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Cecília Barreira
A aliança espanhola e a Restauração

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Ponto 1

Durante o século XVI, a política de alianças dinásticas entre as famílias reais portuguesa e castelhana aproximaram-se de tal modo que resultariam em união ibérica. Apesar de uma existência separada de centenas de anos, o ideal da unificação mostrava-se comum a todas as monarquias ibéricas. A aproximação estabeleceu-se através do matrimónio: o rei D. Manuel I havia casado sucessivamente com três princesas espanholas, deixando a descendência, entre outros filhos, em D. João III, D. Isabel, D. Luís, D. Henrique e D. Duarte.

D. João III tinha desposado a irmã mais nova de D. Carlos I de Espanha, D. Catarina de Áustria e, dessa união, tinham nascido, entre outros, D. Maria e D. João.

Do matrimónio do infante D. Duarte nasceu D. Catarina, que viria a casar com D. João, duque de Bragança.

D. Isabel casava com D. Carlos I de Espanha e os filhos de ambos eram D. Filipe II e D. Joana. D. Filipe II veio então a casar, em 1543, com D. Maria e D. Joana contraiu matrimónio com o príncipe D. João, herdeiro do trono português mas falecido em 1554, ano do nascimento do seu único filho, D. Sebastião.

Falecendo em 1557, o rei D. João III deixa como sucessor uma criança frágil de três anos de idade que, ao longo de um reinado de vinte anos, não casou e acabou por morrer sem descendentes.

Pôs-se, à data, o problema da sucessão e como dos filhos de D. Manuel só sobrevivia, em 1578, o infante D. Henrique, cardeal-arcebispo de Lisboa e inquisidor-geral do Tribunal da Inquisição, foi ele quem sucedeu no trono. De idade avançada e com uma saúde débil, a probabilidade de deixar descendentes era nula. Com a sua morte, a Coroa teria de ir para os netos de D. Manuel: D. Catarina, a duquesa de Bragança, D. António, filho bastardo do infante D. Luís e Prior do Crato, ou D. Filipe II. A verdadeira questão residia, afinal, na solução a adoptar; se a independência de Portugal (defendida pelos dois primeiros candidatos) ou a aliança com a Coroa de Espanha (personificada em D. Filipe II).

Foi para este último que se virou a nobreza e os grandes burgueses, pois o poderoso e rico monarca de Castela representava a única solução viável para a difícil situação económica e social que o País atravessava. O vasto império herdado pelo monarca D. João III e que se estendia por três continentes, impunha difíceis problemas de administração à distância. No Oriente, após os anos iniciais de conquistas, Turcos e Árabes ofereciam uma resistência cada vez maior ao monopólio dos Portugueses, sucedendo os ataques às forças portuguesas. Em África, as guarnições dos castelos em Marrocos estavam em perigo e homens e armas eram enviados com frequência como reforço, ocasionando uma despesa enorme sem proveito correspondente, o que em breve se tornou insustentável. Na Europa, Portugueses e Espanhóis conheciam inimigos comuns: os Franceses, os Ingleses e os Holandeses impunham a sua força como potências marítimas, prejudicando a navegação das duas partes com a pirataria.

Como compensação das dificuldades, D. João III voltou-se para o Brasil, com o povoamento e valorização daquele território. Todavia, o seu reinado conheceu gravíssimas crises económicas e recorreu-se aos empréstimos externos. Fomes e epidemias completaram o sinistro cenário.

À época, o Império Espanhol era o mais forte da Europa, dominando terras e mares, e os Portugueses tornaram-se cada vez mais dependentes das ligações mercantis espanholas, nomeadamente na importação de prata e trigo.

Culturalmente, o castelhano tornara-se o idioma em moda, assim como língua internacional. Em finais do século XV e durante todo o século XVI, a maioria dos autores, cortesãos e homens educados portugueses mostravam-se bilingues ou falavam um pouco de castelhano.

As classes inferiores mostravam-se muito menos tocadas por estes interesses financeiros e culturais e mais afectadas pela fome e miséria. A maioria do povo rejeitava a ideia de um soberano espanhol, manifestando um nacionalismo de desagrado e revolta contra a União Ibérica. D. Catarina não encontrava partidários e D. António gozava de uma certa popularidade popular, que via o Prior do Crato como único candidato capaz desafiar o poder de Filipe II. D. António ainda se fizera aclamar rei em Lisboa, Santarém, Setúbal, entre outras cidades, mas rapidamente o exército espanhol afastou o Prior do Crato para fora do país, exilando-se em França.

