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MÁRIO MONTAUT..

Conversa com Mário Montaut sobre Herberto Helder

Maria Estela Guedes - Mário, explica-me como descobriste o poeta Herberto Helder, aí na grande ebulição de São Paulo. Estão muitos livros dele publicados no Brasil, ele é conhecido na tua roda de artistas?

Mário Montaut - Ouvi aquele nome: Herberto Helder. Nome que muito me agradou, suscitando vigor e doçura. Neste exato momento revivo tais signos, e a revivência confirma as primeiras impressões. Lembro de Rimbaud, de André Breton. "Uma Temporada No Inferno & Iluminações" e "Arcano 17" se encontraram comigo muito antes de eu começar a lê-los. Magnetismo Puro. Conhecia alguns textos de Herberto Helder, mas para o mergulho real em sua poesia foi decisivo o evento realizado em agosto de 2005 em São Paulo, com suas preciosas reflexões e a inspiradíssima declamação de Cláudio Willer. Tudo isso se deu pouco antes do lançamento de "Ou O Poema Contínuo", pela editora "A Girafa". Desejo que esse músico poeta venha a ser melhor conhecido entre os artistas de São Paulo.

MEG - O que te agrada nele?

Mário Montaut - O rigor, a inspiração, a violência, a delicadeza, o ímpeto de tantos pensamentos só concebíveis e realizáveis em Grande Música.

MEG - És compositor, cantor e poeta. Os teus CDs, publicados aí no Brasil, encantam-me, porque justamente fazes uma música encantatória, às vezes doce como o mel, que por isso não deixa de ter relações com Herberto Helder. Outras similaridades existem, por exemplo na tendência para a constante subversão. De onde vos vem a inspiração? Daquilo que vos incomoda, no sistema social, externo, ou de dentro, das vossas próprias paixões?

MM - Estela, suas palavras me contentam e me remetem ao lúdico, acertando em cheio. Com tudo o que vivo, eu gosto é de brincar, de "fazer arte", essa coisa de moleque. Então, acho que sou muito mais "arteiro" que artista(rs). O imprescindível mesmo, para mim, é continuar "fazendo arte", e arcar com todas as consequências dessa arte irrefreável.

MEG - A poesia de HH é dominada pelo canto, pela música, ele fala muito do sopro, põe o canto acima de tudo na sua escala de importâncias. Ele chega a dizer que morreria pela música, no poema que te deixo para exemplo. Qual é a natureza dessa música? Estamos a falar de versos, com ou sem métrica, ou de assunto totalmente diverso? Achas o poema facilmente musicável? Tu, que és músico, diz-me que música é essa de que fala Herberto Helder.

Ninguém tem mais peso que o seu canto.
A lua agarra-o pela raiz,
arranca-o.
Deixa um grito que embriaga,
deixa sangue na boca.
Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer
pela música, pela
memória.

Herberto Helder, Ofício Cantante, p. 435

MM - "Palavra, não de fazer literatura, palavra, mas de habitar, fundo, o coração do pensamento, palavra". Esses versos da canção "Uma Palavra", de Chico Buarque De Holanda, nos perguntam: E poderia o pensamento de Herberto Helder não cantar? Obrigado pelo poema, Estela, e por ora só posso lhe dizer que ele é música plena. Beijos do Mário.

*

P.S. Estela, já fora de tempo hábil, ocorreu-me uma analogia entre o escritor, tradutor, dramaturgo e humorista brasileiro Millôr Fernandes e Rimbaud. Bem, o fato, Estela, é que o príncipe de Rimbaud, conheceu a iluminação, mas depois dela, na condição humana, o que é que ele poderia fazer a não ser bobagens? (rs). É o que o Millôr afirma:

AINDA SOBRE A MÚSICA DE HH

Estela, já fora de tempo hábil, ocorreu-me essa analogia entre o escritor, tradutor, dramaturgo e humorista brasileiro Millôr Fernandes e Rimbaud. Bem, o fato, Estela, é que o príncipe de Rimbaud, conheceu a iluminação, mas depois dela, na condição humana, o que é que ele poderia fazer a não ser bobagens?(rs). É o que o Millôr afirma. E fica no ar, soprando, a máxima rimbaldiana: "Falta ao nosso desejo a música erudita". Quer dizer Estela, a essa pergunta sobre a inquietação do Herberto Helder, Rimbaud não respondeu, nem o Millôr, e não sei se alguém responderá. De qualquer forma é um pensamento cabalístico, que estrutura essa poética do HH. A música erudita, a música de Rimbaud, e de HH. Beijos.

