REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | 2011 | Número especial
Homenagem a Ana Luísa Janeira

 

Ana Luísa Janeira
Foto de José M. Rodrigues

De como relações humanas

façam parte de nós:

Além das teorias da mente



JUDITE ZAMITH-CRUZ

Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho
 

Editor | Triplov  
ISSN 2182-147X  
Dir. |Maria Estela Guedes  
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O que se encontra atrás de nós e à nossa frente são pequenas questões, comparadas com o que se encontra dentro de nós.
(Ralph Waldo Emerson, sem data; citado por Dorothy Sisk, 1987, p. 3)
 

Introdução

Com o delineamento anterior de figuras mínimas, procurámos esboçar uma ausência de linearidade na vida de relação, comum a todos nós. Quando dedicada à Professora Doutora Ana Luísa Janeira, o desenho enquadra espaços de vida com outros e uma certa turbulência que é lhe é querida como pessoa inteligente e amiga.

Foi depois de um Colóquio - «Ciências, técnicas e valores», coordenado pela própria Ana Luísa, em 1993, que lhe pedi conceder-me uma entrevista, em que me permiti perguntar-lhe sobre uma vida profissional, em que «interdisciplinaridade» seria, então, uma palavra conotando a sua excepção e, de como viria a dizer-mo, «navegando bem», esse seria «o seu mar».

O início do diálogo com Ana Luísa também me ensinou o valor da diferença de mentalidades e a exigência de desaprender valores político-sociais, por pretender ser congruente/consistente no que se creia convincente.

 
 
 
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
 
 

 

Delineamento da vida intelectual de Ana Luísa Janeira

 

A Professora estudara e escrevera sobre Simone Weil (Janeira, 1967) e eu própria, psicóloga de formação, lera Sartre (e Beauvoir de «o segundo sexo»), mas nem a sua resposta ao «porquê» de estudar Weil me traria luz com cambiantes dela ser-com-outros e, no desnorte, o diagrama por mim desenhado modelou Ana Luísa, mas encontra-se por concluir.

A entrevista que no dia 3 de Fevereiro do longínquo ano de 1994 pedi à Senhora Professora foi introduzida, respondendo-me «não ter [tido muito anteriormente, em 1967] estrutura» para estudar Simone de Beauvoir (1908-1986), quando se propôs analisar vida e obra de Simone Weil (1909-1943), na investigação final de licenciatura em Filosofia, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Na minha desconexão com o tempo, parecer-me-ia que a primeira Simone fosse minha conhecida. Mas a outra Simone, quem seria? Via a sua fotografia em pensamento e sabia ser irmã de matemático, André Weil, que eu lera por sintonia com um matemático que me falara do Grupo Bourbaki.

Com a Professora desaprendi. Simone Weil foi minha autora também, sem ter feito leitura extensa. Com a Professora, passei a estudar igualmente textos de Padre Júlio Fragata (jesuíta eminente) e de Michel Foucault (1926-1984), com quem conviveu, conheceu amigos e leu mais (Zamith-Cruz, 1997).

Mas não foi logo a seguir ao comentário sobre quem fosse para si Weil, que Ana Luísa Janeira me contou tudo. Somente deslindei o encontro entre as Simones, relendo «Memórias de uma menina bem-comportada» (1982), de Beauvoir, obra de 1958, nas páginas que têm até hoje uma marca que Ana Luísa me ofereceu.

À época, Beauvoir ter-se-ia acercado do primeiro «intelectual de esquerda», Pierre Nodier (p. 241) que, estudante na Sorbonne, faria parte de massa de «surrealistas» (p. 242). Todo esse período, vivido anos passados por Ana Luísa, me fez abrir também para a diferenciação na pessoa e a autonomia de acção, desejável em anos vindouros.

Beauvoir (1982, p. 242) «abria o espírito» e ao «pacifismo» (p. 244) se entregava, ela que «era pela igualdade dos sexos» (p. 243) e, para essa condição psíquica ser por si relatada, culminou na diferença em Weil. De sobreaviso, Beauvoir tinha a concepção «pequeno-burguesa» de que não valeria a pena «pensar na felicidade da humanidade, se esta não tinha razão de ser» (p. 244). Weil viria a ser aproximada da resistência, na Guerra Civil de Espanha, após trabalho fabril.

No extracto de texto (Beauvoir, 1982, p. 244) dá Weil exemplo em contrário do que fosse a orientação «burguesa», sendo caracterizada por possuir «inteligência» e «bizarria» no trajar e, nos bolsos, mas em separado, teria aos 23 anos números de Libres Propos e de L'Humanité. Constaria então entre os jovens universitários, Beauvoir ressentindo-se por tal gesto, que Weil chorara pela fome vivida na China, durante os anos cinquenta do século XX.

As palavras trocadas, quando se encontraram as duas filósofas, foram-me ditas sem fixação ao texto, que tive que encontrar e descobrir no significado plural: igualdade versus diferença. Portanto, enquanto Beauvoir assumira que «o problema não seria tornar os homens (e mulheres) felizes, mas sim encontrar um sentido para a sua vida», Weil acreditaria que «a revolução» viria a «dar o pão a todos», um dia na China. Weil quando a ouviu, terá ripostado, no olhar que foi dos pés à cabeça e voltou aos pés: «Vê-se bem que você nunca teve fome».

A semelhança de pensamento ou a diferença (eco de felicidade de alguns, poucos) marcam o modo como nos posicionemos na vida.

Não passou fome Beauvoir, mas quem foi a pessoa que Ana Luísa estudou com idêntico nome de Simone? Aos 23 anos, se Ana Luísa estudasse «um rebelde», segundo explicou, não trataria de «escândalo», no que em Beauvoir «lhe escaparia». Em sentido contrário, a minha profissão existencialista primeira é sustentada ao longo de anos. Não. De novo, estávamos em terrenos diversos, logo nas primeiras palavras trocadas. Ana Luísa o que vira em Weil, afinal?

Como seria o caso, Ana Luísa não responderia de imediato a interpelação. Primeiro, contou-me que lera «As meditações metafísicas» (cujo subtítulo seria relativo a demonstração de existência de Deus e a separação mente e corpo), escritas em 1641, por René Descartes (1596-1650), em curso de Professor Miranda Barbosa, em Coimbra mas, como aluna católica, fora o professor a dizer-lhe ter de pedir «uma licença ao seu bispo» para o poder ler.

Fiquei a saber de raspão que também a obra de Descartes fora colocada no Index. Eu sabia existirem livros proibidos, anteriormente à revolução de 25 de Abril de 1974 e, ainda assim os comprava em livraria da Avenida de Roma, em Lisboa. Não tinha qualquer problema. O que eu não sabia é que a Professora fora «respeitadora a 100%» do que fosse proibido ler, pelo Index Librorum Prohibitorum. Assim colocado, até Eça de Queirós foi por Ana Luísa lido não antes dos 24 anos, fazendo-me esse reparo, para acrescentar que fez (nos seus estudos de licenciatura e de doutoramento, em História da Filosofia Contemporânea, em 1971) «dois místicos», meus desconhecidos: Weil, uma «pessimista» e Teilhard de Chardin, um «optimista». Foi essa a primeira vez que Ana Luísa se me colocou como ambivalente nos sentimentos explicitados. Na actualidade, já saberemos que essa faceta, comum aos seres humanos, os preserva de serem ditos polarizados - «bom» ou «mau», por conta do nosso cérebro com regiões cerebrais aproximadas ou sobrepostas. Ao contrário dos animais, quando nos seja observada uma emoção forte como o amor ou o ódio, o amor sobrevive na mescla sentimental mais duradoura amor-ódio. Portanto, somente os seres humanos são ambivalentes.

