::::::::::::::::::NUNO REBOCHO:::::::
ANTEPASTO DE ESTALO - A ESPINHETA

Se preciso fosse demonstrar a simplicidade de processos da culinária lezirã, nisso parente chegada da alentejana (ou não fossem ambas áreas de largo pasto, de maiorais – mórais, dizem pelos alentejos) aí estava a espinheta para bom exemplo. É verdade que a bondade deste petisco de bacalhau ultrapassou a geografia ribeirinha e assentou arraiais por toda a planície a sul e ganhou o norte do Ribatejo a tal ponto que há quem advogue que em tais sítios fica a pátria desta espinheta, que merece do vulgo a corruptela por que se fez mais conhecida: punheta de bacalhau.

Em foro genealógico de comes mal irão as pretensões de ciência certa, a menos que se encontre documentação genuína, comprovativa, o que é raro. Seja o berço da espinheta onde seja, verdade é que, no mínimo, ela é parenta próxima das maneiras de bacalhau da lezíria e os motivos que terão levado o campino a afeiçoar-se prendem-se com as dificuldades da gamela. O bacalhau demolhado era produto que se aguentava dias, protegido, na garupa do alazão; cebola e alho cabiam lá; o azeite guardava-se na almotolia; o vinagre cabia num frasco pequeno. O resto era dar trato à imaginação para variar a ementa, que bem aconselha o rifão que nem sempre sardinha, nem sempre galinha.

E quanto à corruptela... Está no viço e no vício. Tomou-se o gosto da brejeirice, tantas vezes parelho ao da asneira. Tão asneira como essa de apalavrar de “carne de porco à alentejana” o que é outra coisa: carne de porco alentejano (o tal “pata preta”) com ameijoas, também elas transformadas em berbigão ou cricas, por força do aperto orçamental.

Vamos à espinheta. Dessalgada a conserva do bacalhau, memória do tempo de “fiel amigo”, era só desfiá-lo para a gamela, tirar-lhe as espinhas. Cebola e alho picados, muito picados, coentro e salsa do mesmo modo. Azeitado o conjunto, um nada de vinagre, e era só amassá-lo à mão. Daí o de algum modo justificar-se o derivativo do nome que erradamente perdurou - a punheta. O vinagre na espinheta é característica ribatejana, já que pelo Alentejo (nalgumas regiões) a vamos encontrar confeccionada sem o vinagre. E em vez de salsa, o poejo ou o coentro, ou “ambos os dois”, como diria certo amigo meu. Também já o papei com agrião da ribeira, picadinho, e apreciei.

Mais simples do que isto não há. Foi muitas vezes repasto do campino e do ganhão (nos tempos do “bacalhau a pataco”, que vão tão longe quanto os patacos). Hoje é petisco de tasquinhas. Mas pode (meu Deus, deve) servir de antepasto - vão lá chamar-lhe entrada, quando o português escorreito tem para isto um termo gostoso.

 

Nuno Rebocho