JOSÉ DIAS EGIPTO
Alucinações
Alucinações
I

No peitoril da janela a tarde mansa

em revérberos ocres que se despem,

longamente, na ramagem.



A brisa folheia o tempo aceso

no livro das horas

com rosados aromas a maças

bravo-de-esmolfo

trazidas na memória das mãos

que as colhiam para mim.


No banco de granito ainda quente

do sol agora posto,

cúmplice deste tempo impuro,

sinto-me mais frio e grave

do que este perpianho

em muro

que me olha com espanto doce!
II
Um nome, um monte,

uma fonte primeira,

uma esteira de luz

que se adivinha no traço do rosto,

um mosto pisado pelos olhos

que cegaram de tanto querer ver.



Pudesse eu verter em palavras

o frémito oculto daquele instante,

a leda agonia do bater de um coração

quando se calam as vozes

e um peito cresce do avesso

para um começo de dias impossíveis.



Desse relâmpago extinto,

que uniu de luz aqueles olhos,

resta apenas uma poalha de indícios,

um cheiro remoto a terra lavrada,

um húmus exangue de abraços,

de uma semeadura temporã e inusitada.
III
Na meia tarde

o corrupio de vozes,

como nas grandes gares

onde metade de nós se ausenta

e a outra permanece,

às vezes, nos desvãos

dos gestos húmidos

dos sonhos e das mãos.



Na meia voz

a despedida iminente,

como rescaldo de fogo de Verão

com chamas que ainda sobem

em noites negras e silentes,

cordões de lume

que arrefecem longamente

num colo alagado de queixume.



Na meia cama

a cava vazia e prudente,

como um rosto alucinado

onde gemidos desnudos

em olhos parados

esbracejam nos lençóis,

num restolho de sumos e suores,

como dedos fazendo caracóis.

José Dias Egipto, pseudónimo literário de José Carlos Pacheco Palha. Nascido em Braga – Portugal, em 1953, no seio de uma família tradicional da média burguesia. O pai, médico polivalente em tempos de guerras mundiais, influenciou-o desde muito novo para os valores da entrega ao próximo e para uma visão humanista da vida e do mundo. Licenciou-se em Medicina na Faculdade do Porto e especializou-se em Pediatria e Neonatologia. Passou a exercer funções no concelho de Vila Nova de Gaia onde permaneceu até hoje.

Cedo começou a escrever mas só muito tarde os seus poemas foram dados a conhecer. O seu primeiro livro, O Silêncio das Palavras, foi editado em 1999 pela Elefante Editores de Espinho. No ano 2000 saíu o seu segundo livro, misto de diário e ensaio, sob o título, Pessoal e Transmissível, pela Plural Edições de Espinho. Um segundo livro de poesia, Soletrando o Azul, surgiu em 2002 e recebeu, nesse ano, a única Menção Honrosa do Prémio António Patrício de poesia, da S.O.P.E.A.M. Em 2008 lançou pela Calígrafo, de Braga, um livro de contos intitulado O Último Passageiro. Já recebeu outras menções honrosas em concursos de poesia em Portugal. Colabora com várias revistas culturais e participou também em várias Antologias em Portugal e no Brasil; mantem uma crónica semanal, FarpasLusófonas, no portal da internet Portugal-em-Linha. É sócio desde o inicio da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos ( S.O.P.E.A.M.) bem como é o representante no Porto da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores ( SOBRAMES ). Faz parte igualmente da Associação de Escritores de Gaia.