Tornava-se, pois, necessário conservar e fortalecer a ordem existente, defendê-la contra todas os perigos externos e internos. O governo de um rei forte era certamente uma garantia contra a ameaça de uma revolta popular.

Cristóvão de Moura, o português renegado que era em Portugal o agente do rei de Espanha, ia desenvolvendo uma diplomacia corruptora, espalhando ouro castelhano com que comprava as consciências que quisessem vender-se. Filipe II seguia com ansiedade a marcha dos acontecimentos e, de lá, dirigia os planos e auxiliava a política do seu emissário. Mas temia-se ainda a revolta popular e, vendo isso, o monarca castelhano dispôs-se a conquistar o reino português pela força das armas.

A par do trabalho dos negociadores, a imprensa foi um meio que, com plena consciência do seu valor, contribuiu para que o medo das armas e a esperança de mercês se apoderassem do ânimo dos portugueses, levando-os a reconhecer D. Filipe como o seu rei.

Após uma campanha propagandística de subornos, benefícios e favores, Filipe de Habsburgo entrou em Portugal a 9 de Dezembro de 1580 e, em 16 de Março de 1581, é jurado e aclamado rei de Portugal nas Cortes de Tomar, com o título de Filipe I de Portugal (1580-1598). Ao seu reinado, seguiram-se os dos seus herdeiros legítimos: de 1598 a 1621, o seu filho D. Filipe II (D. Filipe III de Espanha) e, de 1621 a 1640, o seu neto D. Filipe III (Filipe IV de Espanha).

Atribui-se a Filipe II de Espanha a seguinte sentença sobre o trono de Portugal: «Herdei-o, comprei-o e conquistei-o», mas a grande maioria da elite do poder em Portugal sentiu que o seu desejo de integração num império multinacional e multicultural, em conjunto com a Andaluzia e Aragão, tinha sido finalmente atingido.

O novo monarca adoptou meticulosamente o título de Filipe I de Portugal e garantiu que a autonomia constitucional e jurídica ao país fosse respeitada. Durante algum tempo, o seu governo foi deslocado do palco central espanhol para Lisboa, mas rapidamente as questões políticas de fundo o arrastaram para Madrid, o centro dos reinos unidos.

À morte de Filipe I em 1598, a unificação espanhola estava concretizada e a Espanha dominava os mares. Os bispos e os aristocratas procuravam promoções e benefícios nos domínios de Castela e até para além das possessões espanholas no Mediterrâneo. No século XVI, os Jesuítas apoiaram vivamente a política de Lisboa da expansão imperial em África e no Brasil, acrescentando para si grandes fortunas, assim como prestígio das suas acções missionárias na Ásia.

Com a administração dos monarcas hispânicos Habsburgos introduziram-se profundas e numerosas reformas que, na sua maior parte, iriam durar séculos. Portugal pôde beneficiar do muito mais desenvolvido modelo burocrático espanhol, vendo, desta forma, modernizados os seus métodos de governação.

Os melhoramentos deram-se ao nível da administração pública e da justiça, reorganizando e centralizando o sistema já criado e decretando instâncias para áreas específicas de acção. O espírito sistemático da governação filipina deu origem a um novo código legislativo, que reunia todas as leis promulgadas até então. As Ordenações Filipinas, assim se denominaram, viriam a ser publicadas em 1603, depois da morte de Filipe II e vigoraram em Portugal até ao Código Civil de 1867 e, no Brasil, até 1917.

Durante várias décadas, Portugal foi aceitando a perda da independência. As várias tentativas do Prior do Crato de ganhar o trono depararam com escasso apoio.

Nos primeiros anos da aliança, a coroa teve o cuidado de não impor pesados fardos ao reino português de forma a não contrariar os interesses do reino espanhol. No entanto, os reinados de Filipe II e III foram marcados por situações e medidas pouco populares. O descalabro governativo das últimas décadas, o crescente aumento de impostos e as reformas do exército para a defesa do império espanhol que declinava a favor dos Holandeses e Ingleses, abriram caminho a diversos elementos de resistência difundidos por todas as classes sociais.

