Bruno Miguel Resende

Engolir lâminas vermelhas não interfere na cor
dança dos ossos

"aqui se embriaga a noite.
porquê o teu desdém? imola-te agora."

cântico asteca

descarnam-se os corpos
ao súbito
por iras dos vendavais dançantes
expurgados esqueletos
brunidos à lágrima lunar 

destarte
níveo folclore viandante
que se cria
e do fusco iníquo
em servil matéria esfolada
flamejada
por dança dos ossos 

aprisionados na orla
do burlesco
em frescos excipientes
áditos nas praias consagradas 

plumas floresciam
ao circundo
como leito vital
do cêntrico 

papiros ressuscitavam
por colorização amena
da escuridade
em perfumes plumbagináceos
invocada minerva 

lanças voltaram-se
e revoltaram-se
por íntimos dispersos
e inscreveram cernes às areias
impelidas trindades oníricas
elevadas ao cachimbo da harmonia 

dualidades do espírito
às vértebras
em transe do género
marouços do fálico fértil
e vaus do vaginal incutido 

indómitas impressões vivas
de fluxos ao tutano
porque o vulgo padeceu
e a crepitação do estorvo
é antes do agora 

excedia-se a unidade
medida do ente
ao transbordo 

sinfónico exuberante
por marejada tíbia
pastoril rumo
em articulados toques
ao desvario
por frequências indivisíveis
clamadas proliferações
de pluralidades retidas
derretidas no vivaz 

porque as criaturas se recriam

internidade equinocial

"a mãe abre as costas placentárias."                                             ranhura, carlos vinagre

o areal distendia-se

no reflexo dos pés
deixava marcas trilhadas

de esquecimento
enquanto reflectia a noite

no estômago do mar

por perto as estrelas

pendiam a espuma

 

os ventos sulares eriçavam

a epifania da água
quentes jorravam

no estalo da equidistância
pela humidade abrasiva

que transbordava para dentro
desenhando o limite das algas

nas pontas dos pés

 

o rugido era vagaroso

como a vaga que ronrona
estendia-se perante a pulverização

da roupa
a nudez era muda

tocada pelo aguaceiro da chama
constante

como tudo o resto que o não era

 

o corpo ígneo correu

para o líquido amniótico
encontrou a fetalidade da memória

que não tinha
lembrou-se do que nunca percebera
porque nascia em dança salgada

erotizada de lua

 

existiam gritos que não se ouviam

no choque das ondas
e maternidades que não se dão

quando a onda se entrega
liquefacções dos átomos

que ainda não se repulsaram
estão na centelha da eternidade

eternamente perdida

 

a noite afaga o corpo húmido

na internidade de um cosmos vazo
o caos sereno faz detonar

gestos arrebatados
vibram pela epiderme fecunda

de quem não existe
o prazer culmina

no esperma misturado

de espuma salina

 

o rumo inverso demonstra

que o trilho não existe
que a erosão revolve pegadas

para o caos
liso como o veludo celeste

pintalgado de verdes que cintilam

o obscuro é alquimia da noite em dia

de doses iguais

o corpo revolve

para a memória

e descobre que não existe
tudo o que estava permanece

na mutação
mas o corpo soube que quando esteve foi deus
até que a areia lhe saísse dos pés

para o esquecer

 

sentiste o corpo regressar ao útero mãe?

silavário

 

i

ergues-te na montanha

pavio do sol

vela que não derrete

 

ii

dormes na sombra

porque sonhas

o sol de costas

 

iii

em terra húmida

semeias um falo

pétalas hermafroditas

 

iv

a luz atravessa o vidro

mas a morte

reflecte para fora

 

v

enquanto vai à fonte

os filhos bebem

pendurados nos seios

 

vi

ser poeta é ser mais alto

fui ao pomar

de tacões

 

vii

enquanto a lua

cheira a urina

tenho os pés molhados

 

viii

chamo-te de longe

porque perto

não sei o teu nome

 

ix

choras de noite

pois de dia

as lágrimas evaporam

 

x

a figueira ondula

quando passo

à beira-rio

 

xi

a placenta invisível

solta gemidos

se fores atropelado

 

