RAFAEL MATIAS
AVES EXÓTICAS QUE NIDIFICAM
EM PORTUGAL CONTINENTAL
Texto, fotos e ilustrações de Rafael Matias
Ed. do Instituto da Conservação da Natureza
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
Lisboa, 2002, 110 pp., 10 pranchas


São no mínimo 62 as espécies exóticas de aves que de momento podemos encontrar - não se trata de catalogar as espécies de gaiola, mantidas em casa, sim as que vivem em liberdade no nosso país. Este livro é importante por vários motivos, um deles relativo ao próprio autor, um jovem ornitólogo - não há muitos em Portugal. No tempo de G.F.Sacarrão e de A.A. Soares, só se fez levantamento sectorial das espécies. Para um catálogo geral, é preciso recuar aos naturalistas do século XIX, princípios do século XX. No caso de Rafael Matias, o catálogo continua a ser parcial, porém num domínio em que raros naturalistas mexem, e até hoje não tinha sido tocado em Portugal : espécies cuja existência, e cuja existência em dada região, se devem a intervenção humana. Estas aves (periquitos, araras, papagaios, o bico de lacre, etc.) nidificam em Portugal, por isso o livro vem colmatar uma lacuna grave no conhecimento da fauna real. Muitas outras espécies, novas para a ciência e para o nosso país serão descobertas ainda, não só entre as aves como entre os répteis, os anfíbios, etc.. Não é Rosa de Carvalho quem diz que o sapo de ventre cor de fogo existe em Portugal, mais tarde ou mais cedo ele há-de aparecer? Talvez a Certhilauda duponti (Aves) também venha a revelar-se, mas com alguns caracteres susceptíveis de levarem à sua reclassificação em Chersophilus bocagei, v.g.. As espécies referidas pelos naturalistas do século XIX têm vindo a aparecer todas - podem levar cem anos ou mais a tornar conspícuos os caracteres - mas mais tarde ou mais cedo aparecem, como os cágados, certas espécies de ave e o molusco bivalve/univalve Thyrophorella thomensis, em S. Tomé.

Um agradecimento muito vivo a Rafael Matias, porque, conhecendo o autor a nossa posição sobre estes assuntos - consideramos que plantas e animais foram na maior parte introduzidos e seleccionados pelo homem (não só em Portugal, e sobretudo em ilhas, aliás chamadas "laboratórios" pela própria ciência) -, aceitou que publicássemos textos e imagens. Informamos que, neste caso, à reprodução fiel preferimos isolar das pranchas de conjunto algumas aves, o que obrigou a retoques.

Maria Estela Guedes

PREFÁCIO
Estrilda rhodopyga


Quando há mais de 20 anos atrás decorriam os trabalhos relativos ao 1° Atlas Nacional das Aves, dificilmente se poderia antever que, sensivelmente a partir dessa altura, as observações relativamente pouco frequentes e localizadas de bico-de-Iacre de então, fossem substancialmente aumentando e que viesse a ser progressivamente mais frequente, a observação de várias outras espécies de aves exóticas, principalmente nos parques e jardins dos principais centros urbanos e em algumas zonas húmidas periféricas.

Esta alteração da situação original tem as suas raízes no crescente desenvolvimento da comercialização de espécies de aves provenientes de outros continentes verificado a partir do princípio da década de 80, tendência que se manteve até aos dias de hoje. Apesar de existir há alguns anos regulamentação para o comércio de espécies exóticas, estando grande parte delas sujeitas a medidas de protecção e de restrição ao seu comércio, o fluxo de entrada de espécimes principalmente na Europa Ocidental e América do Norte não mostra sinais de abrandamento. Atendendo aos episódios em que infelizmente a história é pródiga, em particular, aos impactos extremamente negativos provocados por adaptações bem sucedidas de espécies exóticas, introduzidas em novos habitats de forma intencional ou não, com consequências cuja gravidade levou inclusivamente à extinção de espécies e à perda irrecuperável de habitats, seria perfeitamente razoável, à luz das convenções existentes e do princípio da precaução, refrear tal tendência.

Em Portugal é escassa a informação disponível sobre a ocorrência de aves exóticas. Se para esta situação muito contribui a diversidade de regiões biogeográficas de onde são oriundas, constituindo por vezes a primeira barreira com que nos deparamos e um sério quebra-cabeças mesmo para o ornitólogo mais esforçado, a identificação pode igualmente vir a ser dificultada (ao contrário do que aparentemente se pensa!) pelas semelhanças que algumas aves exóticas têm, dependendo da espécie a que pertencem, do sexo ou da respectiva classe etária, com indivíduos de determinadas espécies da nossa avifauna autóctone.

