Inácio Nunes

Palacete de José Maria Ramalho Perdigão

Construção do Palacete

A autora Joana Esteves da Cunha Leal, na sua dissertação de Mestrado em História de Arte, refere que alguns autores definem o começo da edificação do palácio nos inícios dos anos 60, como por exemplo Túlio Espanca que refere a data de 1863 no seu estudo do Inventário Artístico de Évora.

Assim sendo, a edificação do palacete demorou alguns anos, devido às aprovações de licenças de construção do mesmo por parte da autarquia e que ficaram registados nas actas das sessões da mesma, mas que não há referências em relação a este palacete.

O Senhor José Maria Ramalho Perdigão fazia negócios com a Câmara Municipal de Évora para alargar os terrenos ao pé da porta do Rossio de S. Brás a fim de construir a sua casa a partir de 1856.

A concretização deste negócio foi no ano de 1859, depois da assinatura da escritura, em que o acordo estipulava que a Câmara não era prejudicada, trocando o pagamento de um foro de terra onde seria a edificação do palacete ao pé do Rossio, onde o proprietário teria que pagar cinco foros de impostos dos diversos terrenos situados em Évora e o que restava na quantia de 1200$00 reis (1).

Na 2. ª metade dos anos 50, o proprietário assinou outro contrato com o Município para fornecimento de água vinda do Aqueduto de Água de Prata para rega dos seus jardins da sua habitação nobre.

Contudo, na documentação referente a 1859, já estava referenciada o início da edificação do palacete, devido ao processo de regulamentos das obras que se realizaram um ano antes da finalização da 2. ª metade dos anos 50. Pelo contexto das ditas actas, o proprietário já tinha alargado os seus terrenos em detrimento da limitação original, no emparcelamento adquirido pelo Município, que no entanto, foi antes de se casar com a D. Angélica Fernandes no ano de 1864, tomando posse de um grande edifício situado ao pé do Rossio em que o residente era o avô da mulher que ia realizar o matrimónio, o sargento- mor António José Fernandes.

Descrevendo a habitação nobre do senhor José Maria Ramalho Perdigão - era constituída por 16 casas elevadas e 6 menores, incluindo uma cavalariça, palheiro, com arame para os touros e um pátio, um quinchoso com nora e uma estalagem em conjunto com a habitação que são ao todo 9 casas menores e 2 cavalariças com palheiro e quintal.

Em relação à caracterização de uma habitação nobre dos sécs. XV e XVI é muito diferente, mas as raízes podem ter sido de uma casa de características da Idade Média devido a ter uma estrutura de fortificação pertencendo ao amuralhado da cidade de Évora e porque foi o local onde os reis vinham estabelecer o seu governo, sendo esta cidade considerada a segunda capital do reino.

Por falar nas obras de ampliação e melhoramento da habitação durante os primeiros inícios do séc. XIX, esta manteve-se inalterável na sua composição organizacional, tal como ter sobrevivido á estalagem que estava localizada mais longe. Isto é, o senhor José Maria Ramalho marcou um certo ponto de viragem excepcional no conteúdo da arquitectura da cidade de Évora nos anos 80 do séc. XIX, sendo uma construção de um aparato habitacional e dimensional para a época.

A autora fala-nos do investigador Hélder da Fonseca que nos dá conta de que o lavrador José Maria Ramalho renovou o mobiliário no interior do seu palacete como forma de demonstrar como a sociedade dessa época é muito dada à sua aparência de estatuto e grandeza. Já noutra fase das obras, um viajante de Lisboa com o nome de Carlos Basto achou um palácio sem salas de baile, que o arquitecto não tinha posto no projecto e que o gasto foi muito elevado, ou seja, no valor de 120 contos da época.

Pelo projecto que desenhou o arquitecto italiano Cinatti, a casa nova do lavrador reproduziu a frente principal e a sua simetria orgânica, dividida em três partes como se encontrava nas obras feitas por este arquitecto na capital do país Lisboa e no palácio de um burguês chamado Bessone. Na sua constituição construtiva destaca-se um corpo no centro com delimitação de duas grossas pilastras que rompem com a cornija, vão repetir o grafismo dos dois cunhais da casa acentuada numa varanda que está agarrada a sete modilhões. Seguidamente descrevem-se os três pórticos, com grande largura no rés- do- chão, que se recortaram na zona central, isto é, fez-se uma abertura neste sitio em contraste com a aparelhagem de cantaria nua que faz parte do revestimento do amuralhado. A nível do aspecto da decoração do palacete, Cinatti utilizou uma superfície lisa ornamentada no lugar vazio no meio dos modilhões que suportam o balcão da sala nobre superior assim como estes se encontrarem decorados com aspectos naturais.