xii

nas sombras da noite

tudo se vê

se tens candeia

 

xiii

um nome enaltece

letras em chamas

fogo-fátuo

 

xiv

amor é fogo que arde

sem se ver

penetra-me pelas costas

 

xv

as profundezas do ser

são as medidas

da falometria

 

xvi

ergue-me o falo

que se esvai

a teus pés

 

xvii

um coxo

da cinta para cima

mira o horizonte invertido

 

xviii

entre nádegas

o orifício lunar

brilha

 

xix

esquessi-me

de passar estas peugadas

na corressão ortopédica

 

xx

um compostor no cemitério

recicla mortos

hambúrgueres

 

xxi

quatro palitos

fazem a cela

do caracol morto

 

xxii

arranquei-lhe a cloaca

pela garganta

sem tocar no estômago

 

xxiii

turismo verbal

se me sei

sem rodas

 

xxiv

ser ou não ser

eis a questão

estou posso que nem estou

 

xxv

ansiedade uterina

na irritação desperfurada

penistil

 

xvi

o cérebro delgado absorve

o grosso não

boca-anal

 

xvii

o vento lasca

a epiderme gemida

seiva branco

 

xxviii

um gato arqueia o lombo

para se moldar

à esfera terrestre

 

xxix

cortar a língua às formigas

para que não digam

onde está o açúcar

 

xxx

sepultar no mar

a esperança da velhice

desprocriar

 

xxxi

o poiso canibal

é a totalidade do universo

autofágico

 

xxxii

um bico de ferro

melhor esventra o inimigo

até oxidar

 

xxxiii

seguras a lua

entre os seios

até que se derrame

 

xxxiv

as tuas sobrancelhas

são a balança da justiça

pendem para mim

tumefacto

 

"a vulva é o aquário onde te dizes"                                                ´spabilanto, fátima vale

 

noites escorrem epilépticas

nos cabelos do húmus

selváticas eclodidas

das fendas de carne

engolem o eixo germinado

de mundo

 

tumefacto é o facto de tu me fazeres

 

soçobram epidermes

entre dedos de riste

quando se possui com o universo

o verso único

enterra-se para cima

 

tumefacto é o facto de tu me fazeres

 

abóbadas agrestes desprendem

plumas amarelas

para que a carne se coroe

de alvura corrompida

tangida no gemido das salivas

 

tumefacto é o facto de tu me fazeres

 

olhos circundam a erectosfera

ensalivada de lua

em busca da cegueira

da ebulição primeva

a catalepsia desapercebida do rasante

 

tumefacto é o facto de tu me fazeres

 

desenho raízes

que não se decifram

em fetos que se desconhecem

pela inutilidade emparedada

das seivas labirínticas

envolvo-te fluída na minha rigidez

 

tumefacto é o facto de tu me fazeres

 
In: Engolir lâminas vermelhas não interfere na cor
 

BRUNO RESENDE
Engolir lâminas vermelhas não interfere na cor
Porto . Edições Betarrabista . 2012
Ilustrado

Bruno Resende. Escritor, webdesigner, designer gráfico, DJ, fotógrafo, performer. Chamado Bruno Miguel Resende, nasce a 1 de Março de 1981, no Porto, Portugal, Universo. Inspirado pela evolução e revolução inspira a mesma, formando-se e informando-se sobre si próprio nas áreas de hedonismo, anarquismo, ateologia, revivalismo arcaico, surrealismo, e outras potências de existência que se adequam a cada momento de cada contexto. Lança em 2007 o livro “Subterfúgios” pela Corpos Editora, em 2009 “Khaos Poeticum” pela Temas Originais e em 2010 “Esquilia Divinorum” pelas “Edições Extrapolar”. Participou em diversas antologias literárias das editoras Andross, CBJE, Editora de Leon, Celeiro de Escritores, Nova Coletânea e Lugar da Palavra em títulos como o “Livro Negro dos Vampiros” e “Noctâmbulos”. Nas artes gráficas concebeu as galerias Revolta das Palavras, Abysmo Humano e Transmorphosys. É colaborador da revista Infernus incluindo-se também na Incomunidade e Associação Extrapolar entre outros escritos, artes, acções e reacções.