As desastrosas consequências da Invencível Armada, um esquadrão de navios que partiram de Lisboa em 1588 contra a Inglaterra, acabaram por enfraquecer o apoio ao governo filipino: a maioria dos galeões não regressou, o que infligiu sério golpe na marinha nacional.

Em 1640, as necessidades militares de Espanha requeriam uma acção urgente. O reinado da Catalunha, desde sempre aliada à coroa de Castela, revoltou-se contra a união espanhola em Junho daquele ano. Castela ordenou imediatamente que os soldados portugueses fossem recrutados e combatessem a revolta catalã.

A grande aristocracia da terra sentiu os efeitos da presente crise política espanhola, e alguns nobres chegaram ao ponto de se recusaram a entregar a sua pouca mão-de-obra a Espanha para tal campanha militar.

Um pequeno número de membros da nobreza e de letrados encorajaram o duque de Bragança, D. João, a declarar a independência de Portugal e a libertá-los das imposições de Castela. Defendiam que Espanha não seria capaz de combater em duas frentes e, com aquela ainda a braços com o motim catalão, a revolta portuguesa pela libertação acabaria por resultar. Com o seu acto, os conspiradores decidiam igualmente restaurar a linha legítima da sucessão do trono português, interrompida em 1580 com Filipe II. Por direito, a coroa pertencia, nessa altura, a D. Catarina, duquesa de Bragança; D. João, neto da duquesa, estabeleceria a legitima sucessão ao trono.

O duque, que vivia em Vila Viçosa e afastado da vida política de Lisboa, vacilou. Reconhecia que, se a revolta fracassasse, perderia mais terras do que qualquer outro nobre português: em 1640, D. João era indiscutivelmente o mais rico latifundiário do País e a sua ascensão ao trono representava um substancial incremento no património da Casa Real. Apesar de, em 1550, as ordens militares de Santiago e de Avis terem sido unidas à Coroa, fazendo de D. João III e dos seus sucessores os maiores proprietários de Portugal, os monarcas espanhóis acabaram por alienar uma parte importante do património real, atribuindo títulos e ofertas ao clero e à nobreza, com o objectivo tácito de obter novos adeptos.

No entanto, o duque de Bragança concordou em chefiar a revolta e a associar o nome da sua casa à dinastia que restaurasse a independência de Portugal. Era esta uma das condições dos conspiradores; caso contrário, era constituída uma república de nobres.

O ataque ao palácio real foi inesperado. Em 1 de Dezembro de 1640, quarenta fidalgos entraram no paço de Lisboa, abateram o representante do monarca espanhol, o secretário de Estado Miguel de Vasconcelos, e obrigaram a duquesa de Mântua, prima do rei de Espanha e vice-rainha a assinar a rendição das tropas castelhanas que se encontravam no Castelo de S. Jorge e nas fortalezas do Tejo. Só depois de concluído o golpe, foi pedida a intervenção do povo. Todo o país aderiu à revolução, mal se espalhou a notícia. Algumas centenas de estudantes portugueses da Universidade de Salamanca voltaram para Portugal, para se alistarem nas fileiras.

A revolta não foi, como se viu, uma revolução popular. Três anos antes, em 1637, uma rebelião foi tentada em Portugal. Nessa altura, foram os camponeses que se revoltaram contra o elevado nível de impostos que a união com Espanha lhes havia cobrado. A sua causa, no entanto, não foi apoiada pelos ricos proprietários das terras, receando que uma revolta popular pudesse pôr em causa a sua posição social e os seus privilégios. A conspiração da nobreza em 1640 pode ter sido igualmente uma tentativa para deter uma nova revolta popular, quando o fardo de Espanha se tornava cada vez mais pesado. Os apoiantes do duque de Bragança evitaram a todo o custo que o mundo se virasse às avessas, como tinha sido temido em Inglaterra.

O outro aliado de Portugal foi a França, interessada em enfraquecer a Espanha a todo o custo. Na década de 1630, chegaram a Portugal agentes secretos franceses para sondar a opinião pública em caso de revolta contra o domínio espanhol e incitar acções revolucionárias.

Mas, dos numerosos nobres que se encontravam na corte de Madrid, quase todos ficaram ao serviço de Filipe IV. Cerca de metade da aristocracia portuguesa permanecia leal a Espanha. Por se manterem fiéis ao monarca Habsburgo, os apoiantes esperavam recompensas de terras e de dinheiro.