Aos 27 anos, Ana Luísa foi também a primeira pessoa que conheci a ter estudado, tão cedo para a época, em Paris I, no Panthéon-Sorbonne, para escrever uma tese cujo nome foi «Os fundamentos filosófico-científicos na obra de Theillard de Chardin». Quando eu teria quase 34 anos, não passaria Chardin de um nome «não existencialista».

Portanto, Ana Luísa assumiria não ter «inventado» que seriam «os dois maiores místicos do século XX» por si estudados. Admirava-os muito, podendo «falar de Weil como se fosse sua amiga». Aquela figura magra de Weil seria o que em mim contava, mas a Professora poderia elucidar-me.

Novo paradoxo se seguiu, quando a minha interlocutora acrescentou, escrito nas primeiras folhas de entrevista: Se Weil «ressuscitasse», nem teria «de que falar com ela», aliás, «nem a quereria conhecer». Ainda assim, «falaria dela, como de uma amiga»?

O que «apaixonou» Ana Luísa, no «pensamento místico» de Weil? «Muito interessante», por exemplo, na «interdisciplinaridade», é Teilhard, mas não aderiu ao seu pensamento, porquê?

Ana Luísa aderiu antes a Weil, por conseguinte, uma pessoa «ímpar», mas terá até mesmo «embirrado» com ela, «fisicamente». Eu conhecia a fotografia e imaginei associar-me. Como diria em outros momentos de conversação, «também se pode perguntar...».

Convicções abalizadas são as que sejam contrastadas com pessoas que as tenham similares na experiência ou espaço de pertença.

Os nossos dissensos seriam de desvalorizar. Não soube em que lugar me colocar. A figura de Weil, por mim retratada com óculos, seria de parecença comigo? Seria o corpo um padrão de referência, também para me dizer Ana Luísa, em outro lugar, que a personalidade única, na Filosofia, não «existiria»? Ao contrário, para a Ana Luísa, Rudolf Nureyev (1938-1993), terá dado um passo em frente, de dança, extraordinário, quando o viu em cena em Paris. A ponto de o identificar como podendo ser «homem ou Deus».

Também para Ana Luísa o interesse pelo outro, Weil ou Nureyev, passaria pelo que lhe «escapasse», afinal.

 

  1. Somente crianças são «teorias ingénuas»?
 

As teorias ingénuas são «teorias da mente», ou seja, são teorias espontaneamente concebidas por crianças e bebés, adultos e jovens, quando atribuam a outros intenções, crenças, desejos ou representações mentais (no sentido de pensamentos ou sentimentos).

Numa abordagem cognitiva, aparentemente consentânea, o mundo «real» é entendido estruturado ou ordenado (Houdé, 2004, 2005, pp. 74-77; Bideaud & Houdé, 1989, p. 66) e a criança é dita viver em cenário mental menos caótico do que se pensou no passado (Lécuyer, 1996, 2004). O conceito de número natural[i] não é adquirido com a «idade da razão» e a entrada no ensino formal. O bebé discrimina tipos de energia de objectos inanimados e tem o conceito implícito de objecto. Com cerca de 6 meses considera os seres humanos distintos dos objectos, possuindo «vida mental» (Spelke, sem data; cit. por O. Houdé, 2005, p. 77): quando vê um objecto afastar-se de outro objecto, sem que o primeiro o empurre, surpreende-se, o mesmo não acontecendo quando o observa entre seres humanos. O seu cérebro e a cultura fazem-no intuir, espontaneamente, uma teoria ingénua da mente. Alan Leslie diria que o bebé, à nascença, possui um módulo de teoria da mente, o que decorre da evolução das espécies.

Depois dos 3 anos, a aquisição da consciência é notória[ii], bem antes do mais sofisticado raciocínio moral (Kochanska et al., 1994), o que é favorecido (ou não) por temperamento, carácter e o modo de interacção precoce com mãe ou substitutos significativos (Kochanska, 1997). Na medida em que as raparigas têm distintos circuitos cerebrais para a empatia[iii], manifestam marcada sintonia com quem delas cuide e proteja (Weinberg, 1999), ao contrário de autistas (Frith, 1997, p. 92). São mulheres a melhor reconhecerem e avaliarem emoções de outras pessoas (McClure, 2000; Hall, 1978, 1987), processo crucial para a empatia (Kosslyn & Rosenberg, 2004, p. 359), o que consuma uma garantia, na sua segurança ao avaliarem situações (Snodgrass, 1985, pp. 146-155; Tavris, 1991, pp. 89-136).

A consulta psicológica é uma actividade de prestação de cuidados em que a empatia (avançada)[iv] e/ou a compaixão[v] são difíceis de elucidar, quando nos queiramos «colocar na cabeça» de outra pessoa – uma «teoria da mente». Ao nível do envolvimento, por «combinação da presença (no aqui-e-agora) e da objectividade emocional» (Arnold & Boggs, 2003), salientar-se-á na empatia o auto-conhecimento, o desenvolvimento pessoal-social do psicoterapeuta e a auto-descoberta (self-disclosure), para além de termos da relação/contrato terapêutico.

No que se explora no presente artigo de Psicologia - a gestão de distância relacional, este contínuo e metáfora de abertura[vi] e fechamento[vii] ultrapassa o recurso psicoterapêutico do «eu» (self) na empatia, por se aliar a uma forma de isolamento, qualidade que demarca a profissão.

Pese dizer-se que ninguém possa sentir o que outro sinta (Freeman. 1995), exploraremos o modo de nos envolvermos e de nos distanciarmos, para melhor reflectirmos em isolamento, quando ajudamos crianças ou adultos «difíceis».

 

  2. Redes neuronais combinadas na empatia e na linguagem
para percursos em inter-ser
 

Não será por meio de um só «módulo» do cérebro que os circuitos cerebrais «acesos» e «apagados» no compartilhar de sentimentos, crenças e conhecimentos seja provavelmente identificado, excepção feita para estudos com indivíduos enquadrados no «espectro autista», por Uta Frith e Francisca Happé, entre outros investigadores do Departamento de Neurologia Cognitiva de Wellcome, em Londres.

No autismo, um gene que se supõe estar implicado encontra-se no cromossoma que se crê também conter um gene implicado na linguagem (Cohen, 1998, p. 2119), o que em conjunto se depreende associado à comunicação e partilha de sentimentos.

Rochel Gelman (in MIT Encyclopedia of Cognitive Sciences, pp. 128-129) defende que possuímos esquemas inatos e competências conceptuais precoces de natureza abstracta, para domínios «específicos» como a linguagem[viii], o que também veio a ser contestado em anos recentes (Goldberg, 2005, trad. port. 2008, p. 185). Afinal, o hemisfério esquerdo não monopoliza a linguagem, após se ver crianças normais activarem o hemisfério direito na aquisição linguística (Goldberg & Costa, 1981; cit. por E. Goldberg, 2005, trad. port. 2008, p. 185) e analisados danos cerebrais das que sofreram lesões no hemisfério direito (Bates, 1999; Bates & Roe, 2001; cits. por E. Goldberg, 2005, trad. port. 2008, p. 185).

Ainda quando corria a noção mais consensual de lateralidade da linguagem, Noam Chomsky (1955, 1965) defendeu o mecanismo inato para a sintaxe, pressupondo uma matriz profunda, a sua estrutura básica. Uma mesma estrutura gramatical (como a decomposição de palavras em sujeito-verbo-complemento) não aliena a possibilidade de línguas diversas e a variabilidade das frases possíveis (Clark, 2003).

