BELVEDERE BRUNO
Um Sonho de Verão

A mulher corria na orla, olhando para trás com insistência. Expressão indecifrável. De quem ou do que fugiria, tendo a noite como testemunha?  Cobria seu corpo um vestido esvoaçante que, à medida que intensificava os passos, se transformava em múltiplas tonalidades, como se as cores obedecessem aos  toques rítmicos de seu coração.

Saído do nada, um homem para na frente dela e a agarra. Não os ouço, mas sei que discutem. A mulher procura soltar-se, mas o homem, num gesto brusco, joga-a na areia.  Ao cair, seu vestido, em puro carmim, se esfarrapa. Seminua, absorve em cada poro o cheiro de maresia.

Pernas e seios à mostra, ela cobre o rosto com as mãos, encolhendo-se,  trêmula.

- Me  deixa! Cansei! Vai embora! 

Ele a olha com ar sarcástico.

-Te deixo não. Você é minha. Safada, traíra, mas toda minha.

Começa, então, a acariciar seu corpo. Aos poucos, ela parece se desligar de tudo...

- Diz que não me ama, diz! 

- Não te amo nem sou tua escrava!

Não se contentando, ele rasga o que sobrara do vestido e ali, nus, começam a se beijar.

No auge do desejo, se esbofeteiam e se tocam, ávidos, como se procurassem descobrir segredos. Deitados na areia, todo aquele cenário assemelha-se a um paraíso orgástico, onde diversos aromas se misturam.

Num relance, tudo se desvanece. Vejo-a, mais uma vez, correndo na orla, virando o rosto para trás.  Quero saber  de quem e por que  foge. Alcanço-a. Nos olhamos  fixamente, sem dizer palavra. Seu rosto se torna mais nítido. Fico perplexa, é o meu próprio rosto!  Ela  volta a correr, desta vez, sem olhar para trás. Seu vestido esvoaça e se tinge de diferentes cores. 

Suando profusamente, desperto. Coração descompassado, tento de alguma forma desvendar o mistério que envolve o meu sonho. Quem sou?  O que busco?  Do que fujo?  

Procurando respostas, corro pela orla nesta convidativa noite de lua cheia.  Quem sabe amplie  minha percepção, desvendando desejos abissais?

Amanhece quando chego em casa. Sequer  ligeira lembrança do que passou,  a não ser o prazer de  me sentir flutuar enquanto corria.

A cabeça lateja, mas uma estranha sensação me percorre o corpo, dos pés à cabeça. Sorrio.
 
 

Belvedere Bruno nasceu  em Niterói/RJ, onde reside.  Cedo despertou  para as letras, graças  ao incentivo do pai, que sempre presenteou os filhos com livros. Atualmente, dedica-se às prosas, gênero onde mais se identifica. Tem várias antologias publicadas, como diVersos - Scortecci, @teneu.poesi@ - Scortecci, Com licença da palavra - Scortecci, O Conto Brasileiro hoje - Volumes VIII, Volume X e Volume XII - RG Editores. Tem publicações em diversos jornais da cidade, assim como em  outros estados, e mesmo no exterior. Vinho Branco, safra especial de contos e crônicas, seu voo solo, será lançado em maiode 2010.
http://www.belvederebruno.prosaeverso.net/

E-mail: belbruno@predialnet.com.br