A aclamação de D. João VI fez-se quinze dias depois da revolução. Deste modo, o rei do Portugal restaurado permanecia como primeiro proprietário do reino e, deste modo, funcionando como alternativa e travão ao poder de nobres e clérigos.

Já durante o reinado de D. João IV, foram tomadas medidas para que os títulos que pertenciam à nobreza refractária revertessem a favor da Coroa portuguesa. Mas, em contrapartida, foram sendo gradualmente criados novos títulos para os apoiantes do rei, o que resultou num considerável aumento do número de aristocratas.

Tal como em 1580, a sociedade portuguesa de 1640 encontrava-se dividida no apoio a D. João IV. Embora a aristocracia se tivesse mostrado disposta a encorajar o duque de Bragança para levar a cabo uma luta a favor dos desejos populares, não estava agora disposta a dar ao rei poderes para estabelecer uma monarquia absoluta: os reis em Portugal deveriam ser definidos pelas Cortes e não por direito divino.

A nobreza não foi a única classe relutante em Portugal. Vivendo dos benefícios económicos e financeiros do porto de Lisboa, a classe média urbana do século XVII estava igualmente dividida na sua atitude perante o novo regime governativo. A maior parte dos comerciantes e investidores preferia a abertura das fronteiras e receava que o nacionalismo fosse um sério obstáculo aos seus interesses, centrados em Sevilha e nos territórios coloniais espanhóis.

Foi, pois, fundamental a procura de novos mercados que resolvessem a crise anunciada. Por esse motivo, a Holanda desempenhou um papel de grande importância na guerra da independência. Para além do facto de os holandeses se terem tornado comerciantes activos durante a época dos Filipes, o que facilitava o acesso a novas rotas comerciais, a Holanda havia-se transformado em recanto político e económico para o exílio de muitos portugueses descendentes de judeus que fugiram para Amesterdão com os seus barcos e os seus investimentos, quando a intolerância religiosa aumentou.

A igreja católica, tal como a nobreza e a burguesia, enfrentou um inesperado dilema quando a revolta portuguesa surgiu. Identificando-se com o desejo popular de independência, os padres das aldeias e os monges apoiaram o duque de Bragança, mas os bispos e toda a hierarquia eclesiástica estavam bem integrados na elite castelhana e, deste modo, relutantes em abraçar uma mudança que pudesse atentar contra a garantia dos seus privilégios.

No século XVII, apesar de contrariados pelo Papa, os Jesuítas estiveram a favor do movimento de independência e apoiaram a casa de Bragança, garantiu-lhes o confronto com a Inquisição. Durante quase um século, estiveram aliados à Inquisição e, à medida que ambas as instituições multiplicavam poder e riqueza, um conflito de interesses afastava as duas partes.

Orientada para abolir a inovação em nome da tradição, da ordem e da pureza das almas, a Inquisição perseguiu todos aqueles que procuravam a modernização da sociedade. Não surpreendeu, pois, a atitude que tomou em 1640, colocando-se ao lado de Espanha e defendendo a continuação da União Ibérica. Com esse intuito, mobilizou algumas forças apoiantes que pudessem destituir a coroa a D. João IV.

Em Julho de 1641, o Inquisidor-Geral de Lisboa deu o seu apoio à contra-revolução de alguns nobres, encabeçada pelo marquês de Vila Real, o duque de Caminha, o conde de Armamar, o arcebispo de Braga e alguns abastados comerciantes de Lisboa. Embora a conspiração tenha sido descoberta e os seus participantes executados – à excepção dos eclesiásticos – esta situação não deixou de assinalar a difícil luta de independência nacional, marcada por frequentes e internas ameaças à estabilidade política do governo de D. João IV.