JEAN MILLÔR RIMBAUD FERNANDES

Embora sem causar nenhum grande "estrago no jardim da beleza", parece que Millôr Fernandes, tal o Príncipe do "Conto" de Rimbaud, também deu milhares de trepadas. Reza a lenda que certa vez Tom Jobim lhe disse: "Cada canção que eu fiz, Millôr, foi uma garota que eu não comi". E não menos queixoso(rs), Millôr teria lhe respondido: "Puxa Tom, e cada garota que eu comi foi uma canção que eu não fiz"(rsrs). Para além destas eróticas coincidências, tudo leva a crer que Millôr também se encontrou com o Gênio deste "Conto", e por caminhos vertiginosamente opostos, tirou conclusão semelhante, formulada de modo lapidar.

CONTO

Um Príncipe se envergonhava porque sempre se dedicava apenas à perfeição das generosidades vulgares. Ele previa espantosas revoluções do amor, e suspeitava suas mulheres de serem capazes de algo melhor que uma tolerância ornada de céu e de luxo Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação essenciais. Fosse isto ou não uma aberração de piedade, ele o quis. Pelo menos, possuía um poder humano bastante largo.

Todas as mulheres que o tinham conhecido foram assassinadas. Que estrago no jardim da beleza! Debaixo do sabre, elas o abençoaram. Ele não encomendou novas mulheres. - As mulheres reapareceram.

Matou todos aqueles que o seguiam, após a caça ou as libações. - Todos o seguiam.

Divertiu-se estrangulando os animais de luxo. Mandou incendiar os palácios. Arremessava-se contra as pessoas e as esquartejava. - A multidão, os telhados de ouro, os belos animais existiam ainda.

Pode alguém extasiar-se na destruição, rejuvenescer-se pela crueldade! O povo não murmurou. Ninguém ofereceu o concurso de suas vistas.

Uma noite, ele galopava orgulhosamente. Um Gênio apareceu, de uma beleza inefável, inconfessável mesmo. De sua fisionomia e de seu aspecto sobressaíam a promessa de um amor múltiplo e complexo! de uma felicidade indizível, insuportável mesmo! O Príncipe e o Gênio se aniquilaram provavelmente na saúde essencial. Porque não morreriam eles disto? Juntos, então, eles morreram.

Mas esse Príncipe faleceu, em seu palácio, numa idade comum. O Príncipe era o Gênio. O Gênio era o Príncipe.

Falta ao nosso desejo a música erudita. (Jean-Arthur Rimbaud)

"A sabedoria, se é que ela existe, serve quando muito para que a gente adivinhe qual vai ser a nossa próxima bobagem." (Millôr Fernandes)

 
Música de Mário Montaut:

MÁRIO MONTAUT é brasileiro, paulistano, de ascendência italiana, espanhola, indígena, moura, francesa e outras. Desenvolve uma sequência de composições que vêm à luz, já em dois trabalhos: "Bela Humana Raça", Dabliú, 1999, e "Mário Montaut: Samba De Alvrakélia", a sair nos próximos dias pelo selo MBBmusic. São muitos anos de vivências artísticas, num panorama que inclui Dorival Caymmi, René Magritte, Manoel De Barros, João Cabral De Melo Neto, Borges, Chico, Caetano, Gil, Dalí, Fellini, Buñuel, Webern, Cartola, Breton, Blavatsky e muitos amores mais, indispensáveis à sua criação, que abarca, além das canções, poemas, textos, roteiros e outras coisas interessantes. Mário Montaut é basicamente um parceiro de todos os seus contemporâneos e ascendentes, humanos ou não, saibam eles ou não. Índios, Negros, Europeus, Sem-terra, Brisas, Baleias, Maremotos, Chuvas, Livros, Discos, Beijos e Trovões Em Todas As Roseiras. Atualmente grava um disco de parcerias suas com o poeta Floriano Martins, onde a talentosíssima intérprete Ana Lee canta grande parte do repertório. Mário Montaut é um pouco de tudo isso. E muito mais, com certeza, pode ser descoberto em seus discos lançados, em suas tantas canções já gravadas, poemas, textos, e múltiplos achados.