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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
As vindimas da noite
Corro com os pés vazios

Ninguém penetra nas coisas se os dias estão cheios.

Por isso, a respiração dos pássaros é urgente.

Perto, estão ainda as rotas da seda, as encruzilhadas

do sonho,

a luz oblíqua incidindo na calcite amena das cidades

majestosas.

Penso em Alepo, Palmira ou na colunata radiosa

da antiga cidade de Apameia.

E corro com os pés vazios, enrolados em serpentes,

rosas e violinos,

o tempo suspenso na grande noite clangorosa de pilares

obscuros,

 

Na malha do silêncio, o fogo oculto, a lira vermelha

desoculta, na lenta combustão, o deserto irado e triste,

a água submersa de um veneno a florir,

num eixo descoordenado e cego de vinhas

sanguinolentas, os pés moldados num grito

de acordar de outra forma,

essa, outra, lenta, resguardada de cantar a giesta nocturna,

no vinho turvo, dolente das roseiras altas de inventar

os muros, na aura ígnea das estrelas maceradas,

na pedra líquida,

nas malhas de sangue espesso que transcrevo

num grito lúcido, frio,

 

transcendente,

 

amanhã.

Maria do Sameiro Barroso é licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Exerce a sua actividade profissional como médica, Especialista em Medicina Geral e Familiar.

Em 1987 iniciou a sua actividade literária, tendo publicado livros de poesia e colaborado em antologias e revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade estendeu-se à tradução e ensaio, tendo publicado, em revistas literárias e académicas.

Em 2002 iniciou a sua actividade de investigadora, na área da História da Medicina, tendo apresentado e publicado trabalhos, nesta área.