:::::::::::::::ADELTO GONÇALVES::::::::::::::

Homenagem ao professor Leodegário

CONGRESSO INTERNACIONAL DE LÍNGUA PORTUGUESA, FILOSOFIA E LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA COMEMORATIVO DO 63º ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO DA ABRAFIL E DO 80º ANIVERSÁRIO DO PROFESSOR EMÉRITO DA UERJ, LEODEGÁRIO A. DE AZEVEDO FILHO, organizado por Leodegário A.de Azevedo Filho, Ilka Azevedo e Marcia Moraes. Rio de Janeiro: CCAA Editora, 2008, 496 págs.

I

            Realizado de 17 a 21 de setembro de 2007, no Rio de Janeiro, o Congresso Internacional de Língua Portuguesa, Filosofia e Literaturas de Língua Portuguesa homenageou o 63º aniversário de fundação da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil) e o 80º aniversário de Leodegário A. de Azevedo Filho, professor emérito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), fundador e presidente atual da Abrafil.

            Com o apoio da Faculdade CCAA, saiu à luz um grosso volume de quase 500 páginas reunindo as conferências, resumos de comunicações livres e textos especiais apresentados durante a semana de realização do Congresso, que contou com a participação não só de renomados filólogos e acadêmicos brasileiros e portugueses como de estudiosos de vários países, como Inglaterra, Espanha, Suíça e Japão.

            Encarregado por seu pares, o professor Antônio Martins de Araújo, presidente da Comissão Executiva do Congresso, destacou a carreira do professor Leodegário, titular cadeira de Literatura Portuguesa, aposentado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e professor emérito da Uerj, além de intelectual com vasta obra em que se destaca a hercúlea missão que assumiu de estabelecer a verdade textual da lírica de Luís de Camões. Já datam dos anos 70 seus Ensaios de Lingüística e Filologia, ponto de partida para seus estudos camonianos: O cânone lírico de Camões e A lírica de Camões e o Problema dos manuscritos.

            Nos últimos tempos, o professor tem publicado e oferecido a sua legião de amigos uma série de plaquetes sobre o tema, além de liderar uma equipe de estudiosos que vem publicando a edição crítica da Lírica de Camões, planejada inicialmente pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (IN-CM), de Lisboa, para ser editada em oito volumes distribuídos em doze tomos. Como destacou o professor Araújo, cerca de dois terços do plano editorial da obra já se encontram editados.

            Sua última grande missão foi a publicação de uma edição fac-similada de Os Lusíadas, pela editora Francisco Alves, do Rio de Janeiro, exemplar do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que pertenceu à biblioteca particular do imperador Pedro II. É um trabalho que constitui uma contribuição inestimável para uma futura edição crítica ou uma edição diplomático-interpretativa que, como se sabe, ainda não se fez de modo satisfatório, ainda que já tenham sido publicadas tanto em Portugal como no Brasil edições que foram e continuam sendo muito úteis para o estudo da obra camoniana.

            Nem por isso o professor Leodegário deixa de continuar a oferecer aos seus amigos e admiradores suas famosas plaquetes – as últimas, Camões: um soneto do corpus possibile – o dia em que eu nasci moura e pereça (Rio de Janeiro, H.P.ComuniCação Editora, 2009, 2ª ed.) e Fernando Pessoa, seus heterônimos e a emergência do novo (2009), texto que ofereceu àqueles que tiveram a oportunidade de participar da cerimônia em que recebeu o Diploma de Doutor Honoris Causa conferido pela Universidade Fernando Pessoa, do Porto, no dia 13 de junho de 2008, data de nascimento do poeta português.

II

             Entre as 41 conferências que fazem parte do livro-homenagem, aquela que abre a edição, “A moderna escola camoniana brasileira”, da professora Marina Machado Rodrigues, da Uerj, destaca exatamente esse trabalho da equipe criada pelo professor Leodegário para lidar com um dos mais complexos problemas da Língua Portuguesa. Como se sabe, a Camões se chegou a atribuir mais de 600 composições até o final do século XIX. Depois, concluiu-se que teria composto minimamente 133 textos líricos.

