Recordamos que, no capítulo I, referimos os sistemas jurídicos aplicados em África e que o latino era integrador, apesar de transigir com os consuetudinários, na medida em que não afectassem o sistema jurídico metropolitano (fê-lo numa perspectiva que conduziria ao progressivo desvanecimento dos consuetudinários) (1). O cristocentrismo constituiu o referencial dos instrumentos jurídicos implantados no Ultramar, dele se destacando três fases: a assimilação tendencial na «Época Heróica», a assimilação uniformizadora (após 1820) e a reacção contra esta última, nos finais do século XIX (2).
Era sentimento generalizado do povo português, quando do início dos acontecimentos em Angola, que Portugal era multicontinental e multirracial, possuindo a sua população igualdade de direitos. Nunca a população da Metrópole e a europeia, residente em África acreditaram que a subversão armada, se instalasse nas províncias ultramarinas, à semelhança do que acontecera em alguns territórios coloniais. Esta convicção não deixava de ter as suas razões, pois os portugueses em toda a parte onde estiveram, com a preocupação da dignificação das populações, procuraram manter com os povos nativos uma relação de acentuada cordialidade, pacífica e respeitosa (3). Além do mais, exceptuando algumas práticas pontuais que apenas confirmam a regra, nunca o “(...) Poder Português se franqueou ao preconceito da discriminação racial (...)”(4). Vigorou o Estatuto do Indigenato, que seria abolido pelo Decreto-Lei nº. 43893, de 6 de Setembro de 1961, passando, assim, toda a população portuguesa a dispor de igualdade jurídica.
Os grupos oposicionistas da política ultramarina formulada pelo Governo Português já há algum tempo que trabalhavam as populações nativas, procurando fomentar a linha de fractura entre estas e a população branca, “(...) a subversão movimentava-as e dinamizava-as em redor da ideia força independência (...)”(5), ao mesmo tempo que molestava os africanos fiéis à soberania portuguesa, nomeadamente, as autoridades gentílicas.
Quando o conflito eclodiu, faltavam ainda as estruturas de Acção Psicológica, pois, anteriormente, era habitual atribuir às 2 as Repartições dos Quartéis Generais (Repartição de Informações) essas responsabilidades, sendo só em 1963 criada uma secção de Acção Psicológica no seio da referida repartição do Estado-Maior do Exército. Numa guerra como a subversiva/revolucionária, que envolve essencialmente a conquista e adesão das populações, pareceria exigível a existência, a nível nacional, de um Serviço de Acção Psicológica, que, em Portugal nunca chegou a ser criado. Este facto, associado a uma tardia e insuficiente organização da estrutura militar nesta área, não possibilitou o lançamento oportuno e eficiente, de uma campanha de contra-propaganda nem o combate com êxito ao efeito de lassidão. Nunca se passou de “(...) actividades dispersas de alguns órgãos e entidades, tanto civis como militares, com impacto nítido no campo da Acção Psicológica (...)”(6). Só no ano de 1970 é que foi criada uma Comissão Interministerial com o objectivo de, a nível nacional, planear e coordenar a Apsic e a actividade dos diversos ministérios interessados. Porém, apesar da falta de estruturas e de um plano concertado para actuação a nível da Acção Psicológica, algumas medidas foram tomadas com vista a atingir quer a população branca, quer a população negra. Na fase inicial do conflito, a Acção Psicológica, orientada para as populações da Metrópole e para as Forças Armadas, com a intenção de alimentar a determinação de oposição ao inimigo e levar a acção contra-subversiva a bom termo, focou temas como as atrocidades cometidas de forma indiscriminada, sobre europeus e africanos, na Baixa do Cassange. O Poder Português aproveitou, ainda, para relacionar a situação com uma eventual traição dos elementos ligados à tentativa de golpe pelo General Botelho Moniz e, assim, justificar a impreparação portuguesa para os acontecimentos.
Outra situação, com grande impacto psicológico entre os elementos das forças armadas e alguns sectores da população civil, foi a invasão, em 17 de Dezembro de 1961, de Goa, Damão e Diu com 45000 homens em acção e 26000 em reserva, contra 4000 do lado português, tendo sido tomado a 19 do mesmo mês o principal reduto português da cidade de Pangim, assinando-se a rendição ao meio-dia (7).
