Adelto Gonçalves

Mendoza e uma esquecida fórmula cervantina

O MISTÉRIO DA CRIPTA AMALDIÇOADA, de Eduardo Mendoza, tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta Literário, 192 págs., R$ 29,90.
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      Em 1975, três meses antes da morte do generalíssimo Franco, a Espanha, entre satisfeita e perplexa, descobria um romance que, por sua originalidade, contrastava com tudo o que se escrevia no país àquela época. Chamava-se La verdad sobre el caso Savolta (Seix-Barral, Planeta Espanha). E seu autor, Eduardo Mendoza, passava a ocupar um lugar no altar reservado às promessas literárias.  Era o momento em que a literatura espanhola, sem medo de reconhecer a influência dos grandes escritores do boom latino-americano, como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa, reciclava-se e passava a apresentar um produto novo.       

         Trinta e seis anos depois, Mendoza não é mais uma promessa, mas, sim, um autor consagrado. No total, o autor já deu à luz 17 títulos, tendo vendido cerca de um milhão e meio de exemplares. Só o recente A assombrosa viagem de Pompônio Flato (Planeta, 2010), que o autor define como uma “novela de humor” ou “de avión”, passou dos 500 mil exemplares na Espanha. Como seus livros “vendem como churros” – para se repetir aqui uma típica frase mendozina –, ele vive de direitos autorais há três décadas, privilégio reservado a poucos.

        Hoje, além de indiscutível ponto de referência na literatura espanhola, Mendoza, mesmo a contragosto, é leitura obrigatória em programas escolares. O mistério da cripta amaldiçoada e El laberinto de las aceitunas (Seix-Barral, Planeta Espanha) são renovadores na forma, embora resgatem a tradição picaresca e até uma esquecida fórmula cervantina – a de utilizar como paródia uma linguagem anterior à de sua época.

            Além de deixar evidente, a partir de seus próprios títulos, a influência do gênero policial – mais especificamente, o romance negro norte-americano –, seus livros resgatam não só a tradição do romance popular como a do romance gótico, ficção romântica que dominou a literatura inglesa durante o final do século XVIII e início do XIX, geralmente ambientada em cenário lúgubre e desolado, no qual se desenrolam enredos de mistério e terror. Nestas duas obras, é um detetive louco quem “escreve” os livros não no momento em que ocorrem as aventuras, mas na hora em que são contadas.

            Para tanto, Mendoza recupera um personagem bem espanhol, o pícaro, uma espécie de Lazarillo de Tormes (1554), romance de autor anônimo. O pícaro de Mendoza repete um truque de Miguel de Cervantes que, por sua vez, colocou Dom Quixote a falar um idioma que já não era o de seu tempo, mas um castelhano primitivo, reconstruído com erros e tonterías, o que, hoje, por causa da distância, é difícil de perceber. Assim, o detetive louco de Mendoza escreve um espanhol de paródia, pois procura falar de uma maneira elegante e culta, mas que soa ridícula porque já fora do seu tempo.

            É esse tipo de literatura descompromissada que faz Mendoza popular entre os jovens leitores, além de ser talvez o maior romancista espanhol vivo.

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br