Natal, riso e obscenidade

 

 

 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES
Foto: Maria do Céu Costa


Gabriela Morais, como ficcionista e como historiadora, ocupa-se dos longes da nossa História, aqueles que remontam aos primórdios do povoamento da faixa ocidental da Península Ibérica, e não raro  vão ainda mais longe no passado, trazendo informação absolutamente inédita para a maior parte de nós. Tal é o caso de dois títulos saídos já há alguns anos na editora Apenas Livros: Do riso ritual de Valpaços ao mito – O riso, o sexo e o obsceno, potenciadores da fertilidade, e de Em busca do Natal perdido.

No primeiro caso, o ineditismo atinge um tema pouquíssimo tratado em Portugal, quer relativamente às matérias de que se ocupa Gabriela Morais – costumes, tradições, iconografia – quer à Literatura: o riso. Não parece que os portugueses sejam mais tristes que outros povos, parece é que há falta de respeito pelo riso enquanto expressão de arte, cultura e civilização. Seja exemplo dessa falta de respeito a destruição de figurinhas obscenas que ornamentavam os portais e os capitéis de muitas igrejas, como a Sé de Lamego, de que já só existem duas ou três, apresentadas nas fotografias da parte central do caderno.

Entre parêntesis, direi que uma dessas figurinhas, fotografada por mim e posta há anos no Triplov, foi, e ainda deve ser, a imagem mais vista no site, o que documenta o interesse e a curiosidade por estes assuntos que, em Gabriela Morais, lembram aquele alquimista que descreveu as figuras esculpidas em várias catedrais francesas, disso tendo deixado registo em obras como O mistério das catedrais: Fulcanelli.

O assunto central da obra é o facto de o riso, por vezes desencadeado pela obscenidade, participar dos antigos ritos agrários como expressão e invocação de fertilidade.  De resto o tema vem no subtítulo: entendia-se que riso, sexo e obsceno potenciavam a abundância de alimento.

Várias situações festivas de riso são apresentadas, de que hoje sobrevive sobretudo o Carnaval, manifestações que outrora ocorriam mesmo no interior das igrejas cristãs, caso do risus paschalis e do risus natalis. 

O risus natalis conduz ao segundo livro de Gabriela Morais, Em busca do Natal perdido, com explicação dos ritos atuais e passados da época natalícia. Mais curioso é sempre o passado, porque não o conhecíamos: o Natal é pré-cristão, a data corresponde, não ao nascimento de Jesus Cristo, sim ao solstício de Inverno – tal como a Páscoa tem lugar no equinócio da Primavera – o que leva a concluir que o mito pode ser com frequência registo astronómico ou de qualquer outro conhecimento antigo. Tal como se subestima o riso, também o mito se desvaloriza quando lhe atribuímos o significado de mentira. Com isso, não só vamos perdendo o fio de conhecimento que liga o presente às nossas mais remotas origens, como ignoramos que riso e obscenidade, no lugar e tempo próprios, são sagrados.

 

GABRIELA MORAIS
1 Do riso ritual de Valpaços ao mito – o riso, o sexo e o obsceno, potenciadores da fertilidade. Lisboa, Apenas Livros, 2013

2 Em busca do Natal Perdido, Lisboa, Apenas Livros, 2011

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