Face a um contexto internacional tão adverso e à diversidade de instrumentos e métodos utilizados pelos movimentos independentistas, para desenvolverem a sua Acção Psicológica, as dificuldades, para Portugal vencer, eram enormes. No caso da Guiné, só em 1963 é que começaram a ser elaborados relatórios periódicos e instruções para lançamento de Apsic em todos os escalões, mas, só em 1965, por determinação do Governador e Comandante-Chefe General Arnaldo Schultz ao seu Gabinete Militar, foi elaborada “(...) uma directiva de Acção Psicológica ajustada para a guerra revolucionária, que então se deparava (...)”(8) na antiga Província Portuguesa.
A partir de 1965, os meios para a acção não escassearam; além de se publicarem regulamentos específicos, passaram a desenvolver-se cursos, estágios e palestras; foram criados os jornais das unidades e os centros informativos; realizaram-se reuniões para apresentação de filmes, fotografias, dísticos, cartazes e publicações de natureza variada (9).
O General Spínola, durante o período em que foi Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas da Guiné (de Março 1968 a Setembro 1973), procurou retirar à subversão o “substrato dinâmico” de carácter social em que esta se apoiava e, colocando-o ao serviço da contra-subversão, pretendeu opor à revolução social subversiva uma eficaz contra-revolução anti-reaccionária, “(...) combatendo ideias com ideias (...)”(10), uma vez que estava consciente de que um plano de contra-subversão não se projectava “(...) no campo da missão das Forças Armadas, mas sim no campo do fomento económico e social e da promoção cultural das populações (...)”(11). A execução da manobra contra-subversiva, preconizada pelo General, visava o sector da manobra militar, o da promoção sócio-económica e o da manobra psicológica (12), estando a manobra militar e a sócio-económica interpenetradas, mas desenvolviam-se em esferas de acção diferenciadas - fomento e segurança - correspondendo-lhes, também, acções diferenciadas. A manobra sócio-económica visava conseguir a adesão da população e impedir ao PAIGC a realização dos seus objectivos psicológicos, a manobra militar pretendia garantir o espaço e o tempo necessários para a consecução dos objectivos da primeira. Parece-nos evidente a inutilidade do esforço militar, se os objectivos sócio-económicos que estavam na base da contra-subversão, não se concretizassem.
Assim, para manter e aumentar a adesão das populações, o General desenvolveu uma manobra, que tinha por finalidade a promoção sócio-económica, utilizando frequentemente a tropa e percorrendo ele próprio diversas vezes o território, ao mesmo tempo que assegurava que as suas medidas tinham a adequada cobertura pela imprensa da Metrópole (13). Este esforço, destinado a subtrair as populações à influência do PAIGC, terá apressado, conforme assinala Tom Gallagher, o fim do regime: “(...) Este programa ambicioso, mas condenado desde o princípio ao fracasso, de acção cívica e militar tem sido invariavelmente, considerado uma parte essencial, na fase final da revolução na Metrópole e do abandono em África. Talvez ele devesse também ser visto no contexto da política do Estado Novo, no qual ele representou um claro e radical desvio às normas conservadoras. Ironicamente, terão sido as florestas e os pântanos da Guiné-Bissau, durante os anos finais do Estado Novo, que terão visto a direita radical conceder-lhes a liberdade (...)”(14).
Face ao plano atrás expresso, vinha a ser desenvolvida, entre as populações, oportuna campanha psicológica baseada nas promessas de “Uma Guiné Melhor”, que satisfazia os seus legítimos anseios de promoção. Todavia, a manobra processava-se em clima de manifesta precariedade de meios, resultando, assim, por um lado, a impossibilidade de se atingirem os objectivos sócio-económicos e, por outro, uma indecisão no campo militar. Mas, apesar dessa precariedade, foi decidido exercer o esforço no plano sócio-económico em detrimento da manobra militar. Esta decisão envolvia riscos inerentes ao enfraquecimento do dispositivo de segurança, face a um previsível agravamento da situação militar, risco que o Comando-Chefe procurou minimizar, no campo da manobra militar, através de um ajustamento do dispositivo e accionamento das suas forças, à luz do novo conceito operacional.