            Como observa a professora Marina, os equívocos em relação à autoria camoniana têm início ainda no século XVI, já que Camões publicou em vida, além do poema épico Os Lusíadas, de 1572, somente três textos líricos: a ode ao Conde do Redondo, “Aquele único exemplo”, em homenagem a Garcia d´Orta, nos Colóquios dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, deste último (1563); o soneto “Vós nimphas da Gangética espessura” e a elegia “Depois que Magalhães teve tecida”, ambos dedicados a D.Leonis Pereira, embora os tercetos fossem em homenagem a Pêro Magalhães Gândavo, autor de História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamam Brasil (1576), onde foram publicados os dois últimos. Todas as outras composições, assinala a professora, ficaram dispersas em “cancioneiros de mão” e foram recolhidas mais tarde pela tradição impressa, o que favoreceu a inclusão de textos apócrifos.

            Foi Emmanuel Pereira Filho quem, em 1967, escreveu o ensaio “Aspectos da Lírica de Camões”, publicado nas Atas do I Simpósio de Língua e Literatura Portuguesa, com uma proposta concreta para a revisão dos muitos equívocos que marcaram a edição impressa das obras de Camões. Foi com ele que nasceu a Escola Camoniana Brasileira, assim batizada por Antonio Houaiss, para destacar uma metodologia que se diferenciava das demais.

            Com a morte prematura de Emmanuel Pereira Filho, o professor Leodegário assumiu a tarefa de se chegar próximo tanto quanto possível do original perdido, recusando critérios subjetivos e partindo de seguros métodos ecdóticos. É claro que, como ressalta a professora Marina, à falta de um autógrafo do poeta, lidamos sempre com hipóteses. E sempre haverá quem possa contestar este ou aquele critério ou definição.                                     

 

II

              Seja como for, como observa no ensaio “Posições teóricas de crítica textual de Leodegário A. de Azevedo Filho na edição de Sonetos de Luís de Camões em 2004”, o professor José Pereira da Silva, da Uerj e da Abrafil, o método adotado pelo professor Leodegário procura desenvolver um corpus com incerteza autoral mínima, criando assim “a primeira e mais importante dimensão da lírica de Camões”.

            Afirma Pereira, com justiça, que o professor aplica critérios de crítica textual bastante rigorosos, que levam a um pequeno elenco de obras. “Busca estabelecer um conjunto de poemas líricos de Camões que materialize o conceito de corpus minimum – entendido este como o menor elenco de obras que apresenta um mínimo de incerteza autoral por atender, sem redundância, ao máximo rigor possível da crítica textual para determinação do autor”, diz. E acrescenta: “Consegue colecionar os poemas sobre os quais as dúvidas de autoria tornaram-se insignificantes mesmo para os mais céticos”.

             Dessa maneira, lembra Pereira, com a perseverante dedicação do professor Leodegário, mais 31 sonetos puderam ser incluídos nesse corpus minimum (estabelecido por Emmanuel Pereira Filho), chegando ao total de 65 textos dos quais dificilmente se poderá negar a autoria de Camões. E que estão na edição de Sonetos de Luís de Camões: Corpus minimum. Textos estabelecidos por Leodegário A. de Azevedo Filho, a partir de manuscritos quinhentistas (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 2004).

            Agora, ficamos no aguardo da conclusão dos trabalhos da edição completa de Camões pela IN-CM, que deverá trazer a confirmação de todos os poemas líricos que resultaram da pena do maior poeta da Língua Portuguesa. “Senão de todos, ao menos daqueles para os quais esta possibilidade exista”, como observa Pereira.

Adelto Gonçalves, nascido em Santos, Brasil, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanholas e Hispanoamericana pela Universidade de São Paulo (USP). É autor de Bocage: o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Fernando Pessoa: a voz de Deus (Santos, Universidade Santa Cecília, 1997), Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981) e Mariela morta (Ourinhos-SP, Complemento, 1977). É colaborador da revista Vértice, de Lisboa, desde 1994. Escreve também no quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e na Revista Forma Breve, da Universidade de Aveiro, No Brasil, escreve na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, no Jornal Opção, de Goîânia, e na Revista Philologus, do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. É membro da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil). É professor de Jornalismo na Universidade Santa Cecília, de Santos, e no curso de Direito da Universidade Paulista (Unip), campus Rangel, em Santos. Ganhou os prêmios Assis Chateaubriand, de 1987, e Aníbal Freire, de 1994, da Academia Brasileira de Letras, e Ivan Lins de Ensaios, de 2000, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro.Escreveu prefácios para dois livros de contos de Machado de Assis publicados em 2006 e 2007 pelo Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, Rússia, em edição bilíngüe russo-portuguesa. Jornalista desde 1972, trabalhou em O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Editora Abril e A Tribuna, de Santos. Foi correspondente em Lisboa da revista Época em 1999-2000.

 E-mail: adelto@unisanta.br