Mas há outros mecanismos inatos. No domínio sócio-emocional, o inglês John Bowlby (1951) foi um psiquiatra (etólogo e psicanalista), que estudou a ligação mãe-criança, alertando para o risco de separação, em ausência de prestação de cuidados adequados em situações de institucionalização de menores («hospitalismo»). Esse outro mecanismo inato – relacionamento - era então amplamente evidenciado, depois de período sensível. Essa concepção, permite-nos dizer ser muito difícil depois de período sensível (primeiros anos), ser-se capaz de manter relação íntima genuína: nas primeiras interacções emocionais com pais sustentam-se os posteriores laços de afecto (Bowlby, 1988).

De facto, os recém-nascidos de certas espécies formam um vínculo emocional com a mãe (Lorenz, 1937). Essa é a crença, estudada cientificamente, de que os bebés e os progenitores estão biologicamente predispostos a ligarem-se, o que é essencial à sobrevivência dos bebés e às suas relações futuras de harmonia.

E se há resposta materna a recém-nascido (por efeito do neurotransmissor oxitocina), têm vindo a ser evidenciados processos evolutivos também inatos e ligados à conduta, como o efeito da vasopressina (a hormona social masculina). Ambas as substâncias químicas do cérebro, na ausência de aprendizagem, «fazem com que se deseje agir de forma masculina» (Brizendine, 2007, p. 13).

Assim colocado, depois dos primeiros etólogos (zoólogos alemães)[ix] estudarem em contexto não laboratorial animais, neurobiologistas fazem saber que as hormonas têm o poder de determinar o que o cérebro esteja «interessado» em fazer (Brizendine, 2007). Mas também a sermos «todos interaccionistas», sabemos sermos sujeitos a «códigos» em que o meio se cruza com a genética, indissociavelmente.

Por último, na maquinaria cerebral, se os mecanismos de reconhecimento de padrões (memória genérica, linguagem, reconhecimento de caras, conceito de número natural ou relacionamento íntimo) nos permitem mais do que classificar coisas (Goldberg, 2005, trad. port. 2008, p. 97), a linguagem também nos permite decidir como actuar em relação a ideias e a pessoas.

Por conseguinte, desde crianças agarramos conhecimento de nomes de pessoas, interacções, coisas e acontecimentos de modo congruente, sem que sejam factos desconexos e sempre agimos no mundo.

Na base desse modelo cerebral modulado, pretendemos inferir adiante o que nos une por «co-sentimento» ou por me «sentir com» alguém em qualquer sentimento - compaixão. Agimos então quando colocamos em palavras pressupostos de abordagens dinâmicas (mas não psicanalíticas), em que o indivíduo é compreendido como «auto-organizado», mas também é observado como podendo transformar-se, de forma a mudar (Mahoney, 1991, trad. bras. 1998, p. 49), quando se insista na ilustração projectiva de que ser é vir-a-ser (filosofia processual) e na unidade/complementaridade de «tensões opostas» - processos antagónicos. Um exemplo pode ser dado do que pretendemos debater: ao longo de um diálogo ou na simples co-presença não verbal, pode ser-se conduzido a inter-ser - uma exploração de abertura e/ou fechamento de possibilidades relacionais e da pessoa vir-a-ser.

Nos seres vivos, a expansão e o fechamento opõem-se, assim como um ser humano se opõe a outro ser humano. Opor-se, sem julgamento de valor, será possível quando o comportamento for separado do valor conferido à pessoa (Kamins & Dweck, 1999), nos termos rogerianos (Rogers, 1980; Riley, 2000, p. 138), como segue:

«A empatia genuína está sempre desprovida de juízos de valor ou de diagnóstico. Aquele a quem é dirigida percebe-o com certa surpresa: ‘Se eu não estou a ser julgado, talvez não seja tão mau ou anormal como eu pensava. Quem sabe se não me julguei com demasiada severidade…’» (Rogers, 1980; Riley, 2000, p. 138).  

Adiante será discriminado do desafio «agressivo», um tipo de desafio cognitivo dito «progressivo» ou confronto activo (Mahoney, 2003, p. 27).

Nessa base experiencial/vivencial, a probabilidade de auto-aceitação (e o auto-conceito[x]) é gradualmente aumentada, tanto quanto a possibilidade humana de realizar as próprias potencialidades (auto-realização), dito que em meio certo, esse desenvolvimento ocorra em tempo.

 

  3. Competências de ajuda psicológica e educacional
 

Tenho confiança na caminhada que sempre empreendemos para a ordem, o auto-conhecimento e em sintonia com a aquisição e desenvolvimento de conhecimento humano. A vida humana também volta e torna a voltar a nós mesmos, ainda que não se trate dum eterno retorno[xi]. Retomaremos ainda o passado ou anteciparemos o futuro por esquemas relacionais, base complementar ao modo como o acentuou R. W. Emerson (1803-1882) no mote e expressão depois da epígrafe – é preciso olhar para dentro de nós mesmos.

Por acréscimo de sentido, mostrarei que a relação humana que privilegio na clínica psicológica envolve interacções em colaboração e em que se observam procedimentos de afirmar a pessoa com compaixão e esperança, o que implica reequilibrações permanentes de ciclos de experienciar riscos para novas capacidades a aprofundar e reflectir. No entanto, por redução conceptual também se contrasta a presença, o carinho e a compaixão com o confronto (na auto-regulação, por estratégias de coping)[xii] ou desafio cognitivo «progressivo»[xiii], exigido à mudança humana (Mahoney, 1991).

E então quando se pretenda atingir o âmago do ser humano com a intenção de o educar, de o entender e de o levar a aprender passa-se pela relação como desafio ou perturbação[xiv]. Uma criança, adolescente ou adulto, pode assim ser «aprendiz», emocionalmente andaimado[xv] por pessoas em situações que desafiem a sua estabilidade.

A aprendizagem exige andaimagem e novidade e, entretanto, crianças, mulheres e outras minorias continuam a ser vistas como «sujeitos passivos de determinações estruturais» (James e Prout, 1997, p. 4)? Sofrem muitos circunstâncias externas aflitivas: condições sócio-económicas de miséria familiar, nascem em famílias disfuncionais, frequentam escolas sensaboronas, são batidas por "maus" pais e professores e o sistema de ensino em Portugal é debatido (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2009). 

 

  3.1. Prevenção de situações de risco e desenvolvimento humano
 

Na sua primeira década de vida, as crianças representam hoje quase metade da população mundial e são o futuro do mundo. «O adulto (...) é o ideal para o qual tende a criança» (Château, 1946)?

Outros paralelos inter-geracionais podem ser colocados. Uma personagem de Milan Kundera, em O livro do riso e do esquecimento, fez o seguinte comentário, dirigindo-se a um grupo de rapazinhos, em alusão àquela expressão comum: «A razão pela qual as crianças são o futuro não é o facto de elas se tornarem adultas algum dia. Não, a razão é que a humanidade evolui cada vez mais para a infantilização e assim a infância é de facto a imagem do futuro». Os adultos perderam o rasgo cognitivo dado pela adultez ou a idade da razão deu lugar à resignação.

Em todo o mundo, são vítimas de subnutrição mais de 900 milhões de crianças e adultos. Já em 18 de Janeiro de 2006, em Portugal, foi relatado na comunicação social que é violada uma criança de 2 em 2 dias, número que aumentou. De modo incansável, todavia, muitos adultos procuram reduzir o sofrimento dos mais novos. Outra das suas maiores preocupações[xvi] com os miúdos é criar-lhes segurança e paz para se recrearem e desenvolverem[xvii]. Pensa-se que será a mudança individual a desencadear mudanças mais amplas, sociais e no meio ambiente, defendendo-se que transformações individuais e colectivas sejam reciprocamente complexas, atendendo às intenções dos indivíduos face aos seus mundos.