A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968 (15). A “(...) política de agrupar populações em aldeamentos protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a população rural dos insurrectos (...)” (16), envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência; em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa, 341 com armamento distribuído e 26 em que os seus elementos colaboravam com as tropas portuguesas, perfazendo um total de 11163 armas distribuídas à população (17).
De qualquer forma, aquilo que se designa, abreviada e indevidamente, de política de aldeamentos não se aplicava isoladamente. O Comando-Chefe difundiu diversas Directivas destinadas à conquista das populações das quais salientamos, entre outras (18), as 4 Directivas que a seguir mencionamos:
- A Directiva nº. 60/68, de 17 de Dezembro de 1968. Nesta directiva era referido que“(...) um plano de contra-subversão não se projecta no campo imediato da força das armas, mas sim da promoção social e cultural das populações; (...) a guerra da Guiné não se ganha pela força das armas, mas sim pela força da razão. E a razão conquista-se na medida em que a Província atinja um nível de bem estar social; (...) se atingirmos um nível de bem estar em tempo útil, furtaremos ao inimigo a força da razão (...). É natural que o inimigo combatente e as populações da Guiné presentemente desorientadas se desequilibrem para o lado da razão (...); há que restabelecer um clima de recíproca confiança entre os portugueses metropolitanos e portugueses guineenses (...); impõe-se uma campanha de mentalização (...), que vai ser iniciada, na presente época do Natal, com a libertação de vários elementos inimigos, presos na ilha das Galinhas, depois de devidamente integrados na actual linha de rumo (...)”;
- A Directiva nº. 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarece ser necessário“(...) gerar clima psicológico novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...); esforço orientado para a reconstrução moral e material da Província (...), mentalização, com o fim de eliminar tendências repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”;
- Pela Directiva nº. 65/69, de 13 de Agosto de 1969, na qual se explicitava que o Comando-Chefe, depois de um estudo aprofundado que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre “(...) o meio étnico, religioso e linguístico; meio sócio-económico, rural e urbano; a conduta e os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas; medidas de assistência materno-infantil e a idosos; apoio a actividades agrícolas e piscatórias (...)”, decidiu, na manobra estratégica do Teatro de Operações da Guiné, “(...) constituir o “chão” Manjaco como área fulcral da luta contra a subversão (...)”. Reputamos ser esta Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a constituir a acção militar de maiores repercussões na conduta da manobra estratégica sócio-económica. Teve um remate trágico e decisivo na evolução da situação na antiga Província Portuguesa, devido à falta de apoio político, institucional e colegial na guerra revolucionária, a ser conduzida com grande dinamismo e criatividade pelo Comandante-Chefe da Guiné, General Spínola, com o apoio do Ministro do Ultramar, Doutor Silva Cunha.
- Directiva nº. 8/70, de 11 de Abril de 1970, na qual a doutrina enunciada era a seguinte: “(...) na certeza que a guerra que defrontamos é eminentemente psicológica, a manobra de contra-subversão terá de ser, eficazmente, apoiada por uma manobra psicológica que garanta a mentalização e que garanta a integração efectiva de todas as forças de contra-subversão na tarefa essencial de conquistar as populações. Por outro lado, a conquista assentará mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no controlo físico das populações (...); dentro dessa conjuntura, deverá a manobra psicológica, na Província, ser conduzida nas seguintes bases:
(1)- Em relação às populações:
a. Dar prioridade, no âmbito da Apsic, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e consolidação da sua adesão à causa nacional (...), a sua mentalização para a aceitação dos reordenamentos e autodefesa;
b. Actuar, psicologicamente, sobre as populações em situação de duplo controlo, por forma a conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda In, junto das populações, com vista à sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação (...);
c. Actuar psicologicamente sobre as populações sob controlo In, por forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo (...);
(2) Em relação às forças de contra-subversão:
a. Promover intenso esforço de Apsic sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a aceitação da sua participação na manobra sócio-económica (...), a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos para a dignificação e promoção do nativo guineense (...);
(3) Em relação ao In:
a. Orientar o esforço de Apsic sobre o In para os aspectos de dissociação do binário dirigentes/combatentes, a anulação do compromisso ideológico e da determinação de lutar dos combatentes In, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos, promover a recuperação dos ex-combatentes (...), procurar a captação dos elementos combatentes (...)”.