A sobrevivência do novo rei muito ficou a dever à acção e às faculdades do seu primeiro-ministro, Francisco de Lucena. Durante o governo dos Habsburgos, Lucena foi secretário do conselho de estado de Portugal durante trinta e seis anos e era o mais experiente administrador do país. Com a independência e como bom burocrata, transferiu os seus serviços para o Palácio Real de Lisboa, mas evitou conflitos desnecessários com Espanha, onde o seu filho continuava ao serviço da monarquia Habsburgo e, como tal, uma potencial vítima de represálias contra os independentistas portugueses. A fim de evitar alterações estruturais e sobressaltos sociais, o primeiro-ministro confirmou os poderes tradicionais e mandou cancelar a perseguição a apoiantes do governo espanhol que tinham colaborado com Madrid. Francisco de Lucena tinha actuado com firmeza para deter a contra-revolução de 1641. O poder que a coroa ganhou com a execução dos contra-revolucionários inquietou a nobreza, desejosa de preservar a sua influência e de impor restrições ao governo central. Na falta de qualquer possibilidade de ascender ao trono, os aristocratas revoltaram-se contra os que serviam o rei. Enquanto instrumento dos seus interesses, Francisco de Lacerda tinha sido tolerado pela aristocracia que, embora sendo um simples popular, desempenhava altos cargos administrativos. Mas, ao executar a nobreza oponente, Lacerda provou ser suficientemente poderoso e isso parece ter assustado a aristocracia. O primeiro-ministro foi arrastado numa acusação de traição e condenado sem que o rei o pudesse ter salvo: foi executado e decapitado publicamente em Évora.

Embora adoptado pelos rebeldes portugueses como slogan político, o termo «restauração» foi traído pela realidade dos factos. O sistema de governação adoptado pelo Portugal restaurado acabou por ser idêntico ao escolhido pela monarquia filipina e não um sistema de retorno ao século XVI.

Durante o domínio espanhol, o poder real foi executado por um conselho governativo.

O reinado de D. João IV, que terminou com a sua morte em 1656, absteve-se de absolutismos extremos, partilhando o poder com um conjunto de conselhos e tribunais. Os membros estavam sujeitos à nomeação real mas, de uma maneira geral, gozavam de uma larga autonomia em decisões administrativas.

A nova coroa tornar-se-ia dependente de toda a aprovação parlamentar para todos os assuntos de Estado, até para as despesas de defesa com Espanha.

Os membros eram recrutados entre a classe aristocrática fazendo com que o poder fosse, desta forma, transferido directamente para as mãos da nobreza e da alta burocracia.

Esta medida acabou por ser muito mais uma reacção sensata do que uma opção governativa: alimentandas as aspirações das hierarquias mais conservadoras – que viam o seu poder aumentar consideravelmente –, o monarca evitava possíveis conflitos e assegurava a estabilidade necessária, numa governação que se manteve pouco sólida.

As classes inferiores conservavam o apoio nacionalista e aderiram ao monarca, mas já o mesmo não se passava com a aristocracia. Os nobres evocavam constantemente a isenção de impostos e o clero recusava ver a sua imunidade histórica ser arrastada para questões de Estado. Ambos apontavam o povo como fonte de receitas para o governo. No entanto, o rei era demasiado fraco para impor impostos que os sessenta anos de administração filipina falharam a impor e demasiado isolado para controlar o clero e a nobreza.

O reinado de D. João IV manteve-se longe das agressões militares de Espanha, permitindo a Portugal a organização da defesa, a reconstrução de fortalezas e a manutenção de homens, armas e cavalos para a guerra.

A Espanha encontrava-se ainda em conflito. Na Guerra dos Trinta Anos, travada com França desde 1635, o combate militar só viria a terminar em 1659 (Tratado dos Pirinéus), consagrando o triunfo dos Franceses. E a questão da Catalunha (somente resolvida em 1652) atrasaria quaisquer ofensivas de vulto.

Todo o reinado de D. João IV (1640-1656) foi marcado por uma diplomacia europeia desastrosa e por uma pouco próspera economia interna.

A política externa portuguesa visava fazer a paz com a Holanda tão depressa quanto possível e conseguir apoio militar e diplomático dos inimigos da Espanha. Mas paz imediata com a Holanda significaria para os Holandeses renunciar à sua política de conquista na Ásia e no Atlântico. Apesar dos esforços da diplomacia da Restauração e todas as suas promessas de compensação económica, as Províncias Unidas foram demorando a assinatura de qualquer tratado de paz até 1661.

Os Bragança tentaram por diversas vezes obter o apoio do mais forte e do mais católico rei de França. Para a França, o apoio à rebelião portuguesa significava o enfraquecimento da Espanha e fortalecia as pretensões da união das fronteiras francesas com a Catalunha.

Entre 1650 e 1654, houve guerra aberta entre Portugal e Inglaterra. Os navios britânicos não tiveram dificuldade em demonstrar a sua superioridade, com o resultado de que Portugal teve de assinar um tratado de paz que abria o Império ao tráfico inglês. Os condicionalismos da política inglesa limitavam-se a confirmar este estado de coisas, casando Carlos II com a princesa D. Catarina (filha de D. João IV) e obtendo a cedência, em dote, de Bombaim e Tânger.

