NICOLAU SAIÃO

O POLVO…E OS POLVINHOS

  A memória é uma coisa maravilhosa, como já nos dizia Raul Brandão num dos seus textos mais inspirados, pois nos permite excursionar não só pelos mundos amados que definitivamente se perderam como pelos mundos quotidianos que se vão construindo através das lições que as lembranças nos ofertam e nos possibilitam. 

  Vem isto a propósito das recordações que de repente, et pour cause, me chegaram – recordações dos tempos de juventude batalhadora em que tive como professor de contra-informação, entre outros menos assinaláveis, o à altura capitão Melo Antunes, que me forneceu proveitosas noções de como, de que maneira interpretar uma situação social discursiva, propagandística ou operacional. 

  Os homens de “cloak and dagger” que eventualmente me leiam entenderão perfeitamente… 

 Como todos nos damos conta, tem-se estado a entrar num ponto decisivo da vida nacional. O poder executivo, mercê dos seus próceres mais destacados onde se tem agigantado o actual primeiro-ministro, vê-se cada vez mais colocado, mal ou bem, na incómoda berlinda da opinião pública acutilante. O povo português, que alguns têm tomado por inerme e inerte, para citar a impagável expressão de Fialho, afinal tem mostrado que o seu senso crítico, conjunturalmente ligeiramente adormecido, afinal ainda se agita, não tendo não senhor sido destroçado pela “apagada e vil tristeza” a que aludia Camões. 

  Como apesar de amargurado pelas infâmias que nos chegam por vezes se vivos estamos e lúcidos nos desejamos, ainda mexo, tenho procurado informar-me, buscando ver claro nesta cortina de nevoeiro que vai sendo o País do período de Sócrates.

  E que melhor lugar para isso do que os fóruns jornalísticos interactivos? 

  Tenho lido, tenho escrutinado, uma que outra vez tenho opinado – sempre procurando ser sensato e sem cair, evidentemente, no discurso injurioso que muitos ali utilizam, dando validez à velha e justa frase “Se tens argumentos, emprega apenas os melhores. Caso não tenhas, emprega todos…!”, que o nosso Tio Brandão nos cita num belo livro seu. 

  Assim, verifiquei que os aparentes - e digo aparentes porque pode tratar-se de escrita de adversários do actual “premier”, que buscarão colocar as pessoas “do outro lado” exagerando na perfídia e na escrevinhação desconchavada e absurda – apoiantes daquele, usam uma linguagem oscilando, ou mediando, entre o agressivo, o arrogante e o malcriado, em tiradas que qualquer cidadão minimamente consciente repudiará devido à sua carga maldosa e injuriosa. 

  Concretizando, o procedimento dos partidários de Sócrates que no Fórum do “Público” comentam é caracterizado por assentar na atoarda de que os jornalistas que criticam o líder seriam uma cambada de vendilhões e de venais.

  O povo português, por seu turno, é descrito como preguiçoso e estúpido. Repare-se: o mesmo povo de que se vangloriam ter a legitimidade pelo voto! Discurso falso e paranóico, diriam, não é assim? Mas há mais, e mais triste: eles seriam gente de trabalho, compenetrada e séria, cheia de autoridade - veja-se a maneira… vigorosa como o seu líder fala na Assembleia da República e até em entrevistas. Os outros protagonistas políticos, das duas uma: ou seriam patetas e incapazes ou, como alguns comentaristas tiveram o descaramento de dizer, mesmo partidários, quiçá propositores, de golpe de Estado institucional ou não!

  Um deles chega mesmo a dar a entender que só a cacete se resolveria o caso. Outro, menos radical, refere que não seria preciso bater, bastava que “a polícia” (qual, se não há polícia política?) arrecadasse (sic) os demasiado incómodos. 

  Dizia D. António Ferreira Gomes, o digno e vertical bispo do Porto que teve a coragem de, pelo seu múnus específico mas muito principalmente pela sua inteireza pessoal, enfrentar Salazar num arroubo de consciência que salvou de facto a face, reivindicando nobreza, duma Igreja em parte chegadiça e boa-boca, que “Se eles têm razão porque é que mentem e ofendem?”. 

  Faço minhas as suas palavras ponderadas e certeiras.

 ns

 

Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico.  

Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha, etc.   

Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair).    

No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Ed. Escrituras. Pela mão de António Cabrita saiu em Moçambique (2008), “O armário de Midas”, estando para sair “Poemas dos quatro cantos”(antologia).       

Fez para a “Black Sun Editores” a primeira tradução mundial integral de “Os fungos de Yuggoth” de H.P.Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana “Bichos” (2005).  

Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional “Poetas na surrealidade em Estremoz” (2007) e co-organizou/prefaciou ”Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril”. 

Tem colaborado em  espaços culturais de vários países: “DiVersos” (Bruxelas/Porto), “Albatroz” (Paris), “Os arquivos de Renato Suttana”, “Agulha”, Cronópios, “Jornal de Poesia”, “António Miranda” (Brasil), Mele (Honolulu), “Bicicleta”, “Espacio/Espaço Escrito (Badajoz), “Bíblia”, “Saudade”, “Callipolle”, “La Lupe”(Argentina) “A cidade”, “Petrínea”, “Sílex”, “Colóquio Letras”, “Velocipédica Fundação”, “Jornal de Poetas e Trovadores”, “A Xanela” (Betanzos), “Revista 365”, “Laboratório de poéticas” (Brasil), “Revista Decires” (Argentina), “Botella del Náufrago”(Chile)...  

Prefaciou os livros “O pirata Zig-Zag” de Manuel de Almeida e Sousa, “Fora de portas” de Carlos Garcia de Castro, “Mansões abandonadas” de José do Carmo Francisco (Editorial Escrituras), “Estravagários” de Nuno Rebocho e “Chão de Papel” de Maria Estela Guedes (Apenas Livros Editora). 

Nos anos 90 orientou e dirigiu o suplemento literário “Miradouro”, saído no “Notícias de Elvas”. Co-coordenou “Fanal”, suplemento cultural publicado mensalmente no semanário alentejano ”O Distrito de Portalegre”, de Março de 2000 a Julho de 2003. 

Organizou, com Mário Cesariny e C. Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, a mostra de mail art “O futebol” (1995).  

Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões) e está representado em antologias de poesia e pintura. O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum “Canciones lusitanas”.  

Até se aposentar em 2005, foi durante 14 anos o responsável pelo Centro de Estudos José Régio, na dependência do município de Portalegre.  

É membro honorário da Confraria dos Vinhos de Felgueiras. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de prata de Mérito Municipal.