Foram desenvolvidas diversas actividades de informação e de contra-propaganda, com a finalidade de atingir os vários grupos humanos, quer em território da Guiné, quer no dos países limítrofes, quer, ainda, na opinião pública internacional. Uma dessas actividades foi, de acordo com a Directiva 60/68, a libertação de prisioneiros (19). No décimo aniversário do evento de Pidjiguiti, o General Spínola liberta, de forma espectacular, 93 presos políticos, entre os quais o Presidente do Comité Central do PAIGC, Rafael Barbosa, preso a 13 de Março de 1962 pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Barbosa agradece em nome de todos os prisioneiros, num discurso difundido pela rádio de Bissau.
Luís Cabral lembra que, em 1968 e 1969, “(...) em consequência das nossas vitórias e na impossibilidade objectiva de parar a marcha da luta armada, o Governo Colonial decidiu libertar os presos políticos, detidos em Bissau e na ilha das Galinhas, e pedir a libertação e regresso dos que tinham sido enviados, sob prisão, para Angola (...)”. E acrescenta que: “(...) num comício, realizado em 3 de Agosto, na praça do Império, o Governador apresentou à população de Bissau os prisioneiros libertados, tendo sido escolhido Rafael Barbosa para falar em seu nome. Foi com horror que os combatentes da liberdade ouviram o antigo presidente do Comité Central do Partido proclamar a sua fidelidade ao colonialismo, indo ao ponto de afirmar que a prática ia provar que o Governador “não era mais português” do que ele próprio, Rafael Barbosa (...)”(20).
A difusão, pela Secção de Radiodifusão e Imprensa (SRI), de vários programas radiofónicos, quer em Português, como o Programa das Forças Armadas (PFA) (21), quer em línguas nativas, como o Programa de Línguas Nativas (PLN), e mesmo em Francês, tinham presentes uma ou mais das seguintes preocupações:
- Divulgar e popularizar a política governamental, realçando realizações à luz da justiça social e económica para os guinéus;
- Contradizer a propaganda do PAIGC, especialmente a que se refere à economia portuguesa ou ao isolamento de Portugal no contexto internacional;
- Fomentar a deserção e contestação no seio do PAIGC;
- Subtrair audição aos programas estrangeiros (22).
Os programas radiofónicos em língua francesa visavam as massas populares da República da Guiné, da população senegalesa, em especial a do Casamansa, elites senegalesas e guineenses com a finalidade genérica de:
- Apresentar Portugal, na sua expressão pluricontinental e multirracial, como nação dotada de resistência material e humana necessárias para suportar esforços de guerra nas três frentes;
- Contrariar a noção divulgada de isolamento internacional de Portugal, mostrando que esse isolamento não tinha expressão na comunidade das nações ocidentais e que, mesmo entre países do terceiro mundo e até no seio da própria OUA, Portugal encontrava a melhor compreensão;
- Explorar situações de conflito aberto ou potencial entre o PAIGC e as populações dos países limítrofes (23).
Como complemento destas acções procurou-se conquistar o apoio das populações (24) e desacreditar os elementos independentistas, através de assistência sanitária prestada nos postos fronteiriços. Quanto aos refugiados (25), a actividade de captação visava o seu regresso a território português, explorando os laços familiares, o apego ao “chão” e as realizações que consubstanciavam “Uma Guiné Melhor”.
A Administração Portuguesa desenvolveu ainda outro tipo de acções de propaganda, por forma a sensibilizar a opinião pública nacional e internacional, como:
- -·A publicação de jornais e revistas, como o “Panorama da Guiné” e a “Voz da Guiné”;
- -·A difusão de notícias e notas do dia, incluídos nos noticiários da EOGP (Emissora Oficial da Guiné Portuguesa), cartazes, feira de amostras, exposição de esculturas, graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho;
- - Publicitar a política governativa, denunciar a obediência comunista do PAIGC, as suas ligações ao regime de Sékou Touré e a escassa popularidade no exterior da Província;
- - A promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC vinha desenvolvendo;
- - Inclusão de equipas de assistência sanitária nas patrulhas de contacto com as populações; (em 1971 foram efectuadas 7373 visitas médicas e feitas 4356 evacuações por diversos meios)
- - Prestação de assistência educativa (durante o ano lectivo de 1970-1971, estiveram em funcionamento 92 postos militares, assistidos por 116 professores, sendo 80 metropolitanos e 36 guineenses);
- Prestação de assistência religiosa, procurando adaptar a acção catequética às noções e tradições próprias de cada etnia, e desenvolvendo elações com outras religiões, isso se processando no maior respeito e apreço com os dignitários muçulmanos.
