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A soberania portuguesa, reconhecida naquela
assembleia, por Afonso VII, só veio a ser confirmada pelo papa, em 1179.
Mas o título de “Rei” de Portugal, que D. Afonso Henriques usava desde
1140, foi autorizado pelo rei de Leão, seu primo, no convénio de Zamora,
que tomou lugar a 5 de Outubro de 1143, comprometendo-se, então, o
monarca português, ante o cardeal-embaixador romano, a considerar-se
vassalo do Papado e obrigando-se, por si e pelos seus descendentes, ao
pagamento de um censo anual, no valor de cerca de 126 gramas de ouro da
época.
As negociações vão durar trinta e seis anos – de 1143
a 1179. Com data de 23 de Maio de 1179, o Papa Alexandre III envia a D.
Afonso Henriques a bula Manifestis probatum est argumentis. Neste
documento, o Sumo Pontífice aceita que D. Afonso Henriques lhe preste
vassalagem directa, reconhece, definitivamente, a independência do Reino
de Portugal, sem vassalagem em relação a Afonso VII de Leão e Castela
(pois nenhum vassalo podia ter dois senhores directos), e a D. Afonso
Henriques como (primeiro) rei de Portugal, sob o nome de D. Afonso I,
além da especificidade de uma monarquia hereditária, de então em diante.
Recorde-se que na bula se diz exactamente que “decidimos fazer a mesma
concessão a teus herdeiros e, com a ajuda de Deus, prometemos
defender-lha, quanto caiba em nosso apostólico magistério”.
Como poderemos justificar, estes 36 anos de espera de
uma súbita decisão favorável de Roma, praticamente inesperada – dados os
esforços, entretanto, continuados, tendentes à independência de
Portugal, à obtenção da categoria de Reino e a D. Afonso Henriques, a si
mesmo, como Rei de Portugal e o consequente reconhecimento do Papa, o
árbitro do direito internacional da época –, que obriga os demais
monarcas cristãos a admiti-lo como tal, proibindo-os, por outro lado, de
virem a subtrair-lhe as suas terras, nem no todo, nem sequer em parte?
O importante documento é confirmado por Clemente III
a D. Sancho I, filho e sucessor de D. Afonso Henriques, a 7 de Maio de
1190 e a D. Afonso II, a 16 de Abril de 1212.
Que motivos estariam, pois, – repetimos –, na base da
outorga de tão importante documento?
1.º D. Afonso Henriques continuou a guerra para Sul,
com perdas e ganhos, e perdas depois dos ganhos. Era assim, como assim
sempre foi. Conquistava-se e perdia-se;
2.º A efectivação da ‘reconquista’ do que se havia
deixado para trás, a qual fora uma demonstração clara dos esforços que o
caudilho tomava entre mãos e nas de seus homens de nunca desistirem e
prosseguirem além da linha do Tejo, fronteira a Sul, legada já por seu
pai, o Conde;
3.º Prosseguimento incessante da restauração da
Igreja de Braga, dando-lhe ainda mais força e ultimando contactos com as
arquidioceses de Santiago e Toledo;
4.º Restauro das dioceses de Lamego e de Viseu, em
1147, demonstrativa da sua continuada atenção ao reordenamento das que
manter-se-iam até hoje: facto ocorrido há 863 anos;
5.º Concessão de privilégios tementes a facilitar o
povoamento que entrava em linha de conta com o desenvolvimento
económico, a outorga de forais e de outras chartae populationes, como,
por exemplo, concelhos pré-existentes e que só vieram a ser legalizados
e organizados posteriormente;
6.º A outorga de doações de várias tipologias – na
maior parte, para produzirem efeitos de imediato – quer a particulares,
quer a institutos religiosos, como Santa Cruz de Coimbra, S. João de
Tarouca, Santa Maria do Bouro e Santa Maria de Alcobaça, esta última com
uma construção provisória em 1154 e definitiva iniciada em 1178. Apenas
para precisarmos as quatro mais importantes ao Centro-Norte do
território;
7.º Consolidação da importância da alta Nobreza ante
os demais extractos sociais e da Clerezia mais notável que, por este
facto, facilmente se distinguia do médio e baixo clero: eram os grandes
senhores feudais latifundiários, os ministros da corte régia e homens do
conselho do rei, os embaixadores aos países vizinhos e à Santa Sé;
8.º Protecção das ordens religiosas e militares
(Templários e Hospitalários, fixados em Portugal por volta de 1120/1130
e Calatrava ou freires de Évora e Santiago, por 1170), a fim de, com a
entrega de grandes extensões de terra, as encarregar do desenvolvimento
e da defesa do território, basicamente nas linhas de fronteira
(Leste/Oeste);
9.º Promessa ao Santo Padre do quádruplo da tença
anterior, passando de 126 gramas de ouro para cerca de 500 gramas
anuais, colocando-se à disposição de Roma na continuada luta contra os
inimigos do nome de Cristo que tinham posto um ponto final às
instituições romanas e suevo-godas, agora retomadas pari passu.