Durante a fase de preparação do "Novo Atlas das Aves que nidificam em Portugal", em meados de 1997, foi debatido o problema das aves exóticas e surgiu, desde logo, o desafio de incluir na respectiva lista de espécies, as espécies exóticas que viessem a ser identificadas durante o período de duração do projecto.

Por forma a que, no final do projecto, com a informação que vier a ser recolhida, seja possível produzir mapas de distribuição actualizados e fiáveis pára grande parte das espécies registadas, achou-se indispensável que os observadores pudessem dispor de uma ferramenta que auxilie a identificar com o menor esforço o maior número de espécies não autóctones que vão sendo observadas em liberdade.

Tornou-se assim vital possuir em formato de guia, um livro que condense o maior volume de informação disponivel sobre este grupo de espécies e que, simultaneamente, possua uma quantidade apreciável de ilustrações directamente vocacionadas para a sua identificação. Num mesmo patamar de importância coloca-se a facilidade de consulta, facto que conduz à redução do esforço envolvido na busca da informação pretendida. Se a estes ingredientes se adicionar a qualidade irrepreensível dos desenhos e a enorme abrangência da informação exibida, têm-se as garantias necessárias de que este guia irá, com toda a certeza, ajudar ao alcance dos objectivos do Novo Atlas das Aves na vertente do acréscimo de conhecimento relativo à ocorrência e, em particular, à nidificação das aves exóticas no território continental português e, seguramente, proporcionar agradáveis momentos de procura e descoberta a quem ousar folheá-lo.

Este guia marcará, sem dúvida, uma importante etapa na abordagem da temática das aves exóticas, e em particular das questões que se prendem com a sua identificação. Fica-se a aguardar, com renovada expectativa, futuros contributos que o autor possa vir a dar nesse sentido, pelo menos, com a mesma qualidade, pormenor e rigor expressos neste "Guia das Aves Exóticas que nidificam em Portugal Continental".

Luis Manuel Lopes da Silva

Coordenador Nacionnl do "Novo Atlas das Aves que nidificam em Portugal"









INTRODUÇÃO








Este guia não pretende ser um manual de introdução à observação de aves, nem um livro que substitua qualquer outro existente, mas sim um complemento específico a qualquer guia de aves que abranja as espécies de ocorrência regular em Portugal Continental, não sendo só por si auto-suficiente.

Euplectes afer

1. Aves exóticas: O que são e qual a importância do seu conhecimento

A ocorrência de aves exóticas a nidificar em liberdade em Portugal Continental remonta aos anos 1960, quando foram registados os primeiros Bicos-de-lacre na zona da Lagoa de Óbidos. Desde então tem vindo a verificar-se um aumento crescente no número de espécies exóticas que têm tentado nidificar em liberdade no nosso país. Em especial a partir do fim dos anos 1980 houve um explosivo aumento, quase exponencial, do número de registos de tais situações. É digno de nota o facto de, entre 1988 e 1998, ter sido observada a nidificação de, pelo menos, dezassete espécies de aves exóticas em liberdade no nosso país. Tal aumento no número de registos é devido, principalmente, a um crescente comércio de todo o tipo de animais exóticos, incluindo aves. Destas espécies sabe-se que apenas uma pequena parte provém de reprodução em cativeiro em países como a Holanda. De facto, uma grande percentagem tem origem directamente nos países onde essas espécies ocorrem em estado selvagem, em especial em países africanos, como o Senegal.

Todavia, de todas as espécies que foram introduzidas em Portugal, poucas constituíram populações viáveis ou, por outras palavras, poucas espécies conseguiram naturalizar-se. Estão neste caso o Periquito-de-colar, o Bico-de-lacre, o Bengali-vermelho e o Bispo-de-coroa-amarela.

Na linguagem popular, uma ave exótica é definida por ter cores berrantes e um aspecto estranho. Como mais adiante se verá, não é necessariamente assim. Neste guia entender-se-á por ave exótica qualquer espécie cuja área de distribuição natural se encontre fora dos limites do território continental português e cuja ocorrência no nosso país se deva a uma intervenção humana directa. Esta intervenção humana refere-se primeiramente ao acto de retirar as aves dos seus locais de origem e de as transportar, directa ou indirectamente, para Portugal. As aves poderão ocorrer em liberdade no nosso país devido quer a fugas acidentais quer a introduções deliberadas.

