Marroquinerias

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov


QUEM SOU EU?

 

Se Dom Sebastião és tu

Ela

Nós

Se Dom Sebastião sois vós

………………………………………….Os responsáveis

…………………………….Os que devem tomar nas mãos o símbolo

…………………………………………………………….E avançar pela

…………………………………………………………….Tenebrosa névoa

Então, antes de brandir como arma os ideais,

É preciso perguntar:

 

– Quem és tu?

– QUEM SOU EU?


EU SOU

 

Pelo Pinto

……………………………………Herdeira de judeus

Pelo Almeida

……………………………………Descendente de árabes

E pelo Guedes

……………………………………Vim da Galiza

 

Pouco importa a raiz da árvore
Fundamental é o fruto da mistura.


RAMADAN – I

Ó fiéis, está-vos prescrito o jejum, tal como
foi prescrito a vossos antepassados,
para que temais a Deus. Alcorão, sura 183

 

Passa o homem do tambor

Para cima e para baixo

Nas noturnas ruas da medina

A lembrar que a partir da madrugada

……………………………………………………Não é permitido comer.

 

 

O animal, no talho próprio,

Deve ser sangrado

…………………………….Em qualquer altura do dia e do ano

E não só no Ramadão.

 

Isso não é o teu corpo

Isso não é o teu sangue.

Porém Iça é um dos mais queridos

Profetas do Islão.

 

Dia passado e o Sol posto

……………………………………..Pela noite fora

Come-se e festeja-se

Em grandes algazarras.

E bem mais tarde passa o homem do tambor

A anunciar os sacrifícios diurnos

………………………………………Vários.

 

O Ramadan foi prescrito

Para que temamos a Deus.

 

Allah uh Akbar / Deus é Grande
Amen / Amin


É A HORA

 

O casario encostado à colina

Branco, sossegado

Sem uma abelha a anunciar mel

Sem moscas atraídas por açúcar.

…………………………….Entramos na estreitinha rua

E de repente o que diante dos olhos

Nos perturba

……………………..É a frenética vida

…………………………A algazarra, as sete horas quase,

………………………………..A de comer, que se avizinha

Fecham-se lojas

Arrumam-se bens à pressa

Cobrem-se com toldo os potes, as tâmaras

………………………………………………………………..Couros

As bolsas lavradas, babuchas coloridas

E outra marroquineria

………………………………..A seguir a lataria

……………………………………..As panelas, pratos, copos

E depois a cerâmica

…………………….As tagines, os pratos, as travessas

E o peixe, fresco, sardinhas e jaquinzinhos

A fruta

Laranjas, tangerinas, frutos secos, tâmaras

Nêsperas e maçãs

………………………………..E as ervas aromáticas

Sobre as quais reina a hortelã

Setor das aves vivas

Frangos em gaiolas, água a escorrer no empedrado

……………..O repugnante cheiro das galinhas

Os sabões em pasta, macios, castanhos, verdes e cinza

………………………………….Os perfumes

Rosa, jasmim e almíscar

Os colares de plástico

Incorruptível e de corruptível âmbar

………………………..E além os brocados, as sedas, as djilabas

Uma esperança adamascada

Esticada na cama

Deste poema que demanda

O paradeiro de um rei-menino

Como Hermes, Eros

……………………………………….Ou Jesus, a que chamam Iça.

 

Loura vergôntea de morta árvore

Morta a fronde, morta a geração

Esse cavaleirozinho louro

Que, diz a lenda,

…………………………………………..Há de romper um dia

A cambraia do nevoeiro

Para nos salvar da ruína.

 

Ali, oculta a quem de longe vê,

A medina palpitante

E rumorosa

Em mês de Ramadan

Apressada, tumultuosa a gente

As sete horas iminentes

– Não, senhora, já não posso atender

Estamos a cerrar a porta

 

…………………………………………..É a hora de comer.

 

 

Do livro em elaboração que fui buscar a Alcácer Quibir,
«Esta noite dormimos em Tânger»
Maio de 2019


OITAVO ENCONTRO TRIPLOV
Convento de São Domingos, Lisboa, 25.05.2019