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LIVRE PENSAR
Do ponto mais Oriental das Américas
- João Pessoa - Paraíba - Brasil
Número 629 - 16 de março de 2005

Ascenso Ferreira

Embebido de reminiscências folclóricas e permanentemente voltado para a realidade nordestina, Ascenso Ferreira criou uma poesia regionalista de grande força e originalidade.

Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu em Palmares PE em 9 de maio de 1895. Começou como parnasiano, publicando sonetos e baladas em jornais do Recife, mas aderiu ao modernismo, aproximou-se de Mário de Andrade e Manuel Bandeira e integrou-se ao grupo da Revista do Norte, com Joaquim Cardozo, Osório Borba e Luís Jardim. Com elementos pitorescos e um vocabulário bem típico, projetou-se na esteira do modernismo ao dar relevo temático à alma do sertanejo com seu sofrimento, senso de humor, valentia, histórias de assombração e crendices.

Declamador emérito da própria poesia, Ascenso acentuava-lhe o caráter de oralidade, com uma dicção que punha em pleno relevo os timbres regionais. A inconfundível interpretação de seus textos foi fator de importância para o sucesso em vida. Um disco gravado por ele acompanhou a edição da obra completa, Poesias (1951). O volume, com prefácio de Manuel Bandeira, inclui em reedição os dois primeiros livros publicados pelo poeta, Catimbó (1927) e Cana-caiana (1939), além dos textos, até então inéditos, de Xenhenhém. Ascenso Ferreira morreu em Recife PE em 5 de maio de 1965.

Mês de Maio

O altar de gazes adornado,

parece um ninho de noivado...

E a gente chega a interrogar

se Nossa Senhora vai casar...

Um perfume de rosas no ar trescala:

- São as rosas de carne que há na sala.

Rosas morenas,

rosas louras como espigas maduras.

- Ó perfumosas

e puras

rosas pálidas como açucenas!

Súbito, ecoa no espaço um som:

Kirie eleison... Kirie eleison...

E as bocas carminadas rezam baixinho...

baixinho:

"Ó Mãe castíssima!

Ó Vaso espiritual!

Ó Espelho da Justiça!

Ó Rainha concebida sem pecado original!

Ó Consolação dos aflitos!

Ó Senhora dos Infinitos!

Ó Torre de Davi!

Ó Estrela da Manhã!

Ó Escada de Jacó!

Ó Rosa de Sião!

Ó Lírio de Jericó!

Ó Rainha Cristã!

Ó!...

Rogai por nós

que recorremos a vós..."

Um perfume de rosas no ar trescala.

- São as rosas de carne que há na sala.

O incenso queima diante do altar;

o mês de maio vai terminar...

Com seus deliciosos braços nus,

as rosas fazem o sinal-da-cruz...

Amém...

In: Catimbó (1927)

Oropa, França e Bahia

 

(ROMANCE)

Para os 3 Manuéis:

Manuel Bandeira

Manuel de Sousa Banos

Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado,

tristonho, mal-assombrado,

que dava fundos pra terra.

("Para ver marujos,

Tiruliluliu!

quando vão pra guerra...")

E dava fundos pro mar.

("Para ver marujos,

Tiruliluliu!

ao desembarcar").

... Morava Manuel Furtado,

português apatacado,

com Maria de Alencar!

Maria, era uma cafuza,

cheia de grandes feitiços.

Ah! os seus braços roliços!

Ah! os seus peitos maciços!

Faziam Manuel babar...

A vida de Manuel,

que louco alguém o dizia,

era vigiar das janelas

toda a noite e todo o dia,

as naus que ao longe passavam,

de "Oropa, França e Bahia"!

- Me dá uma nau daquelas,

lhe suplicava Maria.

- Estás idiota, Maria.

Essas naus foram vintena

que eu herdei de minha tia!

Por todo o ouro do mundo

eu jamais as trocaria!

Dou-te tudo que quiseres:

Dou-te xale de Tonquim!

Dou-te uma saia bordada!

Dou-te leques de marfim!

Queijos da Serra da Estrela,

perfumes de benjoim...

Nada.

A mulata só queria

que Seu Manuel lhe desse

uma nauzinha daquelas,

inda a mais pichititinha,

pra ela ir ver essas terras

de "Oropa, França e Bahia"...

- Ó Maria, hoje nós temos

vinhos da Quinta do Aguirre,

umas queijadas de Sintra,

só pra tu te distraíre

desse pensamento ruim...

- Seu Manuel, isso é besteira!

Eu prefiro macaxeira

com galinha de oxinxim!

"Ó lua que alumiais

esse mundo do meu Deus,

alumia a mim também

que ando fora dos meus..."

Cantava Seu Manuel

espantando os males seus.

"Eu sou mulata dengosa,

linda, faceira, mimosa,

qual outras brancas não são"..

Cantava forte Maria,

pisando fubá de milho,

lentamente, no pilão...

Uma noite de luar,

que estava mesmo taful,

mais de 400 naus,

surgiram vindas do Sul...

- Ah! Seu Manuel, isto chega...

Danou-se de escada abaixo,

se atirou no mar azul.

-"Onde vais mulhé?"

- Vou me dana no carrossé!

- “Tu não vais, mulhé,

mulhé, você não vai lá..."

Maria atirou-se n'água,

Seu Manuel seguiu atrás...

- Quero a mais pichititinha!

- Raios te partam, Maria!

Essas naus são meus tesouros,

ganhou-as matando mouros

o marido de minha tia!

Vêm dos confins do mundo...

De "Oropa, França e Bahia"!

Nadavam de mar em fora...

(Manuel atrás de Maria!)

Passou-se uma hora, outra hora,

e as naus nenhum atingia...

Faz-se um silêncio nas águas,

cadê Manuel e Maria?!

De madrugada, na praia,

dois corpos o mar lambia...

Seu Manuel era um "Boi Morto",

Maria, uma "Cotovia"!

E as naus de Manuel Furtado,

herança de sua tia?

- Continuam mar em fora,

navegando noite e dia...

Caminham para "Pasárgada",

para o reino da Poesia!

Herdou-as Manuel Bandeira,

que, ante minha choradeira,

me deu a menor que havia!

- As eternas Naus do Sonho,

de "Oropa, França e Bahia"...

In: Ascenso Ferreira. Xenhenhém (1951)

O gênio da raça

Eu vi o Gênio da Raça!!!

(Aposto como vocês estão pensando que eu vou falar

de Rui Barbosa.)

Qual!

O Gênio da Raça que eu vi

foi aquela mulatinha chocolate

fazendo o passo do siricongado

na terça-feira de carnaval!

In: Catimbó (1927)

 

Fontes: http://geocities.yahoo.com.br/literaturatual/ascferreira.html
e www.soniavandijck.com

Essa coluna é editada por Ivaldo Gomes e colaboradores. ivg@terra.com.br

"Hora de comer, - comer!
Hora de dormir, - dormir!
Hora de vadiar, - vadiar!Hora de trabalhar?
- Pernas pro ar que ninguem é de ferro!"
Ascenso Ferreira