Mas se não existem infâncias perfeitas, acarinhar os mais jovens exige cuidar deles, manifestar solicitude, atenção e interesse. Numa relação de carinho, a sua expressão é um assunto controverso, já que reflecte o nosso quadro social e as nossas capacidades simbólicas em imaginarmos o que outra pessoa sente – possuímos uma «teoria da mente»?

Como foi supra-referido, a teoria da mente[xviii] foi desenvolvida nos anos noventa do século XX e foi reportada (nem sempre adequadamente) a autistas (Baron-Cohen et al., 1993), defendendo-se que, no quotidiano, uma pessoa tem diversos níveis de capacidade para inferir o que outros estão a pensar, crer, desejar, sentir, de maneira a ser previsto e explicado o seu comportamento. Antecipa-se o que outros «podem compreender e o modo como reagirão numa dada situação» (Kosslyn & Rosenberg, 2004, pp. 501-502).

Uma miúda de 6 ou 7 anos já não vive na alcofa? Não. Caminha para o exterior do lar. Formula raciocínios inesperados, cria interrogações existenciais e aprofunda a dúvida e a incompreensão sobre a sua vida. Quer ter grandes amigas, segreda-lhes confidências e tem segredos. Escapa ao olhar da mãe, não lhe obedece. Pode estar inquieta. Escolhe as suas músicas e roupas. Pode deixar de trabalhar com a realidade psicológica (os seus desejos) para transformar a realidade segundo substituições, entregando-se a actividades psicomotoras, a danças árabes e a desportos, a abstracções e a acções simbólicas, nas actividades sócio-educativas.

As manifestações mais impulsivas da primeira infância (0-3 anos) e da segunda infância (3-6 anos), polarizadas na relação aos pais, dão lugar ao grupo extenso de pares (escola e amizades) na ambição de presença e de pertença ao grupo.

Acredita-se que a personalidade da criança se torna afinal acessível, se dá a conhecer, conversando com ela ou observando-a a brincar e a desenhar, em actividade individual (Winnicott, 1971). Os seus «problemas» (temores, tormentos...) desenrolam-se muitas vezes atrás do palco, ainda que o pensamento mágico deixe progressivamente de fazer sentido.

Ao longo dos anos, temos vindo a utilizar estratégias vivenciais (imagens mentais), a colocar questões e pedidos desenhos em conversações com crianças (Zamith-Cruz, 2007, 2006a, 2006b, 2010; Zamith-Cruz & Carvalho, 2008). Com essa intenção, realizámos um trabalho em colaboração prolongada com muitas raparigas e rapazes, com a intenção de aprofundar a interacção e a experiência, em que a criança foi afirmada[xix] na sua auto-eficácia e esperança, envolvida com carinho, compaixão e propiciado o reequilíbrio em momentos de abertura e de fechamento, de suporte afectivo e de desafio cognitivo.

Portanto, no presente texto afirma-se, o que consuma a fenomenologia (percepção pessoal-social), que contribui para o sentimento de dignidade humana e única realidade construída de que as pessoas existem (incondicionalmente) para outras pessoas: os pais para os filhos ou os educadores para crianças, jovens e adultos. Aprofundaram-se características supra-referidas na relação para a presença efectiva que firma e afirma outrem, para além dos empreendimentos educativos intencionais[xx] e coordenação nas acções de vivenciar (imaginação guiada) desenhar e dialogar (Young et al., 2003).

Eliciaram-se portanto co-construções das suas «teorias informais» da mente.

 

  3.2. A concepção de presença no aqui-e-agora
 

É sempre difícil definir «presença» junto de criança ou adulto: «Estás comigo, quando estás comigo?»

Desejo ter desenvolvido, ao longo de mais de 20 anos, a capacidades em (mostrar) estar presente e em prestar atenção a alguém (apreendendo quando não estou presente, ainda que esteja frente-a-frente), com quem comunico, a partir de formação psicológica experiencial com o psicólogo americano Mike Mahoney:

«Digo então a mim mesmo: ‘Está aqui, presente, agora!’ Quando uma pessoa entra no meu campo visual, não estou comummente consciente da minha expressão facial. Para essa pessoa, olho os seus olhos, a cara e o movimento que me seja dirigido. Para mim mesmo centro-me na intenção de estar presente. (…) Procuro o conforto que as pessoas sentem em se encontrarem consigo próprias. Acho que as pessoas se sentem mais confortáveis comigo, quanto mais eu me sinta confortável. A abertura é facilitada por relaxamento e geralmente concentro-me em relaxar a respiração e a voz. (…) Não incito ninguém a falar-me de questões emocionais ou privadas no início dum encontro e tento desenvolver o seu ritmo de expressão. Se uma pessoa me parece tensa ou se manifesta incomodada, desajeitada ou desastrada, procuro respeitá-la, não questionando emoções e sentimentos» (Mahoney, 2003, p. 16). 

«Aceitar, sem questionar, é respeitar». Defendeu-o também Agostinho da Silva (1906-1994), em entrevista televisiva.

Parecerá que estar humanamente presente numa interacção liga-se a termos arriscado explorar novas formas de nos relacionarmos connosco.

Até mesmo aqueles que nos são mais queridos podem ser afectados por essa base de encorajamento e de nos sentirmos com alguém («com-paixão»). Com Mahoney (2003, p. 15) acredita-se existirem momentos cristalinos de compreensão e de carinho, com tal impacto, que poderão ondular outras vidas e gerações, o mesmo sendo válido para momentos de julgamento e de crueldade.

Encontros interpessoais são experiências únicas e sempre diferentes. Não é nem a passagem do tempo nem as temáticas abordadas que os diferenciam: é a presença face a face que torna os encontros e os desencontros sempre diversos.

 

  4. Desafios para a mudança humana
 

Não parece inadequado aliar a presença ao carinho, alento e encorajamento. Aspectos relacionais mais diferenciados do que afirmar alguém é ainda confrontar a pessoa emocionalmente andaimada com situações que desafiem a sua estabilidade.

Os desafios emergem com a aceitação mútua de que são desejáveis novas oportunidades para experienciar algo em equilíbrio instável[xxi]. Desde a mais tenra idade, o desenvolvimento sócio-emocional integra, como foi dito atrás, exigências de segurança e conforto integrados por desafios cognitivos propiciados pelos cuidadores primários (pais, irmãos…) ou outros.

Em casos em que um indivíduo se sinta esmagado por desafios inapropriados, por excessivos ou «agressivos», procura ajuda profissional, excepção feita a crianças e pessoas com perturbações do foro psicótico.

E como se muda, inculcado o desafio?

Mudamos com dificuldade e lentamente, sem afectar a identidade do eu e o sentido de realidade. Todo o sistema vivo (para além do sistema humano) é fundamentalmente conservador[xxii]: a sua primeira prioridade é auto-ajuda, abrigo, preservação e busca de protecção. A mudança humana envolve, portanto, novas maneiras de nos relacionarmos connosco (como foi dito) e de nos relacionarmos com outros e com a sociedade, assim como se assumem novas maneiras de resolver os conflitos humanos (muitos dos quais centrados no poder).

Penso que formas de mudar são, por exemplo, modos diversos de nos percepcionarmos, de arriscarmos sentimentos que possam parecer ameaçadores ou desconfortáveis e de explorarmos a vida.

O ser humano pode ajudar outro ser humano a mudar?

Sim, mas também pode retardar a sua mudança, caso possua poder sobre esse indivíduo e seja o seu alvo preferido de apego emocional. Na família é onde se geram maiores conflitos. Paradoxalmente, é nela que os laços afectivos são mais intensos e duradouros.

Assim considerado, características de ajuda a outro ser humano implicam segurança, flexibilidade, carinho afectuoso e capacidade de deixar realizar a descoberta activa, sem constranger.