Ao contrário da arquitectura de Lisboa, as casas tinham mais andares e assim este palacete só conta com um andar a mais. Explicitamente, o proprietário disse a Cinatti que o piso acima sendo nobre, seria limitado por ter sido incluído um friso em forma de corredor que se prolonga pelo alçado e fazendo parte as janelas com sacada. Também na parte decorativa das janelas do palácio, três janelas de peito fizeram-se rasgos em cada um dos lados do rés- do- chão, sendo que no andar de cima, nas janelas estão ornamentadas com vãos, pois este aspecto é diferente do que Cinatti fazia nos seus trabalhos na capital.

Pela esquemática projectista de Cinatti, sobrepunha um modo decorativo nas janelas dos andares dos palácios nobres, que se chamam cornijas que faziam o desenho de uma recta perfeita, e assim teve que projectar arcos de volta perfeita no palacete do lavrador. Por outro lado, simulou a pedra na fechadura do arco que recorreu a outra forma de ornamento desenvolvida com folhas gordas acompanhadas com a curva do vão. De seguida desenhou uma nova linha frisada sob esta curva do vão, dando a duplicidade de arcos como se construía na Idade Média, e prolongou-se pelas fachadas do palácio.

Esta decoração consistia em que tudo fosse uniformizante num todo sendo apresentada uma balaustrada conjuntamente com uma linha que a decora, decorrida de uma cornija que se concebeu de uma linha lombarda com que fazia um método de reviver a idade romântica. Desenhou uma sucessão de arcos-cegos rematados num botão em flor pingada que terá buscado ao movimento naturalista, remetendo-nos essencialmente no aspecto decorativo chamado manuelino que se recuperou para a construção do palácio da Pena, em Sintra no séc. XIX.

No que concerne à especialização de decorador, cenógrafo, Cinatti optou por reconstruir alguns aspectos degradados dos monumentos e palacetes na cidade de Évora com motivos decorativos manuelinos e góticos como forma de dar um certo esplendor renascentista e romântico, como por exemplo a Galeria das Damas do paço real no lado manuelino, e isto é preservar o património histórico eborense.

Nesse começo da construção do palácio, houve vários contratempos devido à irregularidade do terreno para se fazerem as fundações dos alicerces. Alguns dos alçados virados para a zona sul e a Este foram construídos encostados à muralha da cidade, e Cinatti desenhou uma zona de protecção militar do Príncipe que se chama bastião. Devido a um problema de o ângulo recto que faz parte da fortificação, fez impedir que a edificação do palácio tivesse o formato de rectângulo em U, pois já no lado norte não havia nada a impedi-la, teve um crescimento muito maior. Distribuindo pelos espaços, este é começado pelo pátio interno em jardim como era feito na tradição popular. Entretanto, o jardim era composto por um kiosque na zona central, e que foi visto em 1867 pelo Senhor Carlos Basto. Mas actualmente existe uma gárgula em calcário que se executou no original, e foi posta no tanque do jardim e da horta do palácio, sendo os seus elementos os dois leões que brincam um com outro em que ( o cavaleiro do outro), ou seja, o que está em baixo é híbrido com cauda de peixe apoiado num ornato em espiral de granito (2). Foi feita em mármore da região e é caracterizado da época seiscentista. Mede de altura 1.80 m e de comprimento 1.05 m. Esta peça veio do antigo mosteiro do Espinheiro.

O palacete tem três entradas que são lado a lado umas das outras. Para se aceder ao andar mais nobre, onde se situavam as salas onde se recebia os convidados e os quartos particulares, que estavam mais atrás, fazia-se por uma grande escadaria que ainda tem a chancela inicial, a iluminação é realizada por três grandes janelas que dão para o pátio.