D. João IV morreu em 1656. Entre 1656 e 1662, não ocorreram mudanças importantes no país. O novo rei, Afonso VI, com 13 anos, era física e mentalmente incapaz de governar. Embora, segundo o direito tradicional, apenas lhe faltasse um ano para atingir a idade exigida para o exercício do poder, o novo rei tinha graves defeitos físicos.

A regência, a cargo da rainha-mãe D. Luísa de Gusmão, foi prolongada por mais seis anos, o que favorecia um grupo conservador de nobres.

A regência foi interrompida por um jovem nobre, conde de Castelo Melhor, que manipulou o rei a tomar a coroa. Uma grande parte da nobreza apoiou o golpe e Castelo Melhor assumiu o comando do país (1662).

Uma série de desastres e fracassos caracterizou os anos da Regência. Em 1657, os Holandeses atacaram Portugal metropolitano e bloquearam Lisboa durante três meses.

Em 1660, as tropas espanholas, libertas da guerra europeia, voltaram-se em força contra Portugal. Não podendo contar com o apoio de França (uma das poucas concessões que a França estabeleceu com Espanha no Tratado dos Pirinéus), os portugueses voltaram-se para Inglaterra, recebendo o auxílio de alguns milhares de militares e de alguns navios ingleses. Portugal lutava pela sua sobrevivência como nação.

Com o apoio das tropas inglesas e a energética acção do conde de Castelo Melhor, aniquilou-se por completo o exército espanhol (batalha de Montes Claros, em 1665) e derrubou-se definitivamente a sua pretensão de reconquista de Portugal.

Em Espanha, o rei Filipe IV tinha morrido: a situação económica do país estava debilitada e a situação política atravessava um momento perigoso, com a França e o imperador da Alemanha a disputar o trono.

Em Portugal, a guerra tinha despojado os cofres do reino e aspirava-se pela paz.

Em Setembro de 1667, um golpe de estado dirigido pelo duque de Cadaval e pelo infante D. Pedro (irmão do rei D. Afonso VI), levou à demissão do conde de Castelo Melhor, primeiro-ministro que, através de um golpe palaciano (1662), instalou no governo uma nova facção de nobres. A governação de conselhos e tribunais havia sido substituída por um governo de ministério.

A fim de neutralizar os seus inimigos, Castelo Melhor arranjou o casamento de D. Afonso VI com uma princesa francesa, Maria Francisca de Nemours, em 1666 e, no ano seguinte, assinou uma aliança militar com França, com o objectivo de obter um bom aliado nas negociações diplomáticas

No entanto, este conjunto de circunstâncias não correu como o esperado. D. Afonso VI foi acusado de não exercer a sua função como marido e D. Maria Francisca iniciou uma ligação amorosa com o príncipe D. Pedro. Os nobres estavam descontentes, vendo ser prolongada uma guerra longa demais e desejosos da restauração dos seus plenos poderes.

Após a prisão de D. Afonso VI, D. Pedro assumiu o título de príncipe regente (que as Cortes confirmaram meses mais tarde), restaurou os nobres como classe ao seu primitivo poder e casou com D. Maria Francisca (1668), depois de se ter provado a impotência do monarca e obtido assim a dissolução do matrimónio.

Preenchiam-se portanto todas as condições para ser firmada a paz. Na Espanha, Filipe IV falecera em 1665 e seu filho Carlos II ascendera ao trono com quatro anos de idade. A mudança de governo em Portugal e a intervenção diplomática da Inglaterra visavam o estabelecimento da normalidade, que praticamente todos desejavam. O tratado de paz pôde assim ser assinado em Fevereiro de 1668: reconhecia a independência plena de Portugal e mantinha inalteráveis as suas fronteiras e possessões. Apenas Ceuta permaneceu em poder de Espanha.

CECÍLIA BARREIRA é actualmente Professora de Cultura Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. Dedica-se ao ensaísmo e à poesia. Algumas obras publicadas: “História das Nossas Avós”, 1994; “Salazarismo e outros ismos” 1997; “Ensaios Vários” I, II,III, 2003/2004. Encontra-se de momento numa linha de investigação no Instituto de Estudos Portugueses da UNL, no domínio dos universos do feminino.

 
   
   

 

 

 



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