E como se ajuda alguém a mudar?

Por competência relacional e equilíbrio elástico[xxiii] nas interacções e por ajuste no balanceamento em termos de requisitos flexíveis de entreajuda – entre o envolvimento e o distanciamento. Duas dimensões básicas e relacionadas estão presentes no equilíbrio interpessoal sempre versátil e instável – a criação de contrastes entre abertura e fechamento e entre conforto e desafio.

 

  4.1. A abertura e o fechamento, condições humanas de elasticidade
 

Ser elástico não é uma qualidade inata ou um modo de ser. É um processo dependente dos desafios que se enfrentem, da etapa de desenvolvimento em que esses desafios ocorram, de factores sociais e culturais e do próprio temperamento/carácter inato.

Por vezes, crianças ou adultos[xxiv] estão tão alheados do que se imponha na escola, que se podem abrir, fazendo perguntas, explorando significados e jogando com ideias e possibilidades.

Mas a vida é feita de ciclos sucessivos e simultâneos de abertura e de fechamento, em que é ganho sentido de ordem proporcionado por expansões e constrições à experiência – essa é uma expressão de auto-organização. E se nos expandimos demasiado, arriscamo-nos a comprometermo-nos em excessivos desafios que, tantas vezes, nem chegamos a «acomodar».

Os processos de aquisição de conhecimento e de desenvolvimento requerem antes da pessoa um delicado equilíbrio, sujeito a embate em terreno movediço, para proteger a sua coerência/congruência nos «processos centrais de ordenação» (Mahoney 1991, 2003), ao mesmo tempo que gere o novo, isto é, a diferença que faz a diferença.

A mudança requer assim novas experiências e, no mínimo, episódicas aberturas à experiência. As transformações em tais processos de natureza, predominantemente, não linguística (não proposicionais), dicotómina (polarizados) e direccional (dirigidos mais em uma ou outra direcção), são os valores[xxv] e as concepções de eu[xxvi], de realidade[xxvii] e de poder (de controlo)[xxviii].

Como se disse, o sistema vivo é fundamentalmente conservador – resguardo e cautela ajudam-nos a protegermo-nos de mudar. Essa é uma condição, por exemplo, quando se explorem novos territórios geográficos ou se seja confrontado com contextos de prazer ou sofrimento. Nessas situações, é comum o sistema adaptável retroceder, contrair-se, fechar-se um pouco.

Aliás, cada indivíduo tem o seu tempo e estilo de abertura e de fechamento, os quais não são per se modos de viver «bons» ou «maus». E num sistema vivo esses processos são exigidos para a sua manutenção em movimento e são mútuos, recíprocos e alternativos suportes vitais.

Quando respiramos, inspiramos e expiramos. O exemplo de expansão e fechamento pode ser dado com as partes dos órgãos e do corpo que se contraem e dilatam como os pulmões, os poros, as artérias, as pupilas, o coração ou o sistema digestivo.

 Mas ao contrário da respiração ou da digestão, a metáfora da abertura e do fechamento implica não podermos atribuir um valor global significativo a esses processos em relação com a experiência. Não é somente porque nos mantemos sempre a mudar que o valor da mudança se estabelece. O que está em causa é sermos, em simultâneo, dados a expandirmo-nos e a contrairmo-nos, em diferentes níveis (dos sistemas e órgãos à dimensão psicológica «extroversão-introversão»), existindo um contínuo de níveis intermédios. Existem ritmos variáveis e complexos que não podem ser captados num número sumário para abrirmos e fecharmos áreas orgânicas e a auto-consciencialização também reflecte esses ciclos rítmicos. Nem sempre temos consciência de expansão e de contracção na acção. Por sua vez, se esses processos forem ilustrados pelo contraste entre pensar e sentir, podemos ser em grande parte dirigidos pela cabeça ou conduzidos «fora da nossa mente».

O romano Vittorio Guidano (1991) aludiu à dança perpétua entre experienciar («I») e reflectir («me»), enunciada por William James.

Giampiero Arciero (1999, Arciero & Guidano, 2000, Arciero et al., 2003) explorou esse processo de mantermos e reatarmos a coerência cognitiva.

Milan Kundera (1983) apelou à «insustentável leveza do ser»[xxix] e retrocedeu até à absorção na experiência corporal («I») e criou um parêntese dessa experiência pelo recurso verbal («me»), usando palavras, conceitos e reflexões da experiência: descrições, comentários, interpretações, análises ou explanações próprias de um literato.

No quotidiano, é fácil observar-se o alheamento irreflectido ou a verbalização categórica dos que nos rodeiam. As acções exploratórias e/ou emocionais são indicadores de abertura, arriscando-se vivenciar - experienciar.

Por acréscimo de sentido, quando se pensa na oscilação da dimensão que abrange o pensamento e o sentimento, vê-se como os indivíduos se movem com os seus ritmos, por processos de auto-organização.

Quando os nossos ritmos são perturbados, podemos dar-nos conta deles.

 

  4.2. O desafio cognitivo não colide com o suporte afectivo
 

Todos buscamos afirmação, apoio, conforto nos outros.

Se desejamos ser acarinhados, aprendemos a confortarmo-nos, o que pode ajudar a confortar outros ou a manipulá-los, ainda assim com empatia.

Diariamente, nem sempre encontramos pessoas empáticas (Huguet, 2005, p. 59): amáveis no diálogo, calorosas, abertas aos outros, com a aptidão de os compreenderem, ressentindo as suas emoções e tomando em conta as motivações alheias.

Em interacções, os processos não antagónicos de suporte afectivo e de desafio cognitivo exigem responsabilidade, sendo preferencialmente preparados com sensibilidade e, de modo cíclico, sendo conduzido o experienciar em conjunto do desafio para circunstâncias problemáticas – ameaças, danos e desafios:

«Nas situações de ameaça, ocorre uma expectativa em relação a um acontecimento negativo, que impõe a acção da pessoa, com vista a reduzir a probabilidade da sua ocorrência. Nas situações de dano, por sua vez, existe já um mal/prejuízo evidente, mas que poderá ser minimizado ou maximizado, em função das atitudes ou acções do indivíduo. Nas situações de desafio, o indivíduo confronta-se com situações que põem à prova a sua competência ou imagem, obrigando-o à necessidade de mobilização de aptidões de confronto para enfrentar a realidade» (Gonçalves, 1993, p. 99). 

White (1985; citado por A. Vaz-Serra, 1988, p. 303) também referiu o conceito de aptidão de confronto, como «mecanismos de defesa», nos seguintes termos:

«Tendemos a falar de confronto (coping), quando temos em mente uma modificação relativamente drástica ou um problema que desafia as formas familiares da pessoa se comportar e requeira a execução duma nova conduta. Essa condição dá origem, com frequência, a afectos desconfortáveis como a ansiedade, o desespero, a culpa, a vergonha ou o pesar de cujo alívio faz parte a necessidade de adaptação. O coping refere-se a esta adaptação em condições relativamente difíceis» (White, 1985).  

Mas o que é sermos confortados, de modo genuíno, não adulterado, por alguém?

Quando apertamos uma pessoa nos braços, a agarramos ou a escutamos atentamente somos compassivos, convidando-a encostar-se, em sentido literal ou metafórico, o que indica que essa pessoa se pode abandonar, ali e ao nosso lado, em silêncio ou não. Quando vivermos momentos difíceis, desejaremos alguém presente na nossa dor, reduzindo a solidão da nossa altercação, esforço, combate, conflito ou luta aberta.

