REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2010 | Número 01

 

1. Num final sol de amor

 

Num final sol de amor reunir-nos-emos todos,
Onde o próprio Deus se nos apresentará
Como uma pequena criança assustada,
Mas cheia de todos os sonhos de tudo,
E orquestras de cores impossíveis constituirão
Sinfonias descobertas nas nossas tão grandes dádivas,
Plenas de lágrimas de alegria, e de saudade, e de beleza.

Ah! Que tudo e todos os que passarem
Estendam passadeiras desmedidas
De secretíssimos malmequeres, tudo cobrindo com
Seiva do espírito, para o início de uma
Nova harmonia, no inextinguível imaginário,
Na inextinguível vida!

 

 
DIREÇÃO  
Maria Estela Guedes  
   
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FERNANDO BOTTO SEMEDO

Num final Sol de amor

e outros poemas

                                                                      Fernando Botto Semedo
 

2. Neste dia infinito

Vejo a Tua face nos olhos inocentes
Dos pequenos pássaros da Tua alma,
Que incendeiam de Luz a luz desta tarde efémera.
O rosto Teu vejo no palpitar do sangue verde
Das Tuas árvores, minhas irmãs na irmandade
Da fulgurante vida das primaveras infinitas.
O poema é do Teu rosto e fervilha mansamente
Na verdade do meu transitório sangue.

As Tuas crianças são a alegria da Tua alma,
Próxima e quente, agasalhando estas palavras
Pobres, para que não se percam neste dia infinito.

 

3. Como uma primavera de poesia eterna e abençoada

O silêncio é a alma de Deus e a sua luz mais fulgurante,
E o branco escorre das lágrimas das crianças esquecidas,
Que residem no silêncio mais completo do seu doce olhar maternal,
Como uma primavera de poesia eterna e abençoada.
Há grandes festejos na alma de Deus, no silêncio sagrado que é.
Grandes velas de barcas da vida do olvido alvíssimo,
São flores inteiramente novas, puro invisível do seu absoluto amor.
O tempo refugia-se num silêncio puríssimo da alma de Deus
Para deixar de ser tempo e dor, e poder cantar, e poder correr
Como uma criança liberta na minha alma plena
De uma fulgurante alegria triste.
 

4. Nascente


Um clarão de doce luz insuportável, transportando consigo
A alma eterna do sonho, é um rosto inesperado, aqui,
E cujas lágrimas de comoção e esperança
Escorrem para o mais íntimo dos poemas breves.

Ele nasceu desde sempre, para alumiar aquela
Primavera de um inverosímil e sagrado devir,
Onde um sangue branco do esquecimento
Fará florir uma dor simplíssima e leve.

 

5. As lágrimas das crianças podem fazer florir o todo


As lágrimas puríssimas das crianças
Podem fazer florir o universo e o caos,
E todos os desertos da alma e todos os
Desertos da matéria.

As lágrimas puríssimas das crianças
São sementes infinitas que podem fazer
Com que os humilhados e os marginais
(Plenos de ternura e de visão ocultadas
Pela dor) principiem a cantar, a cantar
Todas as melodias brancas da liberdade
Do Homem e de Deus, e eu vejo arco-íris infinitos
E fulgurantes erguerem-se a meio da noite, sossegando-os
E a todos os seres doentes, dando-lhes como uma hóstia secreta
Essa água de um natal de infinita beleza íntima,
Ressoando pelo Todo corno um clamor de alegria
— O sol pleno e inefável pulsando um tal desmedido amor!

 

6. A noite é de luz e vem silenciosa e branca


A noite é de luz, e vem devagar,
Com sua alma branca e silenciosa,
Com as suas comovidas e misteriosas lágrimas,
Acolher-se à minha alma sem luz,
A minha alma sonhando com a casa eterna,
Do amor e da comunhão com o Deus infantil,
Que jamais revelou o seu rosto, talvez
Cicatrizado pela dor e por uma infinita saudade.

A noite é de luz, e vem devagar,
Com a sua feminina presença vestal,
Com o seu infinito bailado de galáxias
Do desconhecido, com os seus brinquedos quebrados
Numa infância destruída, acolher-se à minha alma sem luz,
A minha materna alma, para um eterno
E branquíssimo poema, com a sua partitura nítida
Na invisibilidade que me cega.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

FERNANDO BOTTO SEMEDO (PORTUGAL)
Fernando Manuel Boto Correia Semedo nasceu em Lisboa, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, no dia 18 de Junho de 1955. É licenciado em História (1981), pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Membro da Associação Portuguesa de Escritores (APE). Ao longo de 27 anos publicou individualmente 33 livros, desde «Agoas Livres» (1982) até «Sangue em Flor» (2009). O Autor foi objecto de crítica literária por parte de João Gaspar Simões, António Cândido Franco, E.M. de Mello e Castro, Maria Estela Guedes, João Rui de Sousa, Pinharanda Gomes, e José Augusto Mourão, entre outros.

 

 

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