Excepto para o Bico-de-lacre, o conhecimento sobre as aves exóticas existentes em Portugal Continental é bastante reduzido, não havendo qualquer noção global acerca das suas populações. A ideia empírica geral é a de que as aves exóticas que neste momento nidificam no nosso país têm um impacto negativo sobre a avifauna autóctone. No entanto, o que na realidade se verifica é que há uma quase total ausência de estudos efectuados sobre esta problemática. De facto, não há qualquer base para afirmar que determinada espécie tem um impacto negativo. Só muito dificilmente se poderá prever quais serão os impactos concretos da introdução de uma espécie exótica. Actualmente não existe qualquer acompanhamento do evoluir da situação a nível nacional da maior parte das espécies naturalizadas ou em vias de se naturalizar.

2. Fontes de informação

A informação constante deste guia tem proveniências diversas. A maior parte provém da bibliografia que consta da listagem apresentada no final. Obras como Estrildid Finches of the World (Goodwin 1982) e Finches & Sparrows (Clement et al. 1993) foram decisivas na caracterização dos Estrildídeos.

No entanto, uma considerável parte da informação é devida ao acumular de muitas observações individuais de um grande número de pessoas. A informação relativa a épocas de nidificação e áreas de distribuição em Portugal só assim pôde ser conseguida. Será com base na acumulação dessa informação que muito se irá saber no futuro acerca das aves exóticas em Portugal.

A informação apresentada relativa a observações na Guiné-Bissau é da responsabilidade do autor.

A informação dada sobre período de incubação, número de ovos e tempo de permanência no ninho foi obtida, normalmente, de dados disponíveis para indivíduos em cativeiro.

3. Área e espécies abrangidas

Este guia cobre todo o território continental português. As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ficam assim excluídas. As pranchas a cores cobrem 45 espécies. São aqui apresentadas 62 espécies pertencentes a grupos tão diferentes como os Psitaciformes, os Columbiformes e os Passeriformes. Destas espécies, 21 são tratadas de uma forma mais aprofundada, uma vez que a sua nidificação terá sido confirmada em Portugal Continental ou é tida como fortemente provável. Todas as restantes foram observadas em liberdade apenas ocasionalmente, não sendo a sua nidificação tida como provável, pelo menos até à data da realização deste guia. Estas últimas estão ilustradas num mínimo de plumagens e o seu texto encontra-se bastante resumido.

Duas espécies autóctones comuns (o Pardal-comum Passer domesticus e o Estominho-preto Sturnus unicolor) foram incluídas, uma vez que apresentam plumagem algo semelhante a algumas das aves ilustradas nas respectivas pranchas, possibilitando, assim, um termo de comparação.

Este guia não constitui a listagem completa de todas as espécies de aves exóticas que já ocorreram em liberdade em Portugal apresentando apenas aquelas das quais o autor teve conhecimento. Há que ter em conta que se trata de aves exóticas e que poderá ser observada em liberdade quase qualquer espécie de ave que exista em cativeiro e que logre escapar.

4. Nomenclatura das espécies

Os nomes científicos das espécies estão de acordo com Sibley & Monroe (1990). Para uma parte das aves aqui apresentadas, o autor não tinha conhecimento de nomes comuns em português. Foi assim necessário propor nomes novos, tentando não entrar em polémicas.