A autora faz referência ao desconhecimento de haver um projecto antigo do palácio de José Ramalho, isto é, pelas anotações escritas no diário do senhor Carlos Basto ( 1843- 1915? ) que era filho de um homem de negócios da praça de Lisboa ( Nuno José Peixoto Basto ), permitiram a verificação de que a casa onde os esposos passavam mais tempo está situada no corpo lateral do palácio. O rés – do – chão e o piso acima deste tinham uma organização espacial em que são combinadas salas de baile maiores, outras salas muito bonitas e uma imensidão de gabinetes que foram construídos lateralmente à casa de jantar, em que existe uma sala para a bebida e conversa, outra para os convidados e donos jogarem. Por assim dizer, havia um espaço que fazia a divisão das zonas de privacidade por estes espaços terem sido construídos com uma certa hierarquia, e a existência de segundos corredores para a circulação do casal e daqueles que o visitava. A divisão do edifício foi programada de modo a ser utilizável na sua diversidade espacial a nível social, sendo que a sua distinção pelo formato decorativo a sua mobília e a sua riqueza impressionou o filho do negociante de Lisboa.

Tendo uma estalagem para hospedar os convidados em que o rendimento que se calculou terá sido de 40 contos por ano, e isto dava uma certa grandeza dos seus donos. As casas do interior foram modificadas com grande pompa após a morte do lavrador, e do segundo casamento da viúva com o Sr.º Francisco Eduardo de Barahona Fragoso.

No rés – do – chão situavam-se as salas dos serviçais, e os quartos destes eram numa zona muito escura. Já no piso acima do rés – do – chão, virado na direcção onde nasce o sol por causa do desnivelamento do terreno, desenvolveu-se uma zona espacial que foi ocupada por 9 divisões, com a inclusão da cozinha e de várias salas de arrumação. Com isto tudo o edifício ocupava um terreno alargado de 1054 m2, em que a composição do piso de cima era de 19 salas, um andar acima com 15 divisões e com a sobreposição de cinco quartos que eram destinados às empregadas /os que faziam as tarefas domésticas.

Para se aceder ao jardim, fazia-se por um corredor de rara beleza, composto por antigos vestígios decorativos do convento de Santa Maria do Espinheiro e que foram inseridos no palácio no ano de 1867. Este lavrador terá comprado o portal construído em mármore de Estremoz que vai dar aos jardins do Baluarte da frente à nascente, que é uma peça de estilo rococó com ornamentação de elementos naturalistas inspirados no naturalismo francês, realizado nos fins do reinado de D. José por escultores de Lisboa. Este brasão é constituído pelo escudo da Ordem de S. Jerónimo, tratando-se de um exemplar raro e único.

Parece no entanto, que o Sr. José Ramalho Perdigão fez um negócio com o Município para a compra de um espaço adjacente aos jardins do palácio para alargar essa área em que ultrapassou a limitação do fortificado amuralhado de Évora, ou seja, umas terras que estavam abandonadas no Rossio de S. Brás, e o contrato do foro foi assente no dia 30 de Julho de 1863 com as entidades municipais, e estas terras foram compradas por 9 mil reis anuais. O terreno de que se fala neste parágrafo, é hoje a Horta das Laranjeiras, pois é composto por árvores de fruto nacterineo.

Por detrás do palácio, ficavam os armazéns agrícolas, as cavalariças, palheiros e arame para guardar os touros, com um pátio e uma cocheira, sendo incluindo um poço e outras cavalariças que pertenciam à estalagem. Mas ainda tinha picadeiros, celeiros, abegorias, oficinas de ferreiro e vários espaços para os serviçais da habitação agrícola fausta e de grande importância.

Este palácio Ramalho era uma construção arquitectónica baseada na privacidade e com carácter de aristocracia que sobreviveu até aos nossos dias, e sendo exemplo da conversão dos alicerces antiquados em superfícies novas, ou seja, o proprietário teve que dizer a Cinatti que o desenho espacial tinha de adequar-se aos cuidados básicos do mesmo, pois manteve a sua actividade agrícola que era lavrar as suas propriedades que tinha no exterior da cidade de Évora. Ao seu dispor tinha um vasto pessoal criado e uma pessoa que lavrava os terrenos das suas grandes propriedades latifundiárias.