 

 

5. Como entender os desafios cognitivos que nos propomos na aprendizagem/aquisição de conhecimento

 

Gerir relações implica preparar os encontros, apoiar-se em pontos fortes mais do que apiedar-se pelas próprias fraquezas ou pelas fragilidades detectadas nos outros, numa escolha deliberada contra o derrotismo.  

Nessas circunstâncias em que se dá mais valor às oportunidades onde outros vêem ameaças, riscos e danos (sem acções paliativas), os desafios podem ser confrontos activos e não provocações agressivas, que têm tantas vezes lugar nos limites da capacidade e da possibilidade.

Os desafios «agressivos» (decorrentes da ira, podendo implicar o domínio ou incorrer na dúvida acerca das capacidades do outro) não são «progressivos» (Mahoney, 2003, p. 27) ou confrontos activos.

Por conseguinte, esses dois tipos de desafios podem ter significados e serem sentidos como diferentes, em dependência da tonalidade emocional, do contexto em que ocorrem e da qualidade da relação de que dependem.

O desafio agressivo encontra-se, por exemplo, no confronto dos campos de batalha, no jogo de combate/agonístico ou nas lutas pelo poder. Chega a tomar a forma de insulto ou de «ousadia» que conduz a acções destrutivas.

O outro tipo de desafio é um convite à elasticidade da personalidade e, nesse sentido, pode ser dito «progressivo». Essa orientação do desafio parte duma relação carinhosa e transmite uma mensagem de confiança na capacidade. Com serenidade, doseando-se manifestações de humor, com domínio/mestria e rigor pessoal, encoraja o estiramento para diante, para novas capacidades e em aspectos essenciais de desenvolvimento e de realismo - auto-conhecimento mais objectivo.

Nesse último sentido, dito progressivo, o desafio arrasta o convite a explorar ou a experimentar na prática ou mentalmente algo – procurar ou tentar o diferente, o novo mas viável (como no processo «criativo»[xxx]), o que é uma experiência não familiar. Assim sendo, o desafio progressivo é essencial para um processo de mudança e o desafio encontra-se no cerne do ensino de modos de educação e entreajuda.

Todavia, a forma que assume um qualquer desafio, o seu âmbito e o tempo exigido devem ser sintonizados com as competências actuais e correntes das pessoas e, ainda, sistematicamente reequilibrados. Essa acepção é parte do que se chamou relação incondicional positiva (aceitação emocional) na família, na educação e na psicoterapia. Esse é o «desafio que exija intenso esforço e capacidade» (challenge of challenging).

No entanto, um desafio inapropriado, por excessivo, atendendo aos requisitos supracitados (centralidade/demarcação do seu âmbito, tempo exigido e capacidades pessoais) poderá constituir uma barreira à aprendizagem e/ou ser sentido pela pessoa como destrutivo, impossível de atingir ou esmagador: «Isto é demasiado; isto é muito rápido…».

Mas também se não se chega a pedir a outrem que arrisque um qualquer desafio adequado, a pessoa perderá energia e disponibilidade temporal, além de sermos cúmplices da manutenção do seu modo disfuncional e antigo de viver.

Essas são exigências psicoterapêuticas em que os primeiros desafios de clínicos ocorrem somente quando a afirmação do cliente em segurança e carinho são aceites por este, sentida confiança no profissional:

«Esses desafios surgirão então como uma dança a dois. Será pior a pessoa ser arrastada prematura ou excessivamente para um desafio do que não ocorrer esse intento de mudança forçada. Se erro, prefiro errar na direcção do menor desafio que coloque a alguém do que no sentido do desafio extremo. Quando as pessoas manifestam sinais de retraimento, respeito-as. Também as encorajo a testemunharem o seu processo de fechamento e dignifico a sua intenção que é uma forma de auto-protecção» (Mahoney, 2003, p. 28).  

Na relação pedagógica, tanto a colaboração activa como a compaixão são centrais, sem esquecer a exigência de se estar presente e afirmar o estudante, em ausência de distância excessiva, com razoabilidade, controladas emoções próprias, por exigência e rigor pessoal. Essa escolha de risco é possível quando se possua uma atitude positiva frente à vida e de aceitação do outro, o que não é sinónimo de tolerância ou de deixar correr.

 

  Uma palavra final: A expansão humana fomenta a esperança
 

O sentido da estabilidade e da permanência foi atrás contrastado com a transitoriedade, a inconstância e a volubilidade: a mudança.

O mesmo pode ser dito nas orientações da psicologia marcada por paradigmas inconciliáveis: behaviorismo, psicanálise e cognitivismo.

Assim colocado, a «simpatia» foi um termo que se opôs a «empatia» por delimitar um território relacional, em ausência de distância crítica, conotado com abordagens psicanalíticas. Para Milan Kundera (1983, trad. port. 1986, p. 29), amar por compaixão não é amar.

Entretanto, quando se refiram «experiências compartilhadas» e, para a impossibilidade de condição «vivida» de empatia, Walter Freeman (1995) defendeu que seja impossível ir mais longe do que «simpatizar», o que não foi entendido nos seus termos, por mais que nos custe mudar e mudar as palavras: à intimidade contrasta-se a solidão e, na hierarquia de sentimentos, sentir com outrem é de inquestionável valor humano.

Por acréscimo de significado, sabe-se que o que se aprenda no paradoxo para o co-sentimento: a alegria começa onde acaba o isolamento - modifica conexões neurais, fazendo com o que recordamos mude continuamente.

Paradoxalmente, afinal, a alegria e a esperança nunca serão ensombradas se acreditarmos que complementam a saudade e o medo existencial que nos perpasse em certos dias.

Nessa última perspectiva, um ou outro dia pode ser monótono, tedioso e insatisfatório: «hoje, tive um ‘mau’ dia!». Encontrar num dia «benefícios» depende de se reflectir não ter ocorrido um problema grave, o que poderia acarretar uma altercação no próprio dia ou no dia seguinte.

A maturidade ganha nessa ou noutra experiência de «tédio» joga então um papel significativo para a distinção entre o essencial e o acessório, para a esperança e a serenidade, quando se recorde o que está a correr bem, sem ser tantas vezes apreciado.

Mas também existem distintas interpretações sobre o que é «bom» ou «mau» viver, ainda que as coisas possam ser diferentes do que se afiguram quando se tornem «piores».

E até mesmo o que é tido por «mau» sugere uma ou outra oportunidade para melhorar o relacionamento.

Com efeito quando nos empenhemos em entender e compreender outros, todos nós damos significados díspares à vida e somos guardiães de esperança, participando-o activamente, como quando se declare qual seja esse significado para si mesmo e para outros - «a vida é uma dádiva…». «A vida vale a pena[xxxi]».

Curiosamente, a pena está colocada por trás da vida. Se Sócrates defendeu que a vida não reflectida não vale a pena ser vivida, o inverso não deixa de ser justificado, na medida em que a vida não vivida também não vale a pena ser objecto de reflexão (Kopp, 1978).

Indubitavelmente que a capacidade de proteger, reatar ou restaurar a esperança nem sempre nos é presenteada: «Ao contrário da garantia dada pelo poeta inglês Alexander Pope (1688-1744) – a esperança simplesmente não pula, para todos nós, ‘o lado eterno no seio da humanidade’» (hope spring eternal in the human breast) (Mahoney, 1991, p. 374; 2003, p. 23).

De modo complementar, pensa-se que a esperança possa ser educada e vigiada pela crença activa, firmada e afirmada na capacidade e na possibilidade face ao bem que é estarmos vivos.