5. A introdução de aves exóticas em Portugal Continental

Portugal é visitado regularmente por aves de outros continentes que, possuindo boa capacidade de dispersão, aliada a um número de outros factores, como as condições atmosféricas, conseguiram fazer a "viagem" até ao nosso país. Estas aves são normalmente denominadas espécies acidentais ou divagantes naturais. Porém, desde há cerca de 40 anos, algumas espécies que não poderiam ter chegado de outra forma senão com a intervenção do Homem têm vindo a instalar-se, reproduzindo-se em liberdade e constituindo populações viáveis. A primeira espécie a conseguir constituir uma população viável (isto é, a naturalizar-se) foi o Bico-de-lacre, agora tão comum e praticamente omnipresente no nosso território. Esta é agora, possivelmente, uma das espécies mais abundantes da nossa avifauna. O facto de estas aves atingirem a maturidade sexual muito depressa, de nidificarem durante grande parte do ano e de, aparentemente, não terem encontrado concorrência por parte das espécies autóctones, terá ajudado a uma rápida expansão. Contudo, outras espécies se seguiram. Assim, nos finais dos anos 1970, o número de registos de aves exóticas em liberdade no nosso país começou a aumentar. Se, por um lado, isto poderia corresponder a um maior desenvolvimento da Ornitologia em Portugal, poderia também estar associado a um aumento no comércio destas espécies. Algumas, mais resistentes e robustas, conseguiram naturalizar-se, tal como já tinham feito noutras partes do mundo para onde tinham sido levadas. Assim, diversas espécies como o Periquito-de-colar, o Bengali-vermelho e o Bispo-de-coroa-amarela parecem ter-se juntado definitivamente à nossa avifauna. Actualmente, continua a assistir-se a um crescente número de registos de espécies que tentam nidificar ou que estão mesmo em vias de se naturalizar, como o Tecelão-de-cabeça-preta, espécie robusta e bastante agressiva.

As consequências de um aumento tão explosivo de espécies exóticas a nidificar no nosso país não são, por enquanto, muito evidentes, mas poderão ser muito graves num futuro próximo. Resultados possíveis poderão ser a eliminação de diversas espécies autóctones que sejam competidores mais fracos e o possível surgimento de pragas.

6. Identificação

Antes de se identificar uma qualquer espécie que se nos depare no campo com a ajuda deste guia, é necessário ter em mente que ela poderá, simplesmente, nem sequer estar ilustrada. Este guia abrange espécies de aves exóticas que têm já uma população naturalizada ou já foram observadas uma vez em liberdade. Poderá acontecer, no entanto, que a espécie em causa esteja a ser observada pela primeira vez em liberdade em Portugal. É necessário não tentar "encaixar" a espécie observada numa das apresentadas, mas antes verificar se, de facto, corresponde a alguma delas.

Há que ter em atenção diversos pontos ao tentar identificar uma ave. Em primeiro lugar há que ter a certeza de que, realmente, se trata de uma espécie exótica e não apenas uma plumagem menos conhecida de uma espécie autóctone. Na plumagem da ave há diversos pontos importantes que convém verificar de forma a proceder a uma identificação segura. Entre eles, a observação da estrutura do bico poderá revelar-se importante. A ave deverá ser observada com tanto pormenor quanto possível pois, se geralmente as aves exóticas constantes deste guia são relativamente fáceis de identificar, algumas há que poderão gerar confusão se forem "mal observadas", como é o caso de algumas espécies do género Estrilda e fêmeas do género Euplectes. Os chamamentos emitidos por uma ave são mais um indicador, sendo muitas vezes típicos do género ou mesmo de uma espécie em particular. Estes chamamentos poderão ser aprendidos procurando a espécie pretendida em casas de animais onde será também possível para o observador familiarizar-se com as plumagens das espécies em questão. Deverão ser tomadas notas no campo no momento ou pouco depois de se observar uma ave sobre cuja identidade existam dúvidas. Chamamentos não descritos ou pouco familiares também deverão ser anotados, permitindo assim uma crescente familiarização com as aves em questão. Um esboço ou esquema simples poderá ser acrescentado às notas, permitindo poupar muitas palavras e tempo.




7. Aves exóticas: onde, como e quando procurar

Não se trata de "caçar" aves exóticas, mas antes de conhecer o mais aproximadamente possível a realidade actual da nossa avifauna. A maior parte das espécies que ocorrem no nosso país está muito localizada, contando (na sua maioria) com poucos efectivos. Não será sensato ir para o campo observar aves exóticas, pensando que haverá igual probabilidade de as encontrar em Trás-os-Montes, na planície alentejana ou numa zona húmida perto de Lisboa. Há que dar prioridade a determinados locais em detrimento de outros. Assim, jardins e parques públicos (como o Parque Florestal de Monsanto ou o Jardim da Estrela, ambos em Lisboa), pauis e outras zonas húmidas localizadas perto de zonas urbanas serão bons locais para as procurar, enquanto que zonas áridas, zonas extensamente arborizadas e zonas de grande altitude serão locais menos favoráveis. A época do ano é também um factor a considerar. As espécies exóticas que ocorrem em liberdade em Portugal Continental são, na sua maioria, provenientes de zonas tropicais, onde muitas vezes, a nidificação decorre em simultâneo com a época das chuvas.

Euplectes progne



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