Como tinha referido nos parágrafos anteriores, este lavrador administrou as suas terras agrícolas com afinco, com rigor financeiro e disciplinar aos seus empregados que trabalhavam nas suas terras, mas no entanto fez a modernização com base em técnicas agrícolas muito avançadas para a época. Ou seja, empregava 800 a 1000 servidores, entre empregados, feitores, operários, ganadeiros, entre outros. José Maria Ramalho não poupava dinheiro para o investimento para o arroteamento das charnecas e na escolha das sementes que mandava cultivar, fazia a criação de uma diversidade de gado em quantidade e qualidade desde cavalos que eram 123, éguas de grupo cavalar, poldros; 16 muares; 5 burros; 336 bovinos entre os quais 110 são bois de trabalho, 60 vacas de reprodução e 2 vacas taurinas; 4700 ovelhas e 168 cabras; 745 porcos já feitos. Portanto, quando se fez a inventariação do seu património, foi avaliado um edifício que mandou construir perto da muralha de S. Francisco (extinto convento), em que constava na sua tipologia, uma enorme adega, um lagar de azeite e vários celeiros, dos quais estava localizado na Horta de S. Francisco.

Das herdades que compunha o seu património, em que a produção de cortiça era elevada, foram as seguintes: as Herdades das Covas Ruivas, Formiga e a do Hospital, no concelho de Portel, e explorava o montado de sobreiro, tendo que por vezes dividir as suas propriedades para melhor rentabilidade agrícola. Também tinha em seu poder casas de habitação na vila de S. Mansos e herdades na proximidade, que dividiu 132 courelas nas herdades do Outeiro, o Monte Ribeiro e Vale Vazio. Outras das propriedades localizadas perto da cidade de Évora foi a herdade de Valle de Maria dos Morenos e da Defesa em Evoramonte.

Já na Primavera de 1884, tinha vários empregados ligados a um periódico eborense, e que eram 396 jornaleiros e 285 criados. Em relação aos armazéns, às adegas e aos celeiros, os produtos em stock eram os seguintes: 95.700 litros de trigo, 26. 100 litros de centeio, 34. 800 litros de cevada, 39. 150 litros de aveia, 12. 000 litros de farinha, 62. 220 litros de vinho e 19. 200 litros de azeite.

Fez a compra de várias alfaias, debulhadoras, materiais de adega e do lagar e as atrelagens para o gado cavalar ser posto para o trabalho do campo agrícola. Tendo introduzido o vapor para a movimentação do lagar no ano de 1861 e utilizou esta tecnologia para mover os moinhos e uma locomóvel para a moenda do olival e também comprou uma prensa hidráulica para extrair o bagaço e o azeite.

A concluir, o segundo marido da Dona Inácia, o Sr. º Barahona continuou o mesmo trabalho de gestão agrícola que tinha deixado o Sr. º José Maria Ramalho, no século XX.

A acabar esta fase da descrição do palacete do senhor lavrador abastado, conclui-se que o jardim era um lugar de descontração, divertimento íntimo entre o casal, mas também se cultivou um pomar e uma zona hortícola. Ao alargar a limitação da habitação particular para terras pertencentes ao município, conferiu a sua iniciativa, dimensionar a zona urbana da cidade. Isto é, deu desenvolvimento urbanístico e embelezamento para a sua própria casa e fez com que Cinatti desenvolvesse a melhoria urbanística com a edificação do Jardim Público ( Passeio Público).

Pelas fotografias que disponho, nota-se uma decoração das varandas das janelas viradas para a Rua Eborim constituídas por ferro e também a principal varanda da frente do palácio virada para a Rua da República , e as janelas de vidro e de madeira. E pintado com a cor verde, e também a utilização de telha para os telhados, de tijolo, e de pedra no campanário da torre que é de ferro.

 

(1) LEAL, Joana Esteves da Cunha – “ Guiseppe Cinatti (1808 – 1879). Percurso e Obra”. Sintomas de Mudança: O Despertar do olhar para a Herança Medieval. Palacete de José Maria Ramalho Perdigão. ( pps. 201 – 213). Dissertação de Mestrado em História da Arte, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa, 1996, pp.203.

(2) Túlio Espanca, pp.201.

Palacete Barahona - fotografia antiga sd.