Viver é então um processo supremo de amar ainda mais e ligado à auto-narrativa (identidade do «eu») e, se não traduz algo mais do que correr, importa recriar modos de vida e buscar significado para o que fazemos:

«As nossas extensas literaturas e laboratórios de investigação psicológica ensinaram-nos que o significado da vida não repousa, confortavelmente, num nicho como uma teoria única, modelo exemplar de vida biográfica ou texto. O que constitui uma ‘lição de vida’ parece ser que o seu significado seja interminável e individualmente recriado nas lutas e triunfos por vivermos» (Mahoney, 2003, p. 23). 

Os conceitos e concepções de viver e de sobreviver, basilares à construção das crenças e desejos, em dadas circunstâncias de existência, nem sempre são eficazmente operacionais. Nos processos que imprimamos à esperança das crianças e à criação do seu envolvimento seguro e acolhedor, é-lhes por vezes negado um refúgio.

Para o «melhor» ou «pior», tem-se esperança em que não lhes seja negado, em última instância, um acréscimo de valor conferido à vida, promotora de alegrias e esperanças: superar barreiras entre nós e outros e partilha de sensações o que nos aproxima.

Propusemo-nos mostrar que desde crianças necessitamos de cuidados de pais que criam vínculos com elas e, mais tarde, desejamos desempenhar papéis de cuidadores, o que implica crenças e desejos, conhecimentos, atitudes e valores de cooperação.

Partiu-se de se pensar existir variabilidade no nível cognitivo para diferentes domínios, logo, não possuirmos uma capacidade cognitiva geral, em que se isolam factores como a atenção, a inferência ou a memória, segundo o modelo de estudo inicial de processos básicos de conhecimento ou da teoria de Piaget.

A teoria de Piaget é de domínio-geral, porque «o pensamento duma criança, de uma dada idade, pode ser caracterizado em termos dum nível cognitivo geral» (R. Gelman, in MIT Encyclopedia of Cognitive Sciences, p. 128).

De acordo com certas teorias alternativas às teorias de domínio-geral, nas teorias de especificidade de domínios, a estrutura do conhecimento genérico (por esquemas) até é uma barreira poderosa à nova aquisição de conhecimento num domínio científico.

As nossas teorias populares (folk theories) opõem-se à compreensão mais complexa, avalizada por investigação empírica e experimental.

Concebe-se igualmente que, a partir de distintas áreas de conteúdo, existirão diferentes modos (estruturados) de pensamento e mecanismos implicados na aquisição de conhecimento (Susan Gelman, in MIT Encyclopedia of Cognitive Sciences, pp. 238-239).

As inferências ou ilações atrás propostas são, portanto, reportadas a um saber ligado a teorias de especificidade de domínios: módulos no cérebro (teorias modulares), teorias de peritos (expertise)[xxxii] e teorias da mente, comuns, ingénuas e populares.

A teoria da mente é uma teoria que chega hoje a rondar a meta-teoria: Saber o que os outros pensam?

Para as perspectivas da modularidade da mente, a mente possui, para a maioria dos investigadores, de forma inata, invariantes biologicamente determinados para sistemas separados, em domínios específicos. Essa é a abordagem mais poderosa entre cientistas, partindo de Chomsky (linguagem) e Fodor (processos perceptivos). Os módulos são, também para a maioria dos seus defensores, observados independentes. Foi formulada a conjectura de que, na neurociência, outras perspectivas venham a ser colocadas por Elkhonon Goldberg e Louis Costa – «sabedoria» é o reconhecimento de padrões/modelos.

 

  Notas
 

[i] Para comprovar a sua mini-teoria de que a criança adquiria o conceito de número, depois dos 6-7 anos, Piaget colocava a criança frente a duas filas de tentos (de jogo), mais ou menos afastadas. A criança enganava-se até aos 6-7 anos. Declarava que a fila que era mais longa tinha mais tentos. Esse é um erro de intuição perceptiva. Em 1968, o psicólogo Jacques Mehler mostrou que aos 2 anos já não se engana com bombons e escolhe o conjunto com maior número, mesmo sendo o mais curto. É a emoção e a guloseima que fazem a diferença.

[ii] Se o carácter não depende somente dessa consciência precoce, na adolescência, sentir empatia veio a ser crucial em um amplo leque de situações morais (Hoffman, 2000).

[iii] Sem deixar de ser um estereótipo social, mesmo antes do conhecimento do cérebro feminino (Brizendine, 2007), Carol Gilligan (1982) mostrou que as mulheres terão avaliações «mais elevadas» do que homens nas suas ligações/afinidades sociais, o que foca as interacções e Lennon e Eisenberg (1987) reconheceram nelas empatia «superior», para além de notáveis orientações de prestação de cuidados (Feingold, 1994).

[iv] A concepção de empatia foi primeiro utilizada por Carl Rogers (1951) e muito difundida na Psicologia da Saúde (Arnold & Boggs, 2003), defendido que a empatia genuína e a exactidão exigida na avaliação da compreensão humana ultrapassa a reflexão pela palavra. Empatia e aceitação incondicional positiva foram os componentes da psicoterapia humanista que distinguiu o comportamento do valor conferido à pessoa (a qualquer pessoa), antes mesmo de se saber que uma criança com vinculação «pobre» aos pais (ou outros significativos, cuidadores primários) teria dificuldade em compreender como outros se sentem (Gabbard, 1990; Pollock et al., 1990), por possível «limitação» da função parental (parenting), por privação emocional, por abuso ou por comportamento inconsistente de cuidadores (Patterson, 1986; Patterson et al., 1989).

[v] Compaixão significa sofrimento (nas línguas derivadas do latim, ao prefixo «com» e a raiz «passio»), mas em checo, em polaco, alemã ou sueco, o substantivo utiliza um prefixo equivalente, associado a «sentimento» (Kundera, 1983, trad. portuguesa, 1986, p. 29).

[vi] Abertura liga-se à dilatação e ampliação, ao iniciar-se ou criar-se algo. Podendo ser precedida de barreiras (auto)impostas, envolve processos psíquicos e físicos coibidos ou reprimidos e a libertação do fluxo de tensões e do movimento.

[vii] Fechamento associa-se ao estreitamento. Fechar algo pode ser terminar uma actividade. Nós abrimos «para cima» e fechamos «para baixo».

[viii] A palavra, mas também a emoção e a inteligência, a visão, a memória ou a comunicação adquirem novos relevos nas redes neurais. Assim sendo o cérebro pré-programado pela articulação natureza e cultura, é observado por estudos IRM (imagem de ressonância magnética) para domínios cerebrais menos difusos e que comportam hiperespecialização, à semelhança do sistema reprodutivo, do sistema respiratório, locomotor ou digestivo (Workman & Reader, 2007).

[ix] A abordagem etológica na psicologia foi o estudo comparativo de animais com seres humanos, mediante observação prolongada dos primeiros, o que nem sempre é exequível em seres humanos, por questões éticas.

[x] Em Rogers, o auto-conceito define-se como um conjunto de crenças, desejos, valores e atributos que definem a pessoa para si mesma.

[xi] O conceito de eterno retorno associa-se a reversibilidade, a possibilidade de voltar atrás. Mas o estado de uma árvore não é reversível. Nem o de uma pessoa. No entanto, quando raciocinamos, estamos sempre a fazer reversibilidades: Dizemos que é igual o estado antigo ao presente. Contudo, a segunda tristeza nunca é igual à primeira. Com o passar do tempo, adquirimos resiliência e, se a reversiblidade é um conceito intelectual, não da natureza, ainda assim, ajuda-nos a prever.

[xii] Em 1985, Monat & Lazarus (1985; citado por A. Vaz-Serra, 1988, p. 303) defenderam que o coping (confronto) "se refere aos esforços para lidar com as situações de ameaça, desafio e dano, quando não está disponível uma rotina ou uma resposta automática".

