JÚLIO CONRADO...

Bilhete postal para José Fonseca e Costa
ADEUS, “APACHE MALICIOSO”

 Só transcorrida uma década após a publicação do meu romance Desaparecido no Salon du Livre, descobriu o cineasta José Fonseca e Costa (Kilas o Mau da Fita, Balada da Praia dos Cães, Cinco dias, Cinco noites, Sem Sombra de Pecado, etc.) quem era o “Apache Malicioso” do livro. Alguém o terá informado (ou por dedução sua após leitura), que aquele “índio” não poderia ser outro senão ele.

Certo dia recebo um telefonema em que se fez anunciar deste jeito:

“Daqui fala o Apache Malicioso.”

Visivelmente bem-disposto, a avaliar pelo tom de voz, informou-me de que se divertira à grande com a personagem, evocação daquele que, com inigualáveis persistência e contumácia, investia, numa coluna do Jornal de Negócios, contra a política cinematográfica do ministro Carrilho, então com a pasta da Cultura a cargo.

Foto de José Fonseca e Costa em: http://visao.sapo.pt/actualidade/cultura/2015-11-03-Jose-Fonseca-e-Costa--1933-2015--um-filme-sem-fim

A “épica” resistência encontrou eco no meu romance que, não obstante o registo paródico – comum, aliás, à generalidade da temática abordada – o levou a reagir, de maneira assaz prazenteira, à recordação ficcionada do discurso truculento do feroz colunista.

Por uma vez, depois de várias ocasiões em que nos cruzámos, ouvi-lhe o riso – estreia absoluta!

Partiu sem ter completado o filme que realizava. Deixa obra ímpar no cinema português. Nunca permitiu que o esquecessem.

Adeus, “Apache Malicioso.”

Portou-se bem.

                                   S.João do Estoril, 2 de Novembro de 2015

 

Júlio Conrado. Ficcionista, ensaísta, poeta . Olhão, 26.11.1936 . Publicou o primeiro livro de ficção em 1963 e o primeiro ensaio na imprensa de âmbito nacional em 1965 (Diário de Lisboa). Exerceu a crítica literária em vários jornais diários de referência e em jornais e revistas especializados como Colóquio Letras, Jornal de Letras e Vida Mundial. Participação em colóquios e congressos internacionais. Participação como jurado nos principais prémios literários portugueses. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, Associação Internacional dos Críticos Literários, Associação Portuguesa dos Críticos Literários e Pen Clube Português. A sua obra ensaística, ficcional e poética está reunida numa vintena de livros. Alguns livros e ensaios foram traduzidos em francês, alemão, húngaro e inglês.

Ver bio-bibliografia alargada em:

http://penclube.no.sapo.pt/pen_portugues/socios/julio_conrado.htm