

–¡De aquí no se escapará ni tu sombra, carajo! –dijo frotándose las manos.

Lo miré taciturno y luego ojeé en derredor, pensando que su amenaza no era suficiente para que dejara de soñar con la libertad.

Los torturadores abandonaron la celda y trancaron la puerta a sus espaldas, dejándome sumido en la oscuridad.

Desde ese día, y por el transcurso de varias semanas, planeé cómo fugarme de la cárcel, hasta que se me ocurrió la idea de cavar un túnel a través de la pared que daba a un callejón sin salida. Esa misma noche quité los mosaicos y me dediqué a horadar la pared con la ayuda de un clavo que, envuelto en una pequeña bolsa de plástico, había escondido detrás del marco de la puerta. Al concluir la faena, tapaba el agujero con los mismos mosaicos, que unía con precisión y cuidado; en tanto los puñados de tierra que extraía del orificio, los echaba en el desagüe que servía de baño; un proceso minucioso que empezaba a la media noche y concluía poco antes de que llegara el carcelero a inspeccionar la celda.

Cuando todo estuvo acabado, sólo me quedó aguardar el momento preciso de la fuga. Esperé pacientemente hasta las vísperas de los festejos del Año Nuevo. Esa noche, minutos antes del toque de campana que anunciaba el nacimiento del nuevo año, el carcelero cruzó por la celda, asomó su rostro por la mirilla. Al verme tendido en la cama, la nuca reclinada contra la pared y los brazos sobre el pecho, se retiró haciendo tintinear su llavero contra las hebillas de su cinto.

Se apagó la luz de la celda y me alisté como estaba previsto. Quité los mosaicos de la pared, atravesé el boquete de unos treinta centímetros de diámetro y me fugué con la agilidad de un gato. Salté hacia el callejón sin salida, trepé hasta el tejado de las viviendas aledañas por una pared de adobes y bajé a un jardín exterior con la ayuda de una sábana retorcida como cuerda. Estando en medio de la calle vacía y fría, apenas iluminada por la luz de la luna, me pegué a la pared y corrí pensando en que el sueño de la libertad no puede estar encerrado entre los gruesos muros de una cárcel.

 

 

REFERÊNCIAS 

BELLINI, Giuseppe. Nueva historia de la literatura hispanoamericana. 3. ed., cor. e ampl. Madrid: Editorial Castalia. 1997

BENCOMO BARRIOS, Hector. Bolívar Jefe Militar. Cuadernos Lagoven. Serie Bicentenario. Caracas: Lagoven S.A., 1983.

BOHORQUEZ CASALLAS, Luis Antonio. Breve biografía de Bolívar. Colección José Ortega Torres. Bogotá: Gráficas Margal, 1980.

CABESA, Manuel. Relatos de Víctor Montoya. Disponível em: <http://www. rodelu.net/montoya/montoya163.html>. Acesso em: 30 jul. 2008.

CAMARGO, Alfredo Jose Cavalcanti Jordão de. Bolívia: A Criação de um Novo País – a Ascensão do Poder Político Autóctone das Civilizações Pré-Colombianas a Evo Morales. Brasília: Ministério das Rela-ções Exteriores, 2006.

CASAS, Juan Carlos. Um Novo Caminho Para a América Latina: o Modelo, as Mudanças, e as Razões que Vêm Dando Certo. Rio de Janeiro: Record,1993.

CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. 2. reimp. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma. Psicologia na Educação. 15. reimp. São Paulo: Cortez, 2005.

Galería de presidentes. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.bo/Presidentes_Bolivia/pr_Bolivia3.htm>. Acesso em: 29 set. 2008.

GOTLIB, Nádia Batella.Teoria do Conto. 10. ed. 4. imp. São Paulo: Ática, 2003.

IMBERT, E. Anderson. Historia de la Literatura Latinoamericana. 5 ed. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.v. 2: Época Contemporánea.

JOZEF, Bella. História da Literatura Hispano-Americana. 4. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Francisco Alves Editora, 2005

MONTOYA, Victor. Cuentos Violentos. 2. ed. Estocolmo: Ediciones Luciérnaga, 2006.

RODRÍGUEZ-LUIS, Julio. El enfoque documental en la narrativa hispanoamericana: Estudio taxonómico. México: Fondo de Cultura Económica. 1997.

ROSENFELD, Anatol. Reflexão sobre o romance moderno. In: __ Texto/Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 75-97.

ROUQUIE, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984. v. 16

SOLO Literatura: Disponível em:<http://www.narradores.cjb.net/>. Acesso em: 15 ago. 2008.

 

 

Helena Cristina Oliveira Barradas de Souza (Brasil) é licenciada em Letras pelo UNIVEM (Centro Universitário Eurípides de Marília, São Paulo). O presente trabalho foi orientado pela professora Kátia Rodrigues Mello Miranda dos Cursos de Administração, Ciências Contábeis e Licenciatura em Letras. Contatos: helena.barradas@udf.org.br e cmn@udf.org.br

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
Rua Direita, 131
5100-344 Britiande
PORTUGAL