[xiii] É fácil dar o exemplo do desafio cognitivo, em sentido oposto, entre adultos. Em situações públicas de fechamento ao confronto exigido por um debate, é comum registar-se perseveração emocional ou corporal (estereotipias), entorpecimento da consciência e, no caso extremo, perda de consciência. Fugindo ao desafio há sempre quem diga «vamos falar somente disto!». A perseveração (do latim perseverato, «manter-se firme») é um termo utilizado por Jung para a obsessão da repetição, aderência e insistência em certas representações. 

[xiv] «Perturbação» é um termo importante na teoria da auto-organização dos seres vivos, mas também na teoria piagetiana. Significa tornar o status quo instável e desequilibrado, quebrar a homeostasia, produzir um sentido de unease. Perturbação é uma noção aproximada, em consulta psicológica, do «confronto», o que significa apontar discrepâncias ou incongruências no pensamento do cliente.

[xv] Scaffold, traduzido por «andaime», aplicou-se à relação adulto-criança como «andaimagem», ou seja, como o acto em que o adulto coloca andaimes ou suportes à criança para aprender, sendo apoiada ou subtilmente guiada pelo mais velho. O termo «andaimagem» (scaffolding) (Wood, Bruner & Ross, 1976; citados S. Ellis & R. S. Siegler, 1994, pp. 341-343) usa-se para descrever as actividades do adulto no sentido de dar ao educando estabilidade para o poder desafiar, cognitivamente, a aprender algo que sozinho seria muito difícil. A andaimagem envolve o uso de estratégias específicas, tendo-se desejada a participação, a manutenção do interesse e o aumento da competência expressiva e dialógica da criança. Quando envolvidos nessas situações, os adultos assumem, primeiro, a responsabilidade das facetas mais difíceis das tarefas – por exemplo, planificando-as para as circunscreverem, dividindo-as em sub-etapas e monitorizando/observando a eficácia de diferentes tácticas – enquanto são as crianças a realizar as partes das tarefas que elas conseguem efectuar (Wertsch, 1978; citado por S. Ellis & R. S. Siegel, 1994). À medida que elas demonstrem maior competência, gradualmente, os adultos cedem-lhe o domínio das actividades até que sejam elas a realizá-las de forma autónoma.

[xvi] As preocupações exclusivas de adultos situam-se nos problemas relacionais de poder (de controlo) e de busca de significados para a vida.

[xvii] De acordo com uma investigação para avaliar a ansiedade, Newcomb (1989) argumentou que as crianças envolvidas no estudo não seriam poupadas às consequências do poder nuclear então desenvolvido. Por conseguinte, a ética dos adultos é acrescida de responsabilidade e de sabedoria para reequilibrar o actual conhecimento e poder científico-tecnológico, na medida em que este potencia perigos de destruição.

[xviii] Essas teorias explicativas das teorias informais na infância incluem, entre outras, três perspectivas/teorias da mente, descritas por A. M. Diniz (2004, pp. 87-95): (1) Teoria da Modularidade/Modulares de Simon Baron-Cohen, Uta Frith e Alan M. Leslie; (2) Teoria da Simulação de Paul Harris; e (3) Teoria da Teoria de Bartsch, Wellman e Perner.

[xix] A palavra «afirmação» deriva da palavra muito mais antiga que se refere ao processo de animar ou fortalecer. Afirmar alguém não é reforçar positivamente essa pessoa, na medida em que não se intente lisonjear, entusiasticamente, seja o que for que a pessoa faça.

[xx] Intencionalidade [do latim in e tendere (estender-se em direcção a)] é «a tendência dos sistemas auto-organizados para serem capazes de antecipação – ou seja, a tendência em integrarem memória e previsão em níveis relativamente selectivos, em todos os níveis de actividade» (Neimeyer & Mahoney, 1995, trad. bras. 1997, p. 337). Aproximo essa concepção do indivíduo como projecto, um sujeito em movimento.

[xxi] Vivemos em equilíbrio instável e, como veremos, os ciclos humanos de estabilidade e de instabilidade são dissociados em diversos domínios, o que pode exemplificar-se para partes do corpo e órgãos corporais que sofrem processos metabólicos assíncronos, interdependentes ou independentes.

[xxii] Tendemos a manter a coerência cognitiva (estrutural), recorrendo à resistência (positiva, logo, com conotação não freudiana), em detrimento da busca da «verdade» (Rowlands, 2008, p. 16): somos crédulos, crentes nas histórias que contamos a nós mesmos. Tanto Ramón Núnez como Richard Gregory (sem data; cit. por E. Punset, 2008, p. 117) enfatizaram já, que o nosso cérebro busca o equilíbrio (no que desejemos alcançar) e a sobrevivência, pelo que tende a preencher espaços em branco no que não chegamos a saber.

[xxiii] Ser elástico não é uma qualidade inata ou um modo de ser. É um processo dependente dos desafios que se enfrentem, da etapa de desenvolvimento em que esses desafios ocorram e do temperamento/carácter.

[xxiv] Em oposição ao que se segue, os adultos dão mais vezes sinais de fechamento conceptual como, por exemplo, ao fazerem declarações definitivas em resposta a outros adultos ou crianças, ao manifestarem inabilidade em compreender perguntas abertas ou ao formularem categorizações rígidas. O fechamento pode traduzir-se, inclusive, em se afirmar não sair duma questão durante uma reunião: «Vamos só falar disto!».

[xxv] Os valores ordenam a experiência emocional para as dimensões dicotómicas «bem-mal» ou «certo-errado». Os valores mais estudados são sociais e humanos, políticos, éticos, económicos e estéticos.  

[xxvi] As concepções de «eu» servem para nos diferenciarmos dos outros e comungarmos com eles – dinâmicas em duas direcções do eu-tu e do mim-você. Uma questão central é a necessidade de nos sentirmos consistentes.

[xxvii] As concepções de realidade trazem uma ordem perceptiva ou experiencial em si mesmas e, nesse sentido, conduzem a um padrão/tema na experiência, a um ou vários significados associados e à realidade experienciada.

[xxviii] As concepções de poder (de controlo) organizam as actividades das pessoas em estilos que reflectem as suas experiências relembradas ou antecipadas por esquemas de energia, força, poder, mutualidade ou reciprocidade.

[xxix] Livro entendido por Ítalo Calvino como «O insuportável peso do viver», aludindo à sua interpretação.

[xxx] Piaget viu a criatividade como imitação diferida – «imitação de modelos não fisicamente presentes no momento da primeira reprodução», o que se observa já entre os 18-24 meses no bebé que inventa novos meios através de combinações mentais (Phillips, 1968, trad. port. sem data, p. 81).

[xxxi] Pena é sanção jurídica por violação da lei. A ideia de pena reporta-se ao castigo infringido pelo não cumprimento da regra, explicitada no Direito Legal. A expressão portuguesa e espanhola «valer a pena» para algo compensador indica que isso nos merece trabalho ou sacrifício.

[xxxii] Para as perspectivas das teorias «que exigem qualidades de especialistas», a mente alcança mecanismos de mudança desenvolvimental, que são associados a competências de processamento de informação.

 

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Judite M. Zamith-Cruz

Professora auxiliar do Instituto de Educação - Universidade do Minho, Braga - Portugal, com licenciatura em psicologia clínica, mestre em educação - área de psicologia, mestre em filosofia - especialidade em ciências cognitivas, doutorada em psicologia. As áreas de interesse são o desenvolvimento cognitivo e emocional-social, comum e excepcional, e a aprendizagem, considerados indivíduos, contextos e culturas. Tem implementado estratégias psicológicas com implicações na educação sexual e, mais globalmente, na motivação e sucesso educativo, no domínio do pensamento crítico e criativo, sobredotação/ talento.

 

 

© Maria Estela Guedes
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