NUNO REBOCHO

Recordando um amigo – Rui Tovar


Há anos que o não via nem com ele falava, mas tinha por ele uma longa amizade – desde que, em 1974, pouco antes da revolução, o conheci na redacção do velho “República”, onde então trabalhava, como revisora, a minha mulher.

 Desde essa época aprendi a respeitar o bom Rui Tovar e manter com ele amizade enquanto a vida o ia atirando de redacção para redacção, tantas vezes ao sabor das ondas do amor pela liberdade e democracia que nos unia – o antigo “Século”, o “Dia”, as bancas da “Rádio Comercial”.

Morreu o Rui Tovar. Ele, que abominava colocar-se em bicos de pés, foi notícia em todos os jornais e poderia ter falecido com a consolação de que até aqueles que o criticavam e ferozmente o perseguiram, afinal, o admiravam… até quando o procuravam isolar. Vamos descobrindo tais coisas à medida que envelhecemos.

Algumas vezes o visitei. Com alguma constância quando nos uniu a mesma revolta contra a extinção da ANOP (de boa memória) ou quando eu buscava colaborações para o “Novo Observador”, onde fui subchefe de redacção, ou o Carlos Plantier mo invocava nas mesas do “Jornal Novo” e, depois, de “A Tarde”. Tive então oportunidade de conhecer de perto as suas capacidades como jornalista, dos melhores, sempre amplamente informado do assunto que, como poucos, dominava – o desporto.

Foi com indignação que assisti à perseguição que os sicofantas (que hoje vejo chorarem “lágrimas de crocodilo”) lhe moveram. Tentaram arrasá-lo e hoje incensam-no. Muitas vezes por motivos politiqueiros (porque o Rui não se vendia nem se bandeava e sempre recusou os acenos dos inimigos da liberdade e rechaçou qualquer forma de censura), tantas vezes por ciúme ou inveja: a verdade é que quantos o amesquinhavam pouco ou nada valiam.

Custa-me este comportamento de “duas caras” que se tornou hábito de muita gente. Bem sei que “todos os mortos são bons”, sobretudo porque já não pode directamente denunciar as infâmias. Todavia, o dever da amizade, do respeito e solidariedade que, para com ele, tinha impele-me a condenar veementemente a reles hipocrisia de certos sabujos que, infelizmente, cada vez mais encharcam os meios de Comunicação Social.

Nuno Rebocho

 
 
 
Nuno Rebocho - Nascido em 1945, em Queluz (Portugal), viveu em Moçambique desde os três meses de idade até 1962. Jornalista, poeta e andarilho – bastou-lhe ter estado preso por cinco anos na Cadeia do Forte de Peniche (por cinco anos, motivos políticos), para recusar ser animal sedentário. Viveu a imprensa regional (Notícias da Amadora, Jornal de Sintra, Aponte, A Nossa Terra, Jornal da Costa do Sol, Comércio do Funchal, entre outros), foi redactor da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, das revistas O Tempo e O Modo e Vida Mundial, em diferentes diários e semanários, e é chefe de redacção da Antena 2 da RDP. Colaborador de Acontece en Sorocaba (Brasil) e Liberal (Cabo Verde). Autor de “Breviário de João Crisóstomo”, “Uagudugu”, “Memórias de Paisagem”, “Invasão do Corpo”, “Manifesto (Pu)lítico”, “Santo Apollinaire, meu santo”, “A Nau da India”, “A Arte de Matar”, “Cantos Cantábricos”, “Poemas do Calendário”, “Manual de Boas Maneiras”, “A Arte das Putas” (poesia), “Estórias de Gente” (crónicas), “O 18 de Janeiro de 1934”, “A Frente Popular Antifascista em Portugal”, “A Companhia dos Braçais do Bacalhau” (investigação histórica), está representado em diversas antologias e colectâneas em Portugal, Espanha e Brasil. Tem colaborado em catálogos para exposições de artes plásticas: Ramón Catalan, Deolinda, Carlos Eirão, Alfredo Luz, Edgardo Xavier, João Alfaro, Maria José Vieira, Ricardo Gigante, Ana Horta, Isabel Teixeira de Sousa, Nuno Medeiros, Viana Baptista, Teresa Ribeiro, Rico Sequeira, João Ribeiro, José Manuel Man... Comissariou a Bienal do Mediterrâneo, Dubrovnik (Croácia), em 1999.