O facto é que a unidade imperial que se vivia na Península, com um único
imperador encarregado da “Reconquista”, contanto com reis e outros como
vassalos, desde há 122 anos atrás, com Fernando Magno, bisavô de Afonso
VII e de D. Afonso Henriques, perdia-se à morte do imperador de Leão e
Castela, verificada em 21 de Agosto de 1157, ano em que os seus dois
filhos lhe sucederam no Império, constituindo-se, então, ao invés, dois
reinos independentes: Sancho III ficou com Castela e Fernando II com
Leão. Não mais se obteve a unidade da “Espanha”, senão séculos mais
tarde.
Depois, num desaire impensado do nosso “Rei”, –
contrariando o disposto no Tratado de Sahagún [Maio de 1158] –, este
deslocava-se a Badajoz, tentando salvar Geraldo Geraldes, já preparado
para conquistar a alcáçova do castelo, quando, então, a 3 de Maio de
1169, seu genro, Fernando II, aliado aos Almóadas que chegaram prestes
do Norte de África, capturaram o “rei”, no momento em que ele tentava
escapar, fracturando uma perna. As condições tendentes à sua libertação
não foram as melhores, dado que D. Afonso Henriques teve de restituir
terras com que pretendia agraciar a Igreja. Mas a circunstância também
não foi totalmente negativa, apesar dos desastres militares do filho,
seu sucessor. O facto é que D. Afonso de Portugal, incapacitado de lutar
contra quem quer que fosse, pela idade e pela doença, voltou-se para a
Diplomacia e entabulou novos contactos com Roma. Deste modo, repare-se,
as missivas começaram a trocar-se com uma maior assiduidade; as
embaixadas cruzavam as fronteiras para chegarem à Santa Sé; as doações
de D. Afonso Henriques à Igreja e as expressas nas suas últimas
disposições testamentárias, num segundo codicilo de 1179, alimentavam a
boa vontade e o agrado do Sumo Pontífice em tomar acções, a um nível
correspondente.
Um facto internacional iria, pois, precipitar os acontecimentos.
Frederico Barba Ruiva, imperador do Sacro Império Romano-Germânico media
forças com o Papa, neste caso Alexandre III. Chegou a ameaçar invadir
Roma. Opunha-se, peremptoriamente, à designação por parte do Papa de
tutores para assumirem poderes laicos. Resumindo, o Sumo Pontífice devia
ater-se nos negócios espirituais e nunca intervir na esfera de acção do
representante máximo secular. Esta luta, nem tão surda quanto muitos
pretendem fazer ver, pois que nem a ela se referem, fará com que o Papa
reivindique, ou, melhor, se esforce o máximo que puder para que a
nomeação de Príncipes e Reis, a coroação dos Imperadores, representantes
dos Povos, e colocados por Deus na Terra para o governo destes, seja da
sua exclusiva competência. Que melhor exemplo ou evidência poderia
Alexandre III dar a Frederico, o Imperador, do que começar por fazer Rei
D. Afonso Henriques e colocar na Europa mais um Reino independente, o de
Portugal?
Não foi caso único, no momento. Mas, para nós, tendo
em conta a conjuntura e todos os factos menores que acima enunciámos,
fácil será admitir que o novo Reino resultou de um conflito de
interesses e de uma persistente acção militar e diplomática de D. Afonso
Henriques. Na verdade o que de melhor e mais evidente podemos considerar
ter ficado a dever-se ao nosso primeiro Rei foi o nosso Reino: foi
Portugal, um pequeno rectângulo, lado a lado com a gigante Espanha do
futuro!
Cronologia
Raimundo (1080-1107)
Veio à Península: 1.ª vez, em 1086/1087; 2.ª vez, em 1090, para casar-se
com Urraca.
Urraca (1082-1129). A morte de Afonso VI, em 1109,
legou a Afonso de Leão, seu neto, a Galiza, como Rei; A morte de Urraca
entregou Leão ao filho em 1126, e Castela e Toledo, em 1127.
Henrique (1066-1112)
Conde de Portugal: 1093, ao ser dada Teresa como mulher.
Em 1096, recebeu de Afonso VI o Condado de Portugal, retirado da Galiza,
fazendo-o vassalo régio e dependente de Raimundo e, mais tarde, após a
morte deste, de Afonso, o futuro Imperador Afonso VII.
Teresa (1080-1130)
Teresa com 13 anos e Henrique com 24, recebiam o Condado que, em 1096,
já se estendia até ao Tejo,
Raimundo morre em 1107; Afonso VI em 1109 e Henrique, em 1112. Em Agosto
de 1109, nascia D. Afonso Henriques na cidade de Viseu. |