Ainda no campo de acção sobre as populações não pode deixar de se referir a realização dos Congressos do Povo na Guiné, uma estrutura político-administrativa, realmente inédita e motivadora. Nestes congressos “(...) as populações eram chamadas a discutir e a interessar-se pelos próprios problemas (...)” (26). A Apsic sobre as Forças Armadas desenvolveu-se através da realização de sessões de esclarecimento, jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio, símbolos heráldicos, etc. Para além de procurar manter a moral e eficiência, foi orientada de forma a obter a comparticipação consciente na manobra sócio-económica e na dignificação e promoção do nativo.
Quanto às tropas africanas, “(...) deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscegenação das unidades com europeus e africanos (...)”(27). Esta africanização dos quadros das forças armadas “(...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (...)”(28). Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território, como os comandos africanos, recrutados e instruídos no local, e, posteriormente, graduados como oficiais, sargentos e praças.
A Apsic, orientada para o apoio das operações militares, visava “(...) um triplo objectivo: as forças inimigas combatentes, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência (...). Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas, em relação a três fases: antes das operações, durante as operações e depois das operações. Os meios utilizados para o efeito foram, na maioria dos casos, as emissões de rádio, altifalantes, panfletos e, ainda, o contacto directo e pessoal (depois da captura). A utilização e o doseamento dependiam de diversos factores, como sejam a disponibilidade daqueles, a fase de operação que se tratava e a sua finalidade (...)”(29).
Na guerra da Guiné, tal como na de Moçambique, as pedras-base da Apsic foram o aldeamento, o colonato, a africanização dos quadros civis e militares e, de uma maneira geral, a promoção escolar, sanitária e o progresso económico. Mas, apesar de muito esforço feito, os mecanismos de accionamento e/ou opinião “(...) utilizaram: censura improfícua, propaganda predominantemente “branca” (que só impressionava os já convencidos); no terreno, Acção Psicológica de tutela dividida (para populações controladas e para não controladas) (...)”(30).
A informação pública respeitante à guerra exercia-se, inicialmente, com desfasamento e, numa fase posterior, com restrições. Com o arrastar da guerra, a tendência viria a ser a de acreditar noutras fontes, que não fossem as governamentais, pelo que, como é obvio, quer o quintacolunismo, quer a subversão, tiraram os seus dividendos para accionamento psicológico.
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(1) Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 17.
(2) Silva Cunha, “ O Sistema Português de Política Indígena. Princípios Gerais”, págs. 36 e 37.
(3) Marcello Caetano, - “Tradições Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa”, págs. 40 e 41.
(4) Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 285.
(5) Romeu Ivens Ferraz de Freitas; “Conquista da adesão das populações”, pág. 3, exertado da pág. 410, da “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) 1º volume, Enquadramento Geral”.
(6) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 387.
(7) Em 1960, por decisão do Subsecretário de Estado do Exército, os efectivos militares haviam sido reduzidos de 12000 homens, dois navios de guerra, e três lanchas de fiscalização, a 3500 homens, um navio e três lanchas. Podemos encontrar mais detalhes sobre este assunto em “A Queda da Índia Portuguesa - Crónica da Invasão e do Cativeiro” de Carlos Morais, Ed. Intervenção, Lisboa, 1980.
(8) José Lomba Martins, “Guiné-Bissau da Década de Sessenta à Actualidade”, pág. 89, em “Africana”, nº. 10, Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, Porto, Março de 1992.
(9) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 388.
(10) António de Spínola, “O Problema da Guiné”, pág. 15.
(11) Idem, Exposição ao Conselho de Ministros em Maio de 1969.
(12) De acordo com Otelo Saraiva de Carvalho, a manobra preconizada processava-se: “(...) 1- No âmbito da promoção sócio-económica: execução do plano de fomento com esforço prioritário no «chão» Manjaco; e previsão de transferência para o «chão» mandinga e mancanha; papel das Forças Armadas, fundamental para a execução; 2- No âmbito da manobra militar: isolamento do Teatro de Operações, relativamente à tentativa de infiltração de grupos inimigos, segurança das populações e estruturas; aniquilamento do inimigo, emprego e constituição da reserva; 3- A manobra psicológica: visava exercer esforço na manutenção da adesão das populações sob controlo português, integrando-as no movimento da Guiné Melhor, através de acções de justiça social e de promoção sócio-económica, visando o abalo das populações: sob controlo do PAIGC e dos seus combatentes; refugiadas nos países vizinhos; de países limítrofes (...)”. Em ob. cit., págs. 88 e 89.
(13) Para Tom Gallagher, “(...) o General Spínola limitou-se a expressar, tal como Caetano já havia feito dez anos antes, pontos de vista federalistas. Como Governador da Guiné, entre 1968 e 1973, imaginou poder deter a insurreição do PAIGC com um ambicioso programa de assistência às populações negras. Para isso, utilizou frequentemente as tropas como se fossem funcionários (...)”. Em ob. cit., pág. 184.
(14) Idem, pág. 176.
(15) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº. 43, de 30 de Setembro de 1968, Secreto. Segundo a Directiva Nº. 49, de 16 de Outubro de 1968, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, a Divisão de Organização e Defesa das Populações ficou responsável pelo estudo, impulsionamento, coordenação e fiscalização do reordenamento, pelo recenseamento e pelo enquadramento e defesa das populações. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva Nº. 19/69, de 5 de Março de 1969, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, foram publicadas as “ Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas”.
(16) Tom Gallagher, ob. cit., pág. 178.
(17) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971.
(18) Directivas das Operações Psicológicas Alfa de 26 de Outubro de 1968, Secreto - Esforço no «chão» Manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural; Directiva Nº. 58/68, que para a época seca de 1969, Secreto, no tocante à acção psicológica referia o esforço de Apsic sobre os Manjacos, Balantas e Mandingas do «chão» Fula; Directiva Nº. 17/69 de 22 de Fevereiro de 1969, para apoio às populações, Secreto; Directiva Nº. 57/69 de Junho de 1969, Secreto, planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações; Directiva Nº. 60/69 de 15 de Julho de 1969, Secreto, para incremento da instrução primária;·Directiva Nº. 78/69, de 19 de Novembro de 1969, Secreto, plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970).
(19) Esta manobra visava desiquilibrar, psicologicamente, os combatentes. Procurava a recuperação de ex-combatentes, capturados ou apresentados, quebrava a determinação de lutar e procurava ainda conseguir um maior número de apresentados.
(20) Luís Cabral, ob. cit., pág. 438.
(21) O Programa das Forças Armadas dirigia-se a toda a população (europeia e africana), sendo emitido 3 horas, semanalmente, em várias línguas nativas (Manjaco, Fula, Mandinga e Balanta), excepto o Crioulo que tinha 7.30 horas semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tem pouca penetração na Guiné. Os programas tipo foram, essencialmente, orientados através da exploração de temas de contra-propaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete dias em Foco”. A Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (Repacap), em 1971, utilizando os emissores de ondas curtas e médias da Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, emitiu um total de 2372 horas distribuídas assim:
PFA 1095 horas
Voz da Província (em crioulo) 156 horas
Balanta 158 horas
Fula 156 horas
Mandinga 156 horas
Manjaco 156 horas
Voz do teu povo 52 horas
Guiné de hoje, Guiné melhor 183 horas
Francês 104 horas
Francês com Holoff 52 horas
Sosso 52 horas
Em Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971.
(22) Idem.
(23) Estes programas preenchiam um total de três horas semanais. Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971.
(24) Segundo o Relatório de Comando, classificado de Secreto e datado de 1971, a Administração Portuguesa controlava 487448 indivíduos. O PAIGC controlava 107.200 indivíduos, distribuídos da seguinte maneira: 60 mil no Senegal; 20 mil na Gâmbia e República da Guiné; dentro do território da antiga Província Portuguesa 27200 indivíduos.
(25) Cerca de 13% do total da população, segundo o Relatório de Comando, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto e datado de 1971.
(26) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 391.
(27) Idem, pág. 390.
(28) Allen e Barbara Isaacman, “ Mozambique, from Colonialism to Revolution (1900-1982)”, pág. 80, Westview Press, Boulder, Colorado, 1983.
(29) Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, págs. 391 e 392.
(30) Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 29. |