Risoleta Pinto Pedro
O TRABALHO DE DEPURAÇÃO DA ESCRITA/REESCRITA,
EM FINISTERRA, DE CARLOS DE OLIVEIRA

ÍNDICE:

I- INTRODUÇÃO

II- O CORPUS

III- METODOLOGIA

IV- COMENTÁRIO/ANÁLISE DOS EXCERTOS

V- CONCLUSÕES

VI- BIBLIOGRAFIA

VII- COMENTÁRIO À BIBLIOGRAFIA

V - CONCLUSÕES

Se as considerações que passo a apresentar, de conclusões têm muito pouco, e me levam essencialmente a reflectir sobre quão insondáveis são por vezes (quase sempre?) os percursos criativos (".... sombras,/ nuvens/ tenuidades perpassando/ no papel/ sobre a arquitectura/ ainda húmida/ da escrita..."), não é de qualquer modo impossível apresentar algumas reflexões:

Esta narrativa, e concretamente, este trabalho sistemático de reescrita, confirma o que já na obra poética de Carlos de Oliveira é um dado consensual: a construção de uma poética do breve, normalmente a assumir processos de encurtamento e supressão ("... encaminhando-a/ entre/ a pouca luz/ do texto/ à sílaba inicial/ da única palavra...").

Por sua vez, o mundo narrado é tão frágil e efémero que é a própria escrita a sofrer o contágio de uma constante ameaça de alteração. É a mesma característica da escrita de Carlos de Oliveira, existencial, intelectualizada, a influenciar o próprio processo de construção/reconstrução permanente da mesma, a problematização sucessiva, num trabalho exaustivo de depuração, tendente a reduzir a obra à sua essência, pela procura do rigor que vem da consciência do peso das palavras e das relações não só explícitas, mas sobretudo implícitas, que transportam consigo ("...fugir ao tumulto/ em que as raízes/ grassam/ engrossam, embaraçam/ a escrita/ e o escritor...").

Na minha opinião, as alterações observadas correspondem por um lado, a uma releitura constante e exaustiva do texto como sistema simbólico de correlações, e por outro, a impressões tão subjectivas, que só através da especulação e da intuição, ou ambas associadas, poderemos tentar aproximar-nos delas. Arriscaria a dizer que por vezes é por um processo de quase alquimia interna que o autor é conduzido neste trabalho quase obsessivo de reescrita ("... coisas/ tão esquecidas, / como podem/ romper/ de súbito impetuosas/ na aridez/ do livro/ e perseguir-me/ assim..."). De facto, torna-se difícil, pela via racional, entender algumas das modificações. Há que tentar sentir interiormente este trabalho mágico que é escolher, juntar, suprimir as palavras.

Por outro lado, algumas alterações há, que se sente virem por acréscimo, porque o modificar o texto numa só palavra que seja, leva a que consequentemente se estabeleça um novo sistema relacional ("… múltiplos filamentos/ trespassando/ o papel").

Por vezes, senti-me momentaneamente surpreendida, porque nem sempre as modificações são à primeira vista as mais previsíveis, por vezes, paradoxalmente, pelo próprio (aparente) convencionalismo ou lógica, num universo de escrita em que muitas vezes a lógica aparece subvertida pela analogia, e que de convencional apresenta muito pouco. É o caso da substituição de "carne e sonho" por "carne e espírito". No entanto, uma análise mais cuidada leva-nos a concluir que a convenção é apenas, como se viu, aparente (" Registar/ nessa memória/ ao contrário/ de trás/ para diante/ as palavras/ que ficam/ assim/ misteriosas/ e depois/ soletrá-las/ do fim/ para/ o princípio,").

Observei também que muitas das alterações, (embora não todas), se concentram no final dos capítulos, formando uma espécie de quadro apoteótico de rigor em que a orgia é a da contenção (o trabalho limita-se frequentemente, como já foi dito, à supressão).

Para terminar, direi que tudo se conjuga para uma cada vez maior poeticidade do discurso com recurso exaustivo ao pensamento analógico/metafórico ("... cada poema, / no seu perfil/ incerto/ e caligráfico